Cada trabalhador do SNS faltou, em média, 30 dias ao trabalho, ao longo deste ano. Os índices de absentismo mantém-se em valores elevados, apesar de uma descida desde a pandemia. No total, entre janeiro e novembro, os dias de ausência ultrapassaram a fasquia dos quatro milhões e meio. E a principal causa é a doença. Fonte em Google (redação PG)
SNS: a crise invisível do absentismo
José Mendes* | Diário de Notícias | opinião
Esta semana, foi tornada pública a estatística do absentismo no Serviço Nacional de Saúde, relativa aos primeiros 11 meses do presente ano. Os números são alarmantes, tendo gerado comentários de alguns titulares de órgãos da administração do SNS que, contudo, se ficaram pelo politicamente correto, evitando, por norma, pôr o dedo na ferida. Tal não foi o caso do presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Xavier Barreto, que muito justamente lembrou que não é possível um debate sério sobre o assunto sem antes se conhecer a desagregação dos motivos das faltas dos trabalhadores.
Este responsável enfatizou dois aspetos críticos: o facto de os elevados níveis de absentismo colocarem desafios diários - e normalmente sem aviso prévio - na gestão dos recursos, obrigando a soluções onerosas e lesivas da qualidade do serviço prestado; e a existência de fraudes, aliás bem indiciadas pelo fenómeno dos picos de faltas colados a pontes.
Sejamos claros, por muito que se ataque os governos e as administrações dos estabelecimentos públicos de saúde, que naturalmente têm a sua responsabilidade própria, não é contornável o facto de alguma degradação do SNS ser atribuível ao comportamento abusivo de muitos dos seus profissionais.
Os números revelam que, até novembro, os 150 mil trabalhadores do SNS faltaram um total de 4,6 milhões de dias. Se anualizarmos este absentismo e lhe somarmos os 22 dias de férias a que têm direito, chegamos a um valor de 56 dias úteis por ano em que não trabalham. Ou seja, cerca de 11,2 semanas, ou mais de dois meses e meio.
O abuso do sistema de proteção é por demais óbvio, sendo que se têm vindo a consolidar padrões que muito contribuem para uma espécie de fuga ao trabalho, especialmente grave no setor público.
É o caso das baixas online, em que seis dias de faltas estão simplesmente ao alcance de um clique no portal SNS24. Mas também da fisioterapia, que prescreve nunca menos de 20 sessões para curar a entorse do último jogo de futsal entre amigos, naturalmente para serem cumpridas em cima do horário de trabalho. Ou ainda o estranho fenómeno que faz com que, na Função Pública, todas as gravidezes sejam de alto risco, obrigando a futura mãe a ficar em casa não menos de seis meses antes do parto. E que dizer do teletrabalho, esse subproduto da pandemia que permite que tantos cumpram as primeiras horas da manhã em pijama e a última hora de trabalho já no health club, com o telefone indisponível?
Voltando ao caso da saúde, há um tabu que é uma espécie de gato escondido com o rabo de fora. Refiro-me aos tantos trabalhadores do SNS que acumulam um ou mais empregos na saúde privada, fazendo com que os horários se atrapalhem mutuamente e o cansaço se intensifique, resultando em faltas e mais faltas ao trabalho. E, como seria de esperar, falta-se ao emprego público, porque o privado não paga abusos.
Estes são alguns dos temas que reclamariam o tal estudo desagregado dos motivos e dos padrões do absentismo.
* Professor catedrático
* Título PG
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