sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

E A EUROPA SE FOI. PARA ONDE MESMO?




Flávio Aguiar, Berlim – Opera Mundi

A maneira mais simples – e também a mais simplória – de interpretar o que aconteceu na última cúpula da União Européia, na semana passada, em Bruxelas, é dizer: “o Reino Unido está isolado”.

Não está. Em primeiro lugar, os Estados Unidos não vão deixar sua parceria preferencial (antiga metrópole) abandonada. Em segundo lugar, a opção do governo conservador de David Cameron é perfeitamente compreensível: jamais ele iria colocar sob a supervisão de Bruxelas (quer dizer, de Berlim e da França) a City londrina, seu centro financeiro. Um “Occupy Londres” dessa natureza é impensável. Em terceiro lugar, a situação da Europa continental é tão complicada quanto a britânica.

A imposição das balizas germânicas para gerir a crise provocou inúmeras frinchas e rachaduras – inclusive dentro da própria Alemanha. Hungria, Suécia e República Tcheca aderiram, mas condicionalmente a consultas a seus parlamentos. Os outros países também estarão sujeitos a consultas semelhantes. Até a Alemanha, cuja Suprema Corte determinou que qualquer acordo internacional dessa natureza deve ser submetido ao Bundestag.

A Dinamarca e outros países da UE, mas não da Zona do Euro, se submeteram, mas “rezingando”, como se diz no pampa. Mesmo nessa Zona as “adesões” não se deram sem “refugos”, para dizer o mínimo. Na própria França, este é o caso. A França (quer dizer, o governo de Sarkozy) nunca escondeu que prefere um “clube seleto” para decidir as políticas da moeda euro a essa colcha de retalhos em que a Zona do Euro acabou se transformando. Porém também não quer ver seu sistema bancário escrutinado por Bruxelas – ou seja – Berlim.

A hegemonia conservadora que rege o Consenso (ou a Corte) de Bruxelas não gosta de ser lembrada que deve olhar para os povos cujos destinos dirige: prefere dirigi-los sem vê-los. Mas desta feita uma coisa está cada vez mais evidente: o modo autocrático de gerir a crise gerou Europa afora mais ressentimentos do que reconhecimento. Um novo movimento semelhante ao de 1848, que momentaneamente implodiu a Europa da Santa Aliança restauradora, pode estar em preparo. Mas como naquela ocasião, quem pode acabar “levando” esse descontentamento é a direita, não a esquerda. Como, aliás, naquela ocasião, o próprio Marx previu.

Na Alemanha, as pesquisas de opinião revelam uma divisão: a última, feita pelo jornal sensacionalista Bild, mostra que metade do eleitorado acha que o país estaria melhor sem a UE, e que metade acha que não. O resultado (pelo menos na versão em que li) é impreciso, porque esse “eleitorado” é tratado “em bloco”: não se sabe que grupos apóiam o que, que faixa etária, classes sociais, regiões, etc. Mas de qualquer modo, é um sintoma das perplexidades cotidianas em que se navega por aqui.

O mais difícil de enfrentar, porém, é a falta de perspectivas, de alternativas. Há um consenso plúmbeo de que as coisas como estão são inevitáveis. Romper com a filosofia da austeridade? Impensável. Fazer o Banco Central Europeu comprar a dívida italiana ou a espanhola, ou outras menores, como a portuguesa ou a irlandesa? Impensável, porque isso seria “dar dinheiro para os indisciplinados”. A grega, então, nem se fala. Já basta o setor privado ter arcado com parte do prejuízo provocado por aqueles “irresponsáveis”.

Nos países em estado crítico, por sua vez, predomina um ressentimento cru antialemão. Na Grécia, muitos manifestantes carregam cartazes com efígies da chanceler Ângela Merkel envolta em suásticas, ou então com um capacete do exército alemão da I Guerra Mundial. Em termos de Europa, essas coisas nada têm de engraçadas. Além de um equívoco político de grandes proporções (e aqui não vai nenhuma apologia da política conservadora do governo alemão), manifestações como essa são sintoma de um desarrazoado ressentimento que acaba jogando água no moinho das direitas. Isso mostra que, por debaixo dos acordos de cúpula, grassa uma carência de propostas positivas para fazer os países enfrentarem a crise com criatividade.

O novo acordo de Bruxelas fez apenas jogar as opções decisivas para diante. Em março haverá uma reavaliação das cifras necessárias para o fundo de estabilização da moeda. O que isso quer dizer? Que, em março, Sarkozy e outros governantes vão continuar pressionando para que o Banco Central Europeu emita letras resgatáveis e intervenha no mercado comprando títulos das dívidas italiana e espanhola. E que o BCE vai continuar resistindo, a menos que a chanceler Merkel autorize o movimento. Até lá, a renovação das letras vincendas de Espanha e Itália – as de longo prazo – continuará altíssima, porque continuará a existência de dúvidas quanto à capacidade de serem honradas pelos devedores. E assim por diante.

Só haverá um fim para essa novela: ela está contida numa simples frase, mas essa sim, nada simplória.
"Só a volta a uma política de crescimento pode resolver os problemas da dívida dos países europeus e dos Estados Unidos".

Quem disse isso? Paul Krugman? Joseph Steglitz? Ricardo Carneiro? Saul Leblon? Lá no fim da lista, Flávio Aguiar? Não, embora todos eles (nós) pudéssemos ter dito.

Foi a companheira Christine Lagarde, diretora-presidenta do FMI, em visita ao Brasil, vejam só.

O tempora o mores.

*Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.

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