Gershom Goremberg, no Prospect - Tradução: Daniela Frabasile – Outras Palavras
Reportagem em Ramallah, capital virtual da Cisjordânia. Cidade fervilha e espera independência. A ONU estará à altura? Como reagirá Israel?
Nadim Khoury observa, enquanto garrafas marrons caminham em fila única pela correia transportadora das máquinas de esterilizar e em seguida, para as que as enchem de líquido, as tampam, passam cola e pregam rótulos, nos quais se lê: Cerveja Taybeh. A melhor do Oriente Médio. Sob seus vastos bigodes grisalhos, Khoury esboça um pequeno sorriso de orgulho pelo próprio empreendedorismo.
O patriotismo levou Khoury e seu irmão David ao vilarejo de Taybeh, na Cisjordânia, em 1994. Eles viveram por anos nos Estados Unidos, onde Khouru graduou-se em Administração numa universidade grega ortodoxa, e depois estudou cervejaria na Universidade da Califórnia, em Davis. Na euforia que sucedeu os AcordosdeOslo, de 1993, eles quiseram ajudar o desenvolvimento econômico daquilo que, acreditaram, logo se tornaria uma Palestina independente. Próximo à grandiosa casa que o pai construiu para ajudar a atraí-los de volta para casa, na cidade que da nome a seu produto, eles montaram uma micro-cervejaria, com tanques de aço brilhantes para ferver o malte de cevada com lúpulo, fermentar a bebida e envelhecê-la. “Eu fiz história”, diz Khoury: “eu fiz a primeira cerveja palestina”. O anúncio da empresa diz “bebida palestina” e “sinta a revolução”.
A revolução, porém, adquiriu um gosto mais amargo que o do lúpulo. Durante a Segunda Intifada, o turismo desapareceu, e com ele, as vendas de cerveja nos hotéis de Belém, o destino mais popular da Cisjordânia. Os bloqueios israelenses e postos de controle, projetados para que terroristas não entrassem em Israel ou atacassem os assentamentos, sufocaram o movimento de pessoas e produtos. Em certo ponto, Khoury conta, a cerveja era transportada pelas colinas de Ramallah, a cidade mais próxima, em lombo de mulas.
Desde que a revolta amainou e o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Salam Fayyad, começou a reconstruir as forças de segurança, Israel removeu alguns pontos de controle. Chegar a Taybeh, entretanto, ainda é uma questão de encontrar uma estrada aberta. Os viajantes que vêm de Nablus, ao norte, encontram um portão de metal instalado pelas Forças de Defesa de Israel bloqueando a entrada na vila Cristã Árabe, o que força um grande desvio para o sul. Levar a bebida para fora é ainda mais complicado: exportações para Israel devem ser levadas por caminhão até um ponto distante em Jerusalém, colocadas em um scanner de carga, e recolocadas em um caminhão israelense – o que faz com que uma viagem de meia hora leve três horas. Como o movimento Islâmico o Hamas ganhou as eleições palestinas de 2006, a família dos Khourys começou a produzir também uma cerveja sem álcool. Porém, desde que o Hamas assumiu o poder na Faixa de Gaza, em 2007, Israel não permite que a cerveja seja enviada para lá.
Por uma das janelas de sua sala, Khoury mostra uma base do exército israelense. Por outra, aponta uma colônia judaica ilegal, Amonah. “Começou com uma casa”, diz ele. “Agora veja quantas – vinte ou trinta – e o número cresce diariamente”.
Mesmo assim, o cervejeiro está otimista em relação ao plano do presidente palestino Mahmoud Abbas, de buscar reconhecimento da Palestina como um Estado independente em setembro. Khoury considera que uma pré-condição para a soberania aparentemente foi cumprida: em maio, o regime do Hammas em Gaza e o governo do Fatah em Ramallah, Cisjordânia, concordaram em se reunir. Khoury vê a tentativa de reconhecimento da ONU como um caminho alternativo ao impasse político e aos impedimentos impostos aos negócios e à vida das pessoas devido à ocupação. “Israel não pode controlar o mundo inteiro”, diz ele. Se a ONU afirmar a independência palestina na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, ele acredita que Israel será obrigada a implantar a decisão.
O otimismo empresarial pode estar fazendo Khoury otimista demais. As recentes estratégias palestinas para a independência – a idéia do premiê Fayyad, de que se um Estado for construído de baixo, o mundo irá reconhecer sua independência; a aposta do presidente Abbas, de fazer com que a ONU imponha a solução de dois Estados; o pacto de reconciliação Fatah-Hamas – são um misto de esperança e desespero. Abbas e outros moderados em Ramallah veem as negociações com Israel como mortas, e perderam a confiança de que o governo Obama irá revivê-las. Tanto o Fatah quanto o Hamas temem que a agitação no mundo árabe enfraqueça seu poder e se seguram na unidade para assegurar sua legitimidade.
Os políticos, também, estão procurando a saída.
* * *
Ramallah, a capital de fato da Cisjordânia, fervilha. Gruas erguem esqueletos de prédios muito altos. Novas torres de apartamentos, escritórios e hotéis brotam das ruas principais. O estilo arquitetônico é o moderno do Oriente Médio – ângulos oblíquos e fachadas arredondadas com painéis de vidro azul armados sobre pedra amarela, cortada de modo rústico. As placas das ruas estão em árabe em inglês – Rua Edward Said, Rua Madre Tereza – e parecem ter chegado ontem da fábrica. Há muitos carros nas ruas estreitas e sinuosas. Alguns deles são negros, novos, enormes, e exibem as insígnias VIP dos dirigentes da Autoridade Palestina (AP). Letreiros anunciam operadoras de celulares concorrentes. Nas esquinas, perfilam-se duplas de policiais palestinos, em uniformes paramilitares verde-oliva – como publicidade viva da nova atmosfera de ordem. As calçadas próximas à Praça Manara, no centro, estão coalhadas de gente indo às compras. - CONTINUA -
Nota: Devido à extenção do artigo em Outras Palavras não o publicaremos na integra. Sugerimos que os leitores interessados utilizem a ligação que aqui disponibilizamos.
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