ANETE MARQUES JOAQUIM – JORNAL DA MADEIRA
Entrevista
JM - Vamos comemorar a implantação da República a 5 de Outubro. A República foi uma coisa boa para a Madeira?
Alberto Vieira – É extremamente difícil, numa perspectiva histórica, tentarmos entender se aquilo que aconteceu foi bom ou mau. Normalmente, o ser favorável ou desfavorável, o ser útil ou menos útil tem a ver com as pessoas que intervêm na situação e da forma como se colocam perante ela. Mas, certamente eu diria que para a maioria das elites políticas madeirenses residentes no Funchal a República foi o prenúncio de uma mudança. De uma mudança que todos pensavam e queriam que fosse para melhor e que resolvesse uma série de diferendos e de questões relacionadas com a Madeira, nomeadamente de ordem financeira. Só que a República é apenas uma esperança nos primeiros anos. A partir de 1915, aliás com a entrada de Portugal na guerra, a maior parte dos madeirenses perdeu as esperanças e o entusiasmo que existia em torno da República. Primeiro porque a República não era autonomista. Era centralista e as pessoas foram vendo que afinal não era aquilo que pretendiam. Depois, porque a grande instabilidade política, praticamente durante toda a República, não permitiu definir programas.
JM – Em 1931 temos a revolta da Madeira, o que denota uma insatisfação contra a República.
AV - Já antes havia. A República é apenas uma esperança nos primeiros anos. Nem podemos dizer que por parte da elite madeirense tenha havido uma satisfação na concretização dos seus objectivos em termos da defesa de uma maior autonomia, de uma maior acção em termos de obras públicas, nomeadamente para a Madeira. Tudo vai tardar, como aconteceu com o porto do Funchal, que é uma questão que se arrasta pelos finais do século XIX e só fica concluído nos anos 50 do século XX. As decisões tardam sempre muito tempo em acontecer. Portanto, rapidamente aquilo que é uma esperança alimentada por muitos políticos madeirenses e vivida com grande entusiasmo - que ainda mantêm esse entusiasmo e fervor em 1922 aquando da comemoração do descobrimento da Madeira, aliás, os anos 20 são um dos momentos de fulgor em termos de debate político aqui na Madeira, devido à defesa da Autonomia -, passadas as comemorações do descobrimento, parece que passou à História.
JM – Então, em que altura é que se pode dizer que a República foi boa e consequente para a Madeira?
AV - Eu acho que fundamentalmente nos cinco primeiros anos. Foram feitas algumas coisas importantes: a questão do porto, que era uma aspiração há muito ambicionada. Isso é um aspecto extremamente importante, porque o porto era considerado na época o elemento vital da economia madeirense. O facto de nós não termos apostado na construção do porto que pudesse concorrer em igualdade de circunstâncias com as Canárias e o facto de estarmos a perder actividade comercial em relação às Canárias era muito sentido pela burguesia e elites locais. O facto dessa aspiração ser concretizada podemos considerar um dos elementos mais significativos da implantação da República para a Madeira. Uma das conquistas mais significativas que, na verdade, terá acontecido aqui na Madeira.
JM – Se foi só nos primeiros anos, pode deduzir-se que a Madeira continua a ter razões de queixa do Continente, neste caso, da República.
AV - Acho que a Madeira continua a ter razões de queixa do continente. Não da República, da Monarquia, mas do continente. Se nós formos a ver, em termos políticos, o discurso centralista muda muito pouco. E a visão que existe dos insulares é uma visão enviesada, muito negativa.
JM – Que decorre de quê?
AV- Não sei. Dá-nos a ideia... até às vezes em debates no parlamento, mesmo nesses tempos, de que nós somos gente de segunda, gente de menor categoria. Acho que isto tem a ver fundamentalmente com um preconceito, que eu nunca entendi até hoje.
JM – Faz sentido ainda comemorarmos o 5 de Outubro?
AV- Acho que faz sentido. Porque, por mais não seja, a República abriu caminho para mudanças. Passou-se de uma situação de quase total esquecimento para uma maior atenção. Depois há a situação de 1926 e na década de 30 algumas revoltas acontecem aqui na Madeira. E essas revoltas são em certa medida o corolário do permanente descontentamento das populações do arquipélago, que se sentem lesadas pela forma como são vistas do continente e pelas políticas que são estabelecidas mas, ao mesmo tempo, são uma manifestação de afirmação e de força e que faz com que do outro lado se tema e sejam obrigados a tomar medidas, não só de represálias, mas também de encontro a algumas dessas solicitações da sociedade madeirense.
JM – Perguntei-lhe se durante a República tinha havido períodos bons e não referiu a Autonomia.
AV – Acho que o período bom e de maior fervor e de luta pela Autonomia – e acho que foi o período madeirense em que as elites madeirenses, de uma forma geral, se juntaram em favor da Madeira, o que é uma coisa rara – é a década de 20. A evocação da descoberta da Madeira em 22 é o momento mais fulgurante para o acontecer dessa manifestação e o proclamar desse desejo, o que demonstra que a República não satisfez. Passados alguns anos ainda se reclamava a Autonomia como solução dos problemas da Madeira. Há toda uma intervenção no sentido da valorização do poder a partir da própria ilha.
JM – Está a dizer que esse movimento autonomista dos anos 20 é mais forte do que o que aconteceu depois do 25 de Abril? As forças regionais desta Autonomia não se juntaram?
AV – Não, o que eu estou a dizer é que houve uma grande unidade nos anos 20.
JM – Mas na actual Autonomia?
AV – Não tanto como na dos anos 20.
JM – Que futuro é que perspectiva para a Madeira, na República?
AV – Sou, por princípio, optimista. Sempre defendi que as ilhas são importantes para a construção da Europa, quer no passado como no presente, mas acima de tudo no futuro. Temos uma mais valia que é o mar e para Portugal os dois arquipélagos são uma mais valia evidente. Nenhum país da Europa o tem. A Espanha tem as Canárias. A França tem os territórios do ultramar, mas Portugal tem os dois arquipélagos, o que nos dá uma garantia em termos do futuro. Acho que, partindo deste papel que às ilhas será atribuído, o futuro será melhor do que o presente.
Transferências da monarquia à actualidade
JM - A monarquia não transferia verbas para a Madeira?
AV - Eu quase diria que aquilo que acontecia no último quartel do século XIX é um pouco a situação que nós vivemos nos últimos dez anos. Inclusive, até houve uma situação de grande favorecimento em relação aos Açores, nessa altura. Há um debate que acontece nos anos 80 e 90 do século XIX, aqui na Madeira, que aponta críticas a esse nível e refere de uma forma muito clara o facto de os Açores serem privilegiados em termos de transferência de verbas e a Madeira não receber. E do facto de a Madeira ter um superavit muito grande e nos Açores e na maior parte dos distritos o saldo ser negativo.
JM – O superavit devia-se a quê?
AV - Nessa altura tínhamos o Bordado, que já tinha um peso económico e o vinho.
JM- E essas exportações davam para a subsistência da Madeira?
AV - Em termos de receita havia, aqui, um grande superavit, nesta época. Embora o Elucidário Madeirense refira alturas de saldo negativo nas receitas da Fazenda, em alguns anos do século XIX, os dados que temos compilado afirmam e evidenciam a ideia de que há sempre um superavit.
Porto e estradas
"Andou-se quase 100 anos para definir um plano de obras para o porto do Funchal, que era uma grande necessidade e na verdade a República vai ao encontro dessa reivindicação de há largos anos dos madeirenses. O porto era uma obra essencial para animar o turismo e o comércio do Funchal. A definição da rede de estradas também. Praticamente, só com a República é que se deu um impulso significativo com a rede de estradas. Desde meados do século XIX até essa altura quase que podíamos dizer que as estradas eram inexistentes. Era uma estrada do Funchal até Câmara de Lobos, praticamente."
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