O governo Merkel havia postergado o desligamento das usinas nucleares, definido pelos social-democratas e verdes, e apostara suas fichas na ampliação do tempo de usos dessas centrais. A tragédia em Fukushima mudou tudo.
No dia 11 de março de 2011 a terra tremeu no nordeste do Japão. O tsunami decorrente varreu as costas das ilhas japonesas e desencadeou um desastre nuclear. Os núcleos de três reatores da usina Fukushima Daiichi se derreteram. Era a pior catástrofe do gênero desde Tchernobil, em 1986.
Nos meses seguintes à tragédia, o governo alemão mudou radicalmente sua política em relação à energia atômica. E isso que em outubro de 2010 a coalizão governamental formada por democrata-cristãos e liberais decidira prorrogar a atividade das usinas nucleares: a última delas só seria desligada, no máximo, em 2036.
Na qualidade de física formada, a chanceler federal Angela Merkel sempre considerara controláveis os riscos da energia atômica. Porém, no dia seguinte ao desastre em Fukushima, a chefe de governo reviu publicamente sua posição, declarando: "As ocorrências no Japão são uma cesura para o mundo".
Início do fim
Dois dias após o acidente, o governo alemão suspendeu temporariamente a prorrogação aprovada em outubro de 2010. Os sete reatores nucleares mais antigos do país foram imediatamente retirados da rede.
Berlim formou uma comissão de ética, com prazo de três meses para apresentar propostas para um "abandono da energia nuclear com discernimento". Paralelamente, um grupo de especialistas estudava o estado das usinas da Alemanha. Os resultados, apresentados em maio de 2011, foram inquietantes: em todas as unidades foram detectadas falhas de segurança.
Nova reação de Merkel: junto com seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), ela se empenhou pelo abandono da energia nuclear até 2022. Em 30 de junho, o Bundestag, câmara baixa do Parlamento, votou a moção. Com grande maioria, foi cancelada a prorrogação formalizada no ano anterior, e se anunciava o início do fim da era atômica na Alemanha.
Ponto para os verdes
A catástrofe no Japão mobilizou os alemães em massa: em março, mês do acidente, 250 mil cidadãos foram às ruas, exigindo a renúncia à energia termonuclear, o mais breve possível. Sobretudo o Partido Verde, que se bate por essa causa desde sua fundação, em 1980, alcançou recordes de popularidade nas pesquisas de intenção de voto.
Em junho, 24% dos entrevistados pelo instituto Infratest Dimap afirmava que votaria "verde" se as eleições parlamentares fossem no domingo seguinte. Antes de Fukushima, o partido contava com apenas 15% da preferência eleitoral.
Nas eleições no estado de Baden-Württemberg, em março último, a boa onda para os verdes se manifestou de forma especialmente forte: pela primeira vez em sua história, o partido elegeu um governador, com Winfried Kretschmann.
Enquetes realizadas em junho confirmaram que o projeto de abandonar a energia nuclear até 2022 repercutiu positivamente em toda a Alemanha: 44% dos entrevistados manifestaram-se a favor da data, 31% a consideraram até tardia.
Vento em alta
Além do abandono termonuclear, o Bundestag aprovou, em junho de 2011, um pacote de leis esboçando o caminho da virada energética. Como já estava estipulado, nos próximos dez anos deverá dobrar a participação das energias renováveis no total da eletricidade produzida no país.
A novidade é que o governo federal passa a apostar em peso na energia oriunda do vento, dispondo-se a investir 5 bilhões de euros na construção de parques eólicos em mar aberto. Nas unidades em terra, os velhos moinhos serão substituídos por equipamentos mais eficientes.
Outro ponto central do pacote de energia é a ampliação das redes elétricas modernas, capazes de transportar energia por longas distâncias, sem grandes desperdícios.
Quem coordena?
As vozes críticas consideram prematura a data decidida às pressas para a Alemanha se desligar totalmente da energia termonuclear. E muitos apoiadores apontam falhas na implementação do plano. Gerd Rosenkranz, diretor do departamento de política e imprensa da Ajuda Ambiental Alemã (DUH), sente falta de uma linha organizatória definida.
"Após esse verão superaquecido, do ponto de vista da política energética, tem-se a impressão de que agora algumas pessoas descansaram. Pois a grande transformação que temos pela frente não tem um centro. Quem coordena essa reviravolta energética, na verdade?", pergunta-se Rosenkranz.
Em resposta à questão, o governo federal aponta o processo de monitoramento "Energia do Futuro". Em outubro de 2011 uma equipe de experts se reuniu com o fim de assessorar Berlim ao longo da virada energética e, regularmente, opinar sobre o seu decorrer, nos assim chamados "relatórios de progressos". A publicação do primeiro desses documentos está programada para o final de 2012.
Após mais de 30 anos de disputa sobre a renúncia da Alemanha à energia termonuclear, no fim, a catástrofe de Fukushima foi o argumento decisivo. Os políticos dispõem de dez anos para engrenar o fim da era atômica. O desafio deles é realizar um "abandono da energia nuclear com discernimento", sem uma explosão de custos para o consumidor.
Autoria: Heike Mohr (av) - Revisão: Alexandre Schossler
Sem comentários:
Enviar um comentário