Luís Andrade de Sá (texto) e António Silva (fotos), da Agência Lusa
Quelimane, Moçambique, 18 set (Lusa) -- Para chegar a horas à escola ou a uma consulta no hospital, para um encontro com a namorada ou com o patrão, em Quelimane já se sabe: manda-se parar uma bicicleta e 'ala! que se faz tarde'.
Há cinco anos que as bicicletas táxi, os "táxi-ginga", imperam na capital da Zambézia, no centro de Moçambique, aproveitando a quase ausência de relevo nas ruas e a inexistência de 'chapas', as famigeradas carrinhas de transporte coletivo que circulam em todas as cidades do país, exceto em Quelimane.
Uma viagem custa cinco meticais (12,5 cêntimos de euro) e é disputada avidamente pelos mais de três mil ciclistas taxistas que pedalam na cidade.
"Antigamente, podia ganhar uma média de 150 a 200 meticais, mas agora, como somos muitos, pode-se ganhar 100 meticais" por dia, queixa-se Carlos, um taxista de duas rodas que, com o seu salário, alimenta "uma família de três crianças".
Com cerca de 100 mil habitantes, na foz do rio dos Bons Sinais, rodeada por um dos maiores palmares do mundo, Quelimane é uma cidade tranquila, sem o bulício dos outros centro urbanos da sua dimensão em Moçambique e onde há mais bicicletas do que automóveis.
O porta-voz da polícia, Ernesto Serrote, diz que o elevado número de bicicletas "é um problema do Conselho Municipal", mas admite que existe uma nova situação rodoviária na cidade.
"Essa circulação em quantidades massivas de bicicletas, por indivíduos que provavelmente não sabem circular na via pública, obsta aquilo que é a circulação normal", acusa, no português apurado da Zambézia, como não se ouve noutro lado em Moçambique.
Issac esperou pelo fim da chuva da manhã e apanhou uma 'ginga' no bairro da Brandão até ao centro, onde se apeou e pagou os habituais "cinco contos" (cinco meticais).
"Os 'chapas' só param nas paragens enquanto que as bicicletas, mesmo no bairro, levam até em casa", diz, satisfeito, depois da rápida viagem, sentado na bagageira almofadada da bicicleta.
Parte da economia vive impulsionada pela atividade de taxista ciclista, numa cidade onde são escassos os empregos e uma praga está a afetar o grande palmar - todas as sextas-feiras, filas de mendigos vagueiam de loja em loja em busca da caridade de dia santo dos comerciantes muçulmanos.
A pedalar, transportando passageiros ou fazendo pequenos recados na sua bicicleta, é como Júlio montou o seu "mecanismo de vida", de há cinco anos para cá.
"Alimento cinco pessoas e sustento o meu estudo porque às vezes o professor pede para copiar brochuras", diz, sobre o destino que dá aos 50 meticais (1,4 euros) que ganha por dia.
Outrora, "riqueza/de um mar de palmar/e verde chá", como a descreveu o poeta José Craveirinha, a cidade mostra hoje na grande atividade dos mecânicos de bicicletas, junto do mercado, o peso do veículo no sustento de muitos dos seus habitantes.
"Rico não sou. Não tenho muita fome, para comer, como", resume António, sobre os dias que passa a arranjar bicicletas: o furo a cinco meticais, a troca de raio a 20.
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