domingo, 13 de novembro de 2011

OPERAÇÃO VAGÔ FOI HÁ 50 ANOS




Filipa Reis – A Bola

Sexta-feira, 10 de Novembro de 1961. Eram 9.15 horas quando o Super-constellations Mouzinho de Albuquerque, avião da TAP, descolou do Aeroporto de Casablanca, em Marrocos. A bordo seguiam 18 passageiros, entre os quais seis revolucionários, chefiados por Palma Inácio. Ontem, 50 anos depois, as memórias foram desfiadas à mesa, num jantar em Lisboa.

«Operação Vagô», assim se chamou a acção de luta contra a ditadura de Salazar que envolveu o desvio de um avião entre Casablanca e Lisboa. Foi a primeira acção do género e serviu para distribuir panfletos anti-salazaristas.

Palma Inácio, Amândio Silva, Maria Helena Vidal, Camilo Mortágua, Fernando Vasconcelos e João Martins foram os seis magníficos que levaram a cabo uma operação que, em conjunto com outras que se seguiram, abalaram o regime salazarista.

Ontem, num restaurante em Lisboa, cerca de meia centena de pessoas reuniram-se para comemorar os 50 anos da «Operação Vagô». Desfiaram-se memórias, contaram-se histórias e reviram-se velhos amigos, cuja opinião em relação ao futuro é unânime: ninguém pode ficar de braços cruzados.

100 mil panfletos espalhados

O capitão Henrique Galvão foi o autor do texto imprimido em 100 mil panfletos, que acabaram por ser lançados quando o avião sobrevoou Lisboa, Barreiro, Beja e Faro.

A BOLA falou com Amândio Silva, a quem coube informar os passageiros do que estava a acontecer.

«Lembro-me perfeitamente do que lhes disse. Quando chegámos a Tânger tinha a obrigação de lhes explicar o porquê daquele atraso. Primeiro falei em francês, depois em inglês. Disse-lhes que tinham colaborado num momento histórico, no sentido que participaram numa acção contra a ditadura portuguesa e que esperava que não tivessem tido nenhum incómodo. Aliás, é de salientar que nenhum dos passageiros reclamou. Havia dois portugueses a bordo, desconfiávamos que eram da PIDE, mas nunca chegámos a saber se eram ou não. Ainda lhes vimos as malas de cabina e, aparentemente, eram pessoas ligadas à área comercial», recordou.

Amândio Silva sente que voltaria a fazer tudo o que fez. Um homem de coragem que diz nunca ter sentido medo e que quando viu os panfletos a esvoaçar congratulou-se por ver cumprida a missão em que se envolveu.

«É evidente que valeu a pena. Estamos numa altura muito difícil, mas não nos podemos esquecer que Portugal já atravessou grandes dificuldades em toda a sua história e agora vai ter, de novo, de escolher um rumo. Medo? Não tive. Só um nervoso miudinho até conseguir entrar no avião. Uma pessoa muito importante nesta acção foi o mecânico de bordo, de seu nome António Coragem, que foi ao porão buscar as sete malas que carregavam os panfletos. Lembro-me que o Palma e o Camilo ficaram na frente do avião, o Vasconcelos no meio, o João Martins a tomar conta dos dois portugueses que estavam sentados na última fila, e eu e a Maria Helena é que atirámos os panfletos», contou, emocionado.

Luís Vaz, investigador do evento

Luís Vaz, presidente da APLP (Associação Promotora do Livre Pensamento), historiador e investigador do evento, que já escreveu «Palma Inácio e o golpe dos generais», «Palma Inácio e o desvio do avião», «Palma Inácio e o assalto à Figueira da Foz» e «Palma Inácio e o cerco à Covilhã», foi o organizador do jantar comemorativo dos 50 anos da «Operação Vagô».

«São acontecimentos que envolveram personagens, todos eles jovens, que estiveram ligados à história. Para além das bibliotecas que consultei, promovi encontro com os quatro membros do comando que estão vivos e depois fiz a viagem que eles fizeram há 50 anos. Em relação ao presente é preciso o combate permanente, sobretudo por valores. Há movimentos cívicos que são importantes e estão a renascer. É preciso fazer qualquer coisa para criar esperança», disse.

Alípio de Freitas orgulhoso

Figura de destaque no jantar comemorativo do 50.º aniversário da «Operação Vagô», foi Alípio de Freitas, revolucionário que foi viver para o Brasil em 1957, onde viveu nas favelas e ajudou a fundar as Ligas Camponesas, um movimento radical que entre outras iniciativas organizava ocupações de terras. Mereceu uma canção-homenagem por parte de José Afonso, que no álbum Com as minhas tamanquinhas se lhe refere.


«Estava no Brasil, mas recordo-me bem da façanha dos amigos. Fala-se de muitas coisas do que foi a derrota do fascismo, e esquece-se estes factos que foram muito importantes. Não foi um acto isolado, seguiram-se outros igualmente importantes. Cada vez acho que sem estes actos nada tinha acontecido. Arriscaram e abalaram o sistema e até no Brasil a «Operação Vagô» foi saudada com muito entusiasmo. Estes actos não podem ser lembrados só quando fazem 50 anos», afirmou.

Alípio de Freitas, que já colaborou com a A BOLA, faz questão de realçar a importância do jornal na divulgação da Língua portuguesa:

«A BOLA estar aqui nesta comemoração é algo de fenomenal. Aliás, o jornal A BOLA era o único jornal português que se lia em todo o Mundo e foi um meio de divulgação da língua portuguesa, escrito num português excelente. Lembro-me de estar no Brasil à espera que o jornal chegasse às bancas e nós à espera, o jornal era disputado, e depois quem não conseguia comprar tinha de esperar que alguém acabasse de ler.»

*Veja as fotos de Rui Raimundo/ASF

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