ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*
Depois de um ano e meio sem puxarem o gatilho, eis que os militares guineenses resolveram ver se as AK-47 ainda funcionavam. Funcionam!
Sendo certo que não adianta chorar sobre leite derramado ou que, como acontece na Guiné-Bissau, o pão dos pobres nunca cai com a manteiga virada para baixo (se dois em cada três vivem na pobreza absoluta, não têm nem pão e muito menos manteiga), o importante é haver eleições.
A comunidade internacional (seja lá o que isso for) e sobretudo a CPLP (que todos sabemos ser um montanha que nem um rato consegue parir) entende que, mesmo que seja com a barriga vazia, desde que se vote… há democracia.
A tese, sobretudo para África, é a de que os povos podem ser alimentados com votos, que as crises se resolvem com votos e que os votos são um milagroso remédio que cura todos os males.
No caso da Lusofonia africana, Portugal sabe que África teve, tem e continuará a ter uma História de autoritarismo que, aliás, faz parte da sua própria cultura. Mas isso, é óbvio, em nada preocupa os fazedores da macro-política que se passeiam nos areópagos dos luxuosos hotéis do mundo.
Apesar disso, teima-se em exportar a democracia “made in Ocidente”, sem ver que a realidade africana é bem diferente. Vai daí, pela força dos votos os ditadores chegam ao Poder, ficam eternamente no poder e em vez de servirem o povo, servem-se dele.
Mas será isso democracia? Por que carga de chuva ninguém se lembra que, por exemplo, na Guiné-Bissau as escolhas não são feitas com o cérebro mas com a barriga, ainda por cima vazia?
Foi neste contexto que, por exemplo, “Nino” Vieira chegou a presidente e, tal como o seu homólogo, mentor e amigo angolano, por lá queria continuar com o beneplácito da tal Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
A estratégia de “Nino” Vieira falhou, mas outras aí estão no terreno com inegável pujança e com a histórica cobertura dos donos do poder em Portugal, na CPLP e no mundo.
Ninguém se lembrou, apesar de saberem (até por experiência própria) que “Nino” Vieira (tal como Eduardo dos Santos ou Robert Mugabe) era só por si uma enciclopédia de corrupção.
Ninguém quis ver que “Nino” foi o único histórico do país que enriqueceu depois da independência, tornando-se o homem mais rico de um país miserável.
“Nino” vendeu e comprou as melhores empresas do país (Armazéns de Povo, Socomin, Dicol, Titina Sila, Cumeré, Blufo, Bambi, Volvo, Oxigénio e Acetileno, etc., etc.), tornando-se sócio do então presidente Lassana Conté, da Guiné-Conakry, para melhor traficar, entre outras riquezas, os diamantes da Serra Leoa.
Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal quando Carlos Gomes Júnior, o actual primeiro-ministro, disse que “era impossível coabitar com “Nino” Vieira que não passava de um bandido e de um mercenário que traiu o povo"?
Que conclusões terá tirado a CPLP e Portugal ao saber que, tal como se passou nas eleições angolanas, também “Nino” conseguiu em alguns círculos ter mais votos do que eleitores registados?
Pelos vistos à CPLP e a Portugal apenas interessa que se vote, nem que para isso se chamem os mortos, tal como aconteceu e acontecerá em Angola.
Se os votos foram comprados, isso pouco interessa. Se os povos votam em função da barriga vazia e não de uma consciente opção política, isso pouco interessa.
Para quem vive bem, para quem tem pelo menos três refeições por dia, o importante foi e será que os africanos votem. Não importa o que aconteceu antes, o que está a acontecer agora e que voltará a acontecer um dia destes.
Não será, aliás, difícil antever que o sangue (como aconteceu ciclicamente na Guiné-Bissau) voltará a correr. Mas o que é que isso importa? O que importa é terem votado...
Na Guiné-Bissau respeita-se os direitos humanos tanto como em Angola. Existem partidos, tal como em Angola. É um Estado de Direito similar ao angolano. Mas há, contudo, duas substanciais e relevantes diferenças. O presidente da Guiné-Bissau foi eleito, ao contrário do seu homólogo angolano que está no poder há 32 anos. Angola é um país muito rico, a Guiné-Bissau é um país muito pobre.
É, com certeza, por estas duas diferenças que a União Europeia enche o peito contra os fracos, Bissau, e põe-se de cócoras perante os fortes, Luanda.
A UE "insta" a Guiné-Bissau a proceder à investigação judicial dos acontecimentos ocorridos em 1 de Abril de 2010 e a "reforçar os esforços para resolver o problema da impunidade".
Mas será que há maior estado impune do que Angola? Será que na Europa ninguém vê que o regime de Eduardo dos Santos é dono e senhor do país, do povo? Será que ninguém vê que Angola é um dos países mais corruptos do mundo? Será que ninguém se preocupa com o facto de o clã do presidente ser dono de quase 100% do Produto Interno Bruto de Angola?
Bruxelas congratula-se por a delegação de Bissau se ter comprometido a investigar, de forma independente, os assassinatos de Março e Junho de 2009, a reformar o sector da segurança do país e a combater o tráfico de droga.
E em Angola não há assassinatos? Quem se preocupa, entre outros, em esclarecer a morte de Nfulumpinga Landu Victor, líder do PDP-ANA?
Tudo isto que tem como palco a Guiné-Bissau é, afinal, a reedição de um filme já gasto de tanto ser usado. Vão mudando os protagonistas principais, agora é Bacai Sanhá e antes fora “Nino” Vieira, mas o argumento é sempre o mesmo. E se o argumento é o mesmo, o fim será idêntico: mais uns tiros e mais uns dirigentes mortos.
Exagero? Talvez. Deus queira que sim. Mas a verdade é que na Guiné-Bissau nenhum candidato, nenhum presidente, acabou o seu mandato e em 16 anos o país já teve seis presidentes.
Por alguma razão, o ex-chefe do Governo guineense, Francisco Fadul, considerava que, face ao estado em que se encontra a Guiné-Bissau, as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, "para que não haja recidivas, não haja retrocessos".
Quanto a Angola, a Europa do camarada Durão, como lhe chama o MPLA, continua a fingir que tudo está bem. Tal como fingiu com a Tunísia, com o Egipto e com a Líbia. E tal como com estes países, ainda vamos ver os líderes europeus dizer que o dono de Angola é um ditador.
Levaram mais de 40 anos a descobrir isso no caso de Muammar Kadhafi. Mas como José Eduardo dos Santos já lá está há 32...
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: Armas voltam a falar mais alto em Bissau - CPLP ganha assim nova medalha de mérito
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