domingo, 18 de setembro de 2011

Quando ouve falar de cultura que não seja a do regime, o MPLA pega logo nas pistolas




ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA

O Ministério da Cultura do MPLA proibiu a venda do disco “ditadura da pedra” do musico Brigadeiro 10 Pacotes  por alegadamente conter criticas ao Presidente José Eduardo dos Santos.

O regime angolano continua, dando largas à sua democracia “made in MPLA” a confundir cultura com o culto dos líderes que considera carismáticos.

Angola, apesar de ter 68% da sua população com a barriga vazia, continua a ser (re)construída à imagem e semelhança do MPLA, como se fosse um regime de partido único. E, de facto – que não de jure –, é isso mesmo.

Se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, heróis nacionais há só dois, Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis, tal como não haverá censura à cultura.

Até lá, os angolanos continuarão sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que António Agostinho Neto e Eduardo dos Santos foram os únicos a dar um contributo na luta armada contra o colonialismo português e para a conquista da independência nacional.

Agostinho Neto é, aliás, um paradigma da “cultura” do regime. O dia 17 de Setembro, instituído feriado nacional em 1980 pela então Assembleia do Povo, um ano após o seu falecimento na antiga União das Republicas Socialistas Soviéticas, deve-se, segundo a cartilha do MPLA, ao reconhecimento do seu empenho na libertação de Angola, em particular, e do continente africano.

E se Agostinho Neto teve, segundo o regime, todo esse fulcral papel, com alguma habilidade ainda vamos ver referências ao contributo para a libertação da Europa por parte de Eduardo dos Santos.

Fruto da entrega de Agostinho Neto à causa libertadora dos povos, o Zimbabué e a Namíbia ascenderam igualmente à independência, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul, esclarecem os donos do poder em Angola.

Pelos vistos, desde 1961 e até agora que só existe Agostinho Neto. Se calhar até é verdade. Aliás, bem vistas as coisas, Holden Roberto e Jonas Savimbi, FNLA e UNITA, nunca existiram e são apenas resultado da imaginação de uns tantos analfabetos e lunáticos.

Agostinho Neto foi também, segundo uma cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua, repita-se), “um esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrumentos para a reconstrução da nova vida”.

É claro que o Brigadeiro 10 Pacotes  não fala dos oprimidos nem denuncia os opressores. E não fala porque em Angola não há oprimidos nem opressores…

Cá para mim quem tem razão é José Eduardo Agualusa quando diz que “uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre”.

Continuemos, contudo, a ver a lavagem cerebral – bem visível hoje em todo o país - que o regime do MPLA pretende levar a cabo: “Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, Agostinho Neto, até à hora do seu desaparecimento físico, foi incansável na sua participação pessoal para resolução de todos os problemas relacionados com a vida do partido, do povo e do Estado”.

Numa coisa a cartilha do MPLA tem toda a razão e actualidade: “como o marxista-leninista convicto, Agostinho Neto reafirmou constantemente o papel dirigente do partido, a necessidade da sua estrutura orgânica e o fortalecimento ideológico, garantia segura para a criação e consolidação dos órgãos do poder popular, forma institucional da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”.

Como se vê, os destinos da Nação estão entregues desde 11 de Novembro de 1975 aos operários e camponeses do tipo José Eduardo dos Santos & Sonangol.

Em reconhecimento da figura do (suposto único) fundador da Nação angolana, estão erguidas em vários pontos do país estátuas, que simbolizam os seus feitos e legados, marcado pelas suas máximas “De Cabinda ao Cunene um só povo e uma só nação” e “O mais importante é resolver os problemas do povo”.

Pois! Nem Cabinda é Angola nem os problemas do povo foram resolvidos. Mas as estátuas aí estão para serem vistas por um povo que continua a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois com... fome.

Mas isso não pode ser dito por nenhum Brigadeiro 10 Pacotes.

*Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

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