sábado, 24 de dezembro de 2011

EU, PROFESSOR EMIGRADO NO RIO, VIREI BALCONISTA DE BOTECO





Desempregado de longa duração, de professor de História sem colocação, passei a aluno. Ao abrigo de IEFP fiz diversos cursos, em especial na área de Informática. Estudei sistemas operativos, redes e programação. Sempre elogiado e classificado pelos formadores como dos melhores. Emprego? Nada!

Um ano, dois anos, dois anos e meio, a viver de esmolas de pais e sogros, cansei-me da vida de pedinte. Deixei a Ana e o casal de filhos, Paulo e Sofia, e fiz-me ao caminho: EMIGREI!

Cheguei ao Rio de Janeiro às 7h45 de 1 de Setembro de 2009. Optimista, iluminado por manhã carioca solarenga. Tomei um táxi para a Gávea. Bairro fino, da classe média alta, onde residia o tio-avô do meu pai, Joaquim Francisco de sua graça.

Com mil reais no bolso, disse-lhe ao que vinha. Licenciado e professor de História, sem colocação em Portugal, tinha decidido emigrar para o Brasil. Tanto poderia dedicar-me à docência, como a outra actividade, acentuei. Referi os meus conhecimentos e atributos informáticos. O tio Joaquim, de sotaque bem abrasileirado, disse-me: “Vou ver o que posso fazê por você, mas sabe que não é fácil, não; o Brasiu está necessitando de tudo menos de professô, aí presidentje Lula garante que estamos na maió!”.

Bem! Isto começa mal, disse de mim para mim. Más lá permaneci num anexo da casa, a dormir sobre uma tira pouco espessa de espuma, sob lençol esfarrapado. Chamavam-lhe colchão. De manhã, ia no banheiro, me barbeava, me lavava no chuveiro e, após o café-da-manhã, lá partia à procura de trabalho.

Dias a fio, bati rua, bati avenida, bati estrada, comi até o pó do caminho, mas sem sucesso. Comia em lanchonetes, do mais baratinho, para evitar diminuir a poupança. Ao oitavo dia, regressado a casa do tio Joaquim, este anunciou-me: “Sabe meu filho, é impossível conseguir algo para você. Falei com as senhoras de voluntariado da assistência sociau e elas arrumaram uma habitação para você, no princípio do morro da Rocinha. Terá alimentação gratuita e esquentada todos os dias e a minha fé no Criadô mi diz que o a sua colocação virá dipois, divina e automaticamentje”.

Ouvi e, a sorrir, a minha alma chorou. Ao outro dia, lá fui ter com as senhoras e conhecer o quarto no barraco da Rocinha. Mudei-me. Ao lado, morava uma cabrocha quarentona, D. Neide, bem humorada e de bunda abundante, mãe-solteira de 4 filhos. O mais velho tinha 14 anos e já fumava maconha. Três sofriam de tuberculose.

As senhoras do serviço social lá diligenciaram para que a D. Neide me lavasse a roupa. Ainda hoje o faz, sem ponta da contrariedade do seu Joriceu, assim chamado – explicou-me – porque a mãe era Jorema e o pai Dirceu.

Passaram dias sobre dias e eu, sem trabalho, só gastando. Pouco, mas gastando. Uma despesa regular era com os chopes bebidos com Joriceu. Agora, digo foi um investimento certeiro. Direitinho. Joriceu acabou por me recomendar ao Sr. Martins, dono de um boteco na Lapa. centro da boémia carioca. O Sr. Martins, era um transmontano a viver há mais de 40 anos no Rio, e preferia sempre empregados portugueses. Fui substituir um tal Mané, entretanto falecido.

O emprego dá para o barraco e comer. Tive de resignar-me com esta sorte em terras do Brasil. De professor, virei balconista de boteco e arranjei uma nega chamada Teresa. Sim, porque a Ana e os meus filhos esqueceram de dar notícias de volta.

Com três anos de antecedência, posso regozijar-me de ter tido a visão da expansão da diáspora portuguesa do actual governo de Portugal, do Dr. Passos Coelho. EMIGREI! Sou balconista de boteco carioca, licenciado em História. “Pra Portugau, não vou voltá mais, não; e quando eu morrê m’enterrem na Lapinha!” (ouvir).

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