domingo, 13 de novembro de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 62




MARTINHO JÚNIOR, Luanda

UM LIVRO ABERTO

As cidades são assim como um livro aberto e integrador, onde a sociedade se pode ver e rever a qualquer momento, a partir dos focos de conhecimento mais distintos e sob todos os pontos de vista.

Cada cidade, sob o ponto de vista humano, exprime a história, a antropologia cultural, a psicologia dos diversos grupos sociais, a sociologia dos usos e costumes, as tradições e os ambientes cosmopolitas; sob o ponto de vista físico, elas exprimem os modelos de economia, os conceitos de engenharia e de arte, a oportunidades dos parques ambientais e a forma como as riquezas são distribuídas em suas épocas…

Por isso elas merecem ser revisitadas se possível a pé e com todos os sentidos despertos, pois cada cidade tem os seus sons, os seus cheiros, as suas vocações, os seus circuitos, os seus ambientes…

A Luanda dos tempos coloniais, desde que se tomou a iniciativa do “canteiro de obras” após os sucessos de 2002, vai dando lugar a uma Luanda que vai esbatendo o passado, por vezes da maneira mais controversa, anárquica, surrealista, mas com grande afã nas transformações.

É também uma Luanda que dá guarida aos maiores desequilíbrios, detectáveis no espectro humano inclusive nos seus pólos mais cosmopolitas da urbe, na própria “baixa”!

Há demasiado alheamento cívico, há imensa falta de solidariedade e, entre as transformações, o caos emerge como as nuvens de poeira que infestam todo o imenso casco urbano em geométrica expansão.

Os guindastes tornaram-se nos verdadeiros “imperadores” das transformações, com construções que se vão aglomerando em espaços cada vez mais insignificantes, como se Angola fosse um país onde não houvessem espaços vazios enormes, alguns deles com extensões de centenas de milhares de quilómetros quadrados e com densidade demográfica inferior a 1 habitante por quilómetro quadrado!...

É a época cosmopolita da globalização sujeita ao império, pelo que a megalomania dos angolanos encaixa em muitas das parcerias “contra natura”, algumas delas responsáveis pela febre de construção!...

Todo o peso da lógica capitalista e da “abertura” de tendência neo liberal se reflecte hoje nessa febre de construção em espaços tão diminutos, pelo que as avenidas se vão tornando em minguadas ruas, as ruas em ruelas e as ruelas em becos, onde viaturas e pessoas se vão atravancando até um quase pantanoso e anacrónico desespero.

De nada serviu a experiência alheia da crise, com seus meandros de terramoto imobiliário e a atracção pelo abismo faz parte do quotidiano!

As muitas obras deste “canteiro” não estão a contemplar a instalação das adequadas redes, que não se devem limitar às rodovias: não há transportes no mar entre a Barra do Dande e a foz do Quanza e em terra não existem sequer metros de superfície, nem redes suficientes de energia e água, nem telefones à altura apesar do “boom” dos telemóveis!...

A ferrovia do CFL, se bem que tenha chegado a Malange, ainda não chegou ao Bungo, muito menos ao porto, pelo que são os camiões que continuam a fazer o movimento de toda a carga, num país que ainda está tremendamente dependente das importações, inclusive importações alimentares.

Por esse andar, durante muitos anos Luanda continuará a ser a “cidade mais cara do mundo”!

No aniversário do CFL foi organizado o primeiro comboio de mercadorias que, desde que foi ultimada a reconstrução, chegou a Malange!

Os autocarros têm cada vez mais dificuldades em circular em algumas zonas da urbe, particularmente na “baixa” e, apesar das muitas empresas de transportes públicos, as viaturas não chegam para as encomendas!

Os “candongueiros”, que utilizam preferencialmente as robustas viaturas Toyota Hiace de 13 lugares, são os “experts” da grande balbúrdia, da anarquia e da caótica urbe!...

O discurso do Presidente sobre o estado da nação pecou por omissão em relação a Luanda e particularmente omissão sobre a necessidade, como “pão para a boca”, da reorganização da rede de transportes públicos que não podem ficar confinados aos autocarros e aos “candongueiros”, quando a mentalidade dos luandenses só dá para andar com viaturas privadas (muitas delas opulentos 4x4 de luxo), que predominantemente levam apenas o condutor…

No mar e no Quanza está parte “da salvação”:

- No mar substancialmente entre Cacuaco e o Ramiro (na baía do Mussulo);

- No Quanza desde a foz ao Dondo, por que a região toda começa a ter ocupação humana, principalmente no Calumbo, no Bom Jesus e na parte sul de Catete.

A outra parte da “salvação” está nos metros de superfície que estranhamente não saem dos ideários dos mais sonhadores, apesar das vias estruturantes!

Um livro aberto de tantos contrastes e desequilíbrios, que torna Angola ainda mais confusa, desequilibrada e estrategicamente vulnerável!

*Foto tirada a 22 de Outubro de 2011: Os guindastes imperadores!


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