sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

GALO ALIMENTADO A LAGOSTA NÃO VOA




ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*

Isaías Samakuva foi hoje reeleito, pela segunda vez, como presidente da UNITA, maior partida da oposição em Angola, com 85,6% dos votos válidos, enquanto o seu adversário, José Pedro Cachiungo, não passou dos 11 por cento.

A proclamação dos resultados pelo presidente da comissão eleitoral, Alcides Sakala, levou ao rubro os mais de mil delegados presentes no congresso da UNITA, que aplaudiram efusivamente.

Continuo sem saber se qualquer reflexão que ultrapasse o círculo de bajuladores de Isaías Samakuva serve para aqueles que sobrevivem com mandioca ou, pelo contrário, para os que se banqueteiam com lagostas em Luanda.

Perante o anterior desastre eleitoral no país (e no próximo será pior), Samakuva baralhou tudo e voltou a dar para tudo ficar na mesma. Isso não impediu que voltasse hoje a ganhar as eleições internas.

Concluo, portanto, que ele é o líder que os militantes querem. Não creio, contudo, que seja a alternativa que os angolanos gostavam de ter.

Ninguém melhor, penso, do que Samakuva para saber se a UNITA vai conseguir viver sem comer. UNITA no sentido dos homens e mulheres que tinham orgulho no Galo Negro que transportavam no peito. Temo que, apesar da muita experiência, um dia destes se venha dizer, venha o MPLA dizer, que exactamente quando estava mesmo, mesmo quase a saber viver sem comer, a UNITA morreu.

A UNITA, ou seja – os seus dirigentes, teima em confundir as esquinas da vida com a vida nas esquinas. Continua a preferir ser assassinada pelo elogio do que salva pela crítica. E quando assim é... não há memória que a salve, nem mesmo a do Mais Velho.

Depois de perdida (embora com muita batota) a batalha das legislativas, continuo a pensar que a UNITA escolheu os seus “generais” para a “guerra” política baseada em critérios de parca consistência.

Continuo a pensar (e depois de ver Rafael Massanga Savimbi reforcei essa ideia) que se Jonas Savimbi fosse vivo, grande parte destes “generais” não passava de “cabos”. “Cabos” que, recorde-se, passarem a generais nas FAA e o ajudaram a matar.

E, para – apesar de tudo - meu penar, não sou o único (longe disso) a pensar assim. Sou, eu sei, dos poucos que publicamente assume esta tese. Tenho, no entanto, recebido testemunhos com chipala e nome, que comprovam que o Estado-Maior da UNITA continua a querer ganhar a “guerra” com “generais” que ao primeiro “tiro” vão para o outro lado da barricada ou, na melhor das hipóteses, levantam os braços, içam um pano branco e depenam o Galo Negro.

O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, não viu, não vê e assim nunca verá na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato, Alcides Sakala. Samuel Chiwale Jeremias Kalandula Chitunda, Adolosi Paulo Mango Alicerces e Elias Salupeto Pena.

De há muito que pergunto: Terá sido para isto que Jonas Savimbi lutou e morreu? E lá vou acrescentando: Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saberem como, herdaram o partido.

Continuo a lamentar que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Também é pena, importa continuar a dizê-lo, que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.

Se calhar também é de lamentar que figuras sem passado, com discutível presente e necessariamente sem futuro, queiram ter tudo à custa da desonra dos seus antepassados que deram tudo o que tinham, incluindo a vida, para dignificar os Angolanos.

Será que a UNITA não enterrou, depois da morte de Savimbi, o espírito que deu corpo ao que se decidiu no Muangai em 13 de Março de 1966?

Ao ouvir Rafael Massanga Savimbi dizer várias vezes que o Galo voa, lembrei-me novamente de algo que o Pai dele me disse, no Huambo, em 1975: “a UNITA, tal como Angola, não se define – sente-se”.

Foi do Muangai que saíram pilares como a luta pela liberdade e independência total da Pátria; Democracia assegurada pelo voto do povo através dos partidos; Soberania expressa e impregnada na vontade do povo de ter amigos e aliados primando sempre os interesses dos angolanos.

Foi de lá que também saíram teses sobre a defesa da igualdade de todos os angolanos na Pátria do seu nascimento; busca de soluções económicas, priorização do campo para beneficiar a cidade; liberdade, democracia, justiça social, solidariedade e ética na condução da política.

Alguém, na UNITA, se lembra hoje de quem disse: ”Eu assumo esta responsabilidade e quando chegar a hora da morte, não sou eu que vou dizer não sabia, estou preparado"?

Isaías Samakuva mostrou ao mundo que as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso?

Depois da hecatombe eleitoral, provocada também pela ingenuidade da UNITA acreditar que Angola caminha para a democracia, Samakuva alterou os jogadores, a forma de jogar e promete, continua a prometer, melhores resultados.

Mas a verdade é que muitos desses craques que escolheu não conseguem olhar para além do umbigo, do próprio umbigo, e passaram os últimos anos a bloquear iniciativas válidas só porque partiam de outras pessoas. Ou seja, olharam para o mensageiro e não para a mensagem.

Habituaram-se à lagosta e esqueceram a mandioca. Daí que façam tudo para ter o marisco sempre à mesa, mesmo que ali ao lado haja angolanos a morrer à fome.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: BOAS FESTAS PARA OS DONOS DOS ESCRAVOS

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