domingo, 27 de novembro de 2011

É PRECISO ACREDITAR




JOSÉ RIBEIRO – JORNAL DE ANGOLA, opinião, em A Palavra ao Diretor

As minhas palavras de hoje vão para Luanda, a cidade onde nasci, cresci e todos os dias dou o melhor de mim para que a nossa cidade seja única. Esse é o dever de todos os luandenses que aprenderam a amar a sua cidade, que contra ventos e marés atravessou séculos, sempre bonita, elegante, acolhedora e maternal. Também fui educado na escola do patriotismo e aí aprendi a dar tudo por Angola. Esse é o primeiro dever de todos os que aprenderam a amar e a respeitar a Pátria. Porque se não houver Pátria, não há liberdade, e não há nada. Como me ensinaram os meus mestres.

A minha paixão por Luanda começou em criança, na Vila Alice, um bairro que combinava burgueses com ferroviários, funcionários públicos, comerciantes, famílias tradicionais, passantes, revolucionários, artistas, mestres, e até militares que enlouqueciam nos campos de batalha. O bairro, diziam, tinha as meninas mais bonitas de Luanda. E os desportistas mais esforçados, que mais tarde brilharam no basquetebol ao serviço do clube do bairro vizinho: Vila Clotilde.

Dividi a infância com as ruas do Bairro Operário, onde a minha avó me ensinou a amar a terra e a viver com os poros encostados ao chão de areia e onde fugi da primeira “berrida” da Polícia Militar. Foi ali que conheci outra Luanda, mais autêntica, menos vaidosa e, apesar de tudo, mais livre. A cidade para além da fronteira do asfalto, mas com as ruas poeirentas abertas à cultura e cada casa encerrando mistérios de combinas nacionalistas ou acolhendo amores fatais.

Quem nada mais tem, só pode mesmo amar esta cidade de braços abertos, que de tão acolhedora ficou com o corpo em ferida, ao receber no seu seio milhões de angolanos que fugiam dos horrores da guerra. Eu quero ver para sempre na minha cidade esses sinais de generosidade extrema. Quero que cada beco, cada rua esventrada, cada prédio em derrocada diga ao mundo que a tragédia da guerra fez de todos os angolanos cidadãos de Luanda. E se mais viessem, cá ficavam, de mãos dadas connosco, à espera de melhores dias. Hoje são todos filhos da cidade.

Gosto dos novos prédios da cidade. Não fico de boca aberta, espantado pela sua estética, pela sua inovação, pela sua harmonia. Mas gosto de vê-los ao lado do casario que sobreviveu ao século XIX ou à arquitectura indefinida dos anos 30 e 40, que tem tanto de mau gosto como de sabor a Luanda. E Luanda sabe a mangas madurinhas, a cajus sumarentos e a figos da índia derrubados à fisga. Luanda sabe a maresia e aos almoços de sábado debaixo da mandioqueira de um quintalão do Bairro Operário, do Marçal, do Sambizanga, do Catambor. Luanda tem tantos gostos e tantos encantos que precisava de mil páginas para descrevê-los. E de mais espaço ainda para lhe fazer a declaração de amor que merece.

Esta é a cidade que sobreviveu ao rolar dos séculos e continua viva e jovem como no primeiro dia em que foi posta a primeira pedra numa casa qualquer na base do monte de S. Miguel, à vista da Ilha do Cabo e aos pés da Baía. É preciso preservar a brisa fresca que começa a soprar ao fim da tarde e envolve a cidade num manto de luar. Temos de guardar as pedras que marcam os séculos e os caminhos que os luandenses de outras eras percorreram, levando a cidade até às portas do paraíso. Temos de curar as feridas no seu corpo, provocadas pela pressão humana. É uma missão difícil mas que vai encher de orgulho todos os que a levarem a cabo.

Aqui eu devia fazer uma declaração de interesses. Se em relação a Luanda sou suspeito, também o sou no que diz respeito ao governador Bento Bento. Na juventude abraçámos os mesmos ideais e estivemos nas mesmas lutas. Foi ele que fez de mim sócio da Cruz Vermelha de Angola. E com ele cumpri os meus deveres de cidadão. Por tudo isso eu confio que o governador vai cuidar bem da nossa cidade e dos luandenses. Tenho a certeza de que ele só não vai fazer o que não puder. Mas tudo o que fizer vai resultar do melhor que pode e sabe. Confio que ele vai cumprir mais esta missão. Muito provavelmente a mais difícil da sua vida. Como não podia deixar de ser, vamos ajudá-lo a cumprir a missão. Em primeiro lugar, sendo luandenses exemplares. E depois, colocando-nos à sua disposição para tudo o que necessitar. Se todos tivermos este comportamento, Bento Bento vai seguramente além donde os seus antecessores não passaram. Não por falta de vontade, de talento ou de disponibilidade, mas porque, é preciso que se diga, muitos luandenses não colaboram.

Não ajudam. Complicam. Estragam, destroem, abusam, ocupam, sujam e não limpam, fecham os cruzamentos tornando o trânsito mais difícil, não cuidam dos prédios que habitam, atiram com o lixo para a via pública, não respeitam as regras básicas de higiene. Vendem nas ruas e deixam os mercados às moscas. Fazem “gatos” de água e luz. Não pagam as contas do consumo.

Mas Bento Bento é um mobilizador. Estou seguro que, se ele conseguiu fazer de mim voluntário da Cruz Vermelha de Angola, vai convencer os luandenses a respeitarem a sua cidade e a fazerem tudo para que Luanda seja a rainha dos nossos sonhos.

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