sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sobre dominação e liberdade: O PAPEL DOS DIREITOS HUMANOS EM TIMOR-LESTE - I





Resumo

Esta dissertação vem trazer um breve histórico do país mais jovem do mundo, sua luta pela independência e os diversos fatores que influenciam os Direitos Humanos na nação. Dentro uma visão geral, aborda-se a influência das diversas missões da ONU, das ONGs locais e internacionais e da relação entre Timor Leste e Indonésia, bem como fatores étnicos, religiosos, políticos e institucionais no surgimento e criação de uma cultura de reafirmação dos Direitos Humanos na sociedade timorense e nas instituições.

1 Introdução

Desde o êxodo de 250.000 a 280.000 refugiados para o Timor Ocidental e o aparecimento de mais de 300.000 deslocados internos (IDPs) de Timor Leste durante o "Setembro Negro" em 1999, Timor Leste fez progressos em construir um Estado viável o qual se adequasse aos padrões internacionais de Direitos Humanos. O país possui uma boa estrutura legal para a proteção dos Direitos Humanos, prevista na Constituição assim como junto às leis emergentes, e que tem atendido aos requisitos de numerosos protocolos internacionais sobre Direitos Humanos. O território ‘e muito mais seguro e mais "humano" do que, virtualmente, qualquer ponto durante todo o tempo de ocupação indonésio. Todavia, com envio das Forças de Paz da ONU (PKF) e do efetivo civil, a economia de Timor Leste foi revertida aos níveis de Pré – 1999, com impacto para a maioria da população indígena. Tudo isto combinado com as mudadas estruturas sociais e políticas e um Governo incapaz de se adaptar às demandas de serviço. Estes problemas são acentuados por uma série de constantes ameaças de segurança na fronteira.

Alguns dos atuais desafios que o país confronta são sintomas dos problemas enfrentados por qualquer nação em desenvolvimento e deve ser entendido como um sinal de um progresso significativo na transição de um "estado de pós – conflito" a um "estado de desenvolvimento". O ACNUR, Organização Internacional para a Migração (IOM) e outros parceiros contribuíram significantemente para a concretização destes objetivos, através de programas de repatriação de refugiados que correspondeu aos eventos de emergência de 1999, assim como a necessidade de criar e manter estabilidade e assistir os preparativos para a independência. Atividades de repatriação se tornaram um componente de ampliação dos objetivos de crescimento do Estado estabelecidos pela Administração de Transição das Nações Unidas em Timor Leste (UNTAET) e das lideranças timorenses. O resultado, contudo, foi que os assuntos de interesse para os que retornavam tendeu a ser focada nos riscos associadas ao nível de envolvimento dos grupos pró autonomia ou as milícias e ignorou outros fatores. Timor Leste é assolado por toda uma gama de ameaças, particular a sua história de ocupação e resistência, que necessitam ser contornadas, para que os padrões de Direitos Humanos sejam aplicados com sucesso no tratamento aos refugiados, os que buscam asilo, os que retornam ao país e a população em geral.

2.Panorama Histórico

2.1 Invasão e Ocupação

Os maiores casos de violações de Direitos Humanos durante a invasão ilegal de Timor Leste pela Indonésia em 1975 e a subseqüente ocupação foram os atos de violência ou intimidação cometidos e organizados pelo aparato estatal indonésio – polícia, militares e os serviços de inteligência estatais, apoiados por grupos locais que cobiçavam poder, privilégios e riqueza junto ao sistema indonésio. Registraram-se também numerosas violações cometidas pela resistência timorense, começando pela tentativa de tomada de poder em agosto de 1975 pela União Democrática Timorense (UDT), iniciada com uma crescente paranóia, radicalizada em contraste com o tamanho da resistência, que foi gradativamente reduzida. Seguindo a retirada para as montanhas da Frente Revolucionaria do Timor Leste Independente (FRETILIN) em 1975, o partido e seu braço armado, FALINTIL, iniciaram a prática de abusos que iam da tortura de suspeitos traidores até o expurgo de indivíduos, grupos ou vilas suspeitas de auxiliar os indonésios. Este período foi marcado pela radicalização da resistência popular até a destruição pelos indonésios da FALINTIL e do Comitê Central da FRETILIN, no Monte Matebian em 1978-1979.

Durante os idos de 1980 e 1990, estas amplas dinâmicas parecem ter continuado, assim como o aparato estatal indonésio, junto a grupos locais simpáticos, perseguindo partidários pró independência e tentando esmagar a ressurgente FALINTIL. A resistência armada, particularmente em início e meados de 1980, submeteu-se a numerosas lutas pelo poder entre os elementos remanescentes da fração radical da FRETILIN e do grupo reformista liderado por Xanana Gusmão. Violações durante este período incluíram assassinatos e tortura de prisioneiros militares indonésios e de simpatizantes pró-indonésia, e mesmo de rivais internos da resistência timorense. Enquanto os detalhes exatos das violações de direitos humanos cometidos contra os timorenses durante a era pré 1999, em sua maior parte, se mantém nebuloso, e detalhes de datas, nomes, locais e responsáveis são ignorados, existe apenas a certeza que eles ocorreram.

Considerações detalhadas das primeiras violações de Direitos Humanos estão distantes da abrangência deste estudo. Entender suas causas, todavia, é importante quando examinamos os atuais fatores de risco políticos, sociais e econômicos e suas implicações para a disputa de terras, a atual dinâmica governamental e a produção agrícola sustentável local.

Ofensivas militares indonésias e programas do governo que, forçosamente, realocavam grande parte da população em "vilas criadas" tiveram um impacto catastrófico na economia local e no sistema de produção agrícola. Parte da população rural, já estabelecida em nível de subsistência, havia experimentado intervalos regulares de "fome sazonal" antes de 1975. A partir de 1979, todavia, a produção agrícola foi tão desestruturada, que o resultado foi fome generalizada.

A administração indonésia, incluindo a polícia e o exército, era altamente corrupta, baseada no paternalismo, autoritária, repressiva e movida pela política da segurança nacional por intermédio da dominação de territórios, como Sulawesi e Timor Leste. As tomadas de decisões eram centralizadas nos mais altos escalões, com sua política ditada de Jakarta. Enquanto havia um grande número de servidores estatais, os timorenses ocupavam, em sua maioria, posições de baixo escalão, sem nenhum poder de decisão. Mesmo servindo na administração indonésia, o sistema garantia que os timorenses estivessem sob controle dos militares, polícia ou agentes de segurança. Este estratagema acabou consolidando uma dependência passiva ante as figuras de autoridade externa.

A imensa maioria da população, aterrorizada por mais de suas décadas, ainda está se recuperando do "trauma social" e continua incrédula do governo. Ao mesmo tempo, muitos daqueles que aspiram ao poder em Timor Leste teve a experiência de que a violência é um eficiente método de obtenção ou manutenção do poder, e então chegam a acreditar que o abuso do poder do Estado e o uso indiscriminado da violência são meios justificáveis para se ganhar autoridade e, então assumindo o poder, terem o poder de, por meio de práticas escusas, enriquecerem.

2.2."Setembro Negro" - 1999

A Missão de Assistência da ONU em Timor Leste (UNAMET) após Indonésia, Portugal e Nações Unidas assinarem um grupo de acordos em maio de 1999, preparou o caminho para a UNAMET administrar o Referendo Popular em agosto de 1999, como parte do planejamento, que incluía uma transição seqüenciada até a total independência ou unificação junto à Indonésia.

A polícia e o exército indonésio rapidamente romperam com o acordo de segurança, facilitando ou mesmo participando em atos de violência de milícias e intimidação contra os militantes pró independência. A ONU, muito temerosa quanto aos crescentes níveis de violência, foi incapaz de fazer nada a não ser observar, dando o necessário apoio requerido para assegurar o cumprimento do acordo por parte da Indonésia, deixando estes a cargo dos problemas de segurança.

Além de prorrogar o Referendo Popular, a ONU deixou a votação a cargo das lideranças timorenses, incluindo Xanana Gusmão, que ainda era mantido prisioneiro na prisão de Cipinang (Jakarta), para determinar quando os mesmos desejavam proceder com a votação. Com o anúncio do resultado da votação em 4 de setembro, com mais de 78% votando pela total independência, milícias pró indonésia sistematicamente depredaram e destruíram edificações e propriedades, espancando, violentando e assassinando membros dos grupos de oposição. Houve também inúmeros casos de mortes retaliatórias contra militantes pró unificação enquanto estes fugiam para Timor Ocidental.

Houve também grande perda econômica e social, incluindo a destruição de grande quantidade de mantimentos, 95% das escolas e 77% dos hospitais. Estes fatos foram acompanhados pelo "deslocamento" de mais de 50% da população total, com mais de 300.000 IDPs, (Internal Displaced People) e, enquanto isso, aproximadamente 250.000 a 280.000 pessoas imigraram, forçosamente ou não, para Timor Ocidental.

2.3 Pós 1999: Intervenções Humanitárias e Repatriação

Aqueles que imigraram para Timor Ocidental, se fixaram em campos de refugiados construídos próximo a Kupang ou perto da cidade fronteiriça de Atambua. As razoes para migrarem para Timor Ocidental incluíram fuga da violência, fuga das retaliações pelo envolvimento com milícias, e êxodo forçado com indivíduos que barganharam de alguma forma favores ou colaboraram com o governo indonésio.

Refugiados eram controlados, algumas vezes de forma rude, por milícias ligadas à organização intitulada de Uni Timor Aswain (União dos Guerreiros Timorenses), que tornava a ajuda internacional difícil e perigosa.

No começo de 2000, aproximadamente metade da população total estimada de refugiados retornou a Timor Leste.

Aqueles que ainda continuavam fora, em sua maioria eram milicianos e militantes pró unificação, com medo do retorno, os que tinham razoes econômicas para não retornar, crianças separadas de suas famílias, ou pessoas que haviam sido intimidadas ante a idéia do retorno. No final de 2003, somente 28.000 timorenses permaneceram em Timor Ocidental ou outras regiões da Indonésia e não mais foram classificadas como refugiados.

O principal critério usado para o mapeamento de risco foi o grau de envolvimento dos repatriados com milícias ou grupos pró unificação, e o conseqüente perigo que poderiam ser expostos em seu retorno. Isto refletiu na imperiosa necessidade da UNTAET e das lideranças timorenses em assegurar a segurança interna e estabilidade durante o período de transição e o aumento da legitimação da Assembléia Constituinte (CA) e das eleições presidenciais. Aspectos não considerados incluem as necessidades e vulnerabilidades de mulheres e crianças, ou das necessidades que variavam em diferentes, vilas, sub distritos ou distritos. Indicadores utilizados como referência para avaliar a segurança dos repatriados e adesão aos protocolos de direitos humanos incluíram a capacidade da polícia e do judiciário em manter a segurança e administrar o devido processo legal aos retornados, a "garantia de um estatuto legal e direitos para não-residentes habituais de Timor Leste", e "atos públicos que previnam retaliação ou vingança contra os repatriados".

Em um contexto de rápidas mudanças institucionais e de desenvolvimento, o UNHCR e parceiros poderiam ter feito um pouco mais do que dar resposta às necessidades imediatistas, deixando numerosos espaços em projetos primordiais. O relatório final da HAER (Reabilitação de Assistência Humanitária, um dos três pilares de operações da UNTAET) identificou excelentes prioridades humanitárias e necessidades assim como causas de preocupação nos distritos timorenses. A HAER foi responsável pela coordenação de programas humanitários e atividades, assegurando assistência aos grupos vulneráveis, e facilitando informação juntos aos beneficiários e às comunidades de assistência comunitária. Enquanto estas ações não foram direcionadas em assistir os refugiados em retorno, este relatório final esclareceu que um grande número de necessidades trouxe grande impacto em boa parte da população, inclusive aos "repatriados", como por exemplo, falta de provisões regulares, falta de assistência médica e acesso inadequado às reservas de água.

2.4 As Transformações Sociais e Econômicas Pós 1999

Drásticas mudanças das estruturas sociais ocorreram durante e após 1999. Obviamente, a interrupção da influência da Indonésia deixou um grande vácuo nas posições de comando e direção ocupadas anteriormente pelos indonésios ou militantes autônomos. Serviços sociais como escolas e hospitais foram incapacitados não apenas pela destruição física dos prédios, mas na interrupção dos serviços públicos indonésios, enquanto as infraestruturas sociais como água, estradas e eletricidade foram severamente destruídas ou danificadas devido à falta de manutenção.

A sociedade timorense "tribal" foi, e ainda é altamente hierarquizada e baseada em classes, com mais de 80% da população vivendo em áreas rurais, onde as estruturas sociais são organizadas em torno do sistema da hereditariedade e rede de aliança entre famílias e casas sagradas.

Havia também um alto grau de diversidade etno-linguística, com mais de 30 diferentes línguas ou dialetos, onde o Tetun é falado ou entendido por 80% da população.

A participação das mulheres e suas esperanças eram complicadas e largamente dependentes de sua origem socioeconômica e posição cultural. Naturalmente, como a maioria vivia nas áreas rurais, é fácil concluir que a maior parte se encontrava em desvantagem social e econômica. Existia também uma pequena comunidade chinesa "Hakka", vivendo à parte das comunidades tribais locais. Antes da invasão indonésia em 1975, a comunidade chinesa "Hakka" chegava perto de 18.000 pessoas, quase 3% da população total pré invasão.

As posições sociais e administrativas elitistas vagas pelos indonésios foram ocupadas pelos funcionários da ONU. Paralelo a isso, o "governo em espera" timorense criou novas hierarquias que correspondiam ao CNRT interno (Conselho da Resistência), grupos que refletiram o número de atuais divisões sociais e políticas de Timor Leste. Posições de elite no "governo em espera" timorense foram rapidamente ocupadas pelos membros mais saudáveis e educados da comunidade "diáspora" que retornara.

Membros da "diáspora" timorense geralmente traziam consigo expectativas nostálgicas de cunho social e político, correspondendo a hierarquias que existiam em 1975. Desde então, a sociedade indígena tribal passou por numerosas mudanças, com maiores níveis de educação, particularmente os jovens, que são hoje 50% da população, e que não mais aceita os históricos padrões de hierarquia social e política na sociedade urbana. No geral, foram criadas numerosas divisões internas sociais e políticas: tradicional versus moderno, tribal versus civilizado, estudante versus guerreiro, interno versus externo, pró unificação versus pró independência.

Timor Leste experimentou pelo menos dois desafios econômicos em 1999. O primeiro foi de superar a devastação causada pela violência das milícias e a ruptura com o comércio e governo indonésio; enquanto o segundo se relacionava com as características de longa ocupação da economia local, desenhada pelo período indonésio e português.

Ambos os desafios estão sendo enfrentados, mas enquanto ocorrem dramáticas mudanças no setor econômico formal, grande parte da população indígena, retornou à condição econômica pré 1999. Isso gera um tipo de frustração social, gerando diferentes níveis de oportunidades econômicas que correspondem aos novos – ou antigos – grupos sociais.

Antes de 1999, mais de 80% da população vivia na área rural, com 75% da força laboral trabalhava em cultura de subsistência, sobrevivendo com uma renda per capita anual estimada em US$ 337. Sem incluir os subsídios do governo indonésio, a agricultura representou mais de 70% do PIB. O setor foi altamente ineficiente e caracterizado pela produção de subsistência e pelos baixos níveis de investimento em tecnologia ante a aversão da prática da agricultura e do conseqüente intenso trabalho laboral que necessita ser realizado. Isto resultou em baixa produtividade, baixo lucro e alto nível de insegurança na produção de alimentos, com constantes períodos de "fome sazonal".

Muito da população se fez mais vulnerável durante os programas de migrações forçadas do governo indonésio. Vilas inteiras foram deslocadas para terras menos férteis, as quais interromperam práticas de agricultura e aumentaram a dependência de assistência externa. Então tenderam a superpovoar terras menos produtivas, tornando a população mais susceptível a secas, fome e inadequado acesso a saúde e educação. A maior parte dos investimentos indonésios era utilizada no suporte da burocracia governamental, enquanto a manutenção da infraestrutura era inadequadamente mantida. Uma "economia dual" existia, a qual deixou a maioria dos timorenses na periferia da atividade econômica.

Os dias que sucederam o "Setembro Negro" deixaram a economia indígena de Timor Leste destruída. O crescimento após 1999 foi incentivado pela construção civil e prestação de serviços ao efetivo internacional, com crescimento anual de 15% (2000), 18% (2001) e 15% (2002). A maior parte de energia dispensada foi concentrada para a comunidade internacional, e o "grosso" do crescimento econômico e do investimento ocorreu no centro de Dili. O sistema de economia dual que existia durante o período de ocupação indonésia foi essencialmente substituído pelo "staff" internacional da ONU tomando como a "nova elite mandante". A renda per capita em 2000 foi estimada me US$ 478, com a maioria da força de trabalho ainda empregada na produção agrícola de subsistência. Este fator levou a significativa frustração, dando grandes expectativas de um "dividendo individual" entre os indígenas timorenses.

- CONTINUA -

Nota de Página Global:
Publicaremos este trabalho do autor dividido em três fases espaçadas por motivo de sua extensão. Se neste momento quiser continuar a leitura deverá usar a ligação ao original.

*Alexandre Grevy Magacho Barcellos - 1º Tenente da Polícia Militar de Goiás, Bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul; Bacharel em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar de Goiás; Pós graduando em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Brasília.


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