quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Governos democráticos devem conduzir mercados, não o contrário, diz sindicalista espanhol



Stella Borzilo – Madri – Opera Mundi

“O que hoje nos propõem aqueles que mandam na Europa leva à recessão, a mais desemprego e a uma grave erosão dos direitos sociais e trabalhistas que cimentam o modelo europeu”. A opinião é do líder sindical espanhol Ignácio Fernández Toxo, presidente da CES (Confederação Européia de Sindicatos). Para ele, as políticas neoliberais de austeridade fiscal adotadas pelos líderes europeus causarão mais problemas, “sem que se consiga o único objetivo em que pensam: reduzir rapidamente os níveis de déficit e dívida”.

Toxo, que também é secretário-geral da CC.OO (Confederação Sindical das Comissões Operárias da Espanha), esteve em Bruxelas no último fim de semana para acompanhar o decisivo encontro dos chefes de Estado da União Europeia. O objetivo da cúpula era chegar a um pacto definitivo para combater a crise no continente. Toxo voltou de Bruxelas decepcionado.

Segundo o líder sindical, não houve avanços para evitar novas recessões ou incentivar o crescimento da economia e a geração de empregos. Ele responsabiliza parte dos dirigentes europeus pela crise e aponta a necessidade de se punir judicialmente os bancos e agências de rating que a estouraram entre 2007 e 2008. “Seria o caso de que os governos democráticos governassem os mercados, em vez de serem governados pelos especuladores”, critica.

Nesta entrevista ao Opera Mundi, ele defende que a União Européia forme um modelo federativo que harmonize, ao mesmo tempo, a consolidação fiscal, o crescimento sustentável e o emprego de qualidade e a preservação do modelo social. A seguir, ele explica as propostas sindicais de combate à crise:

Como o senhor avalia os resultados da reunião do Conselho Europeu que aconteceu no último fim de semana em Bruxelas?

Negativamente. Com relação ao problema de financiamento dos Estados ou da crise das dívidas soberanas, não foram adotadas as soluções mais eficazes. Com relação ao risco iminente de recaída à recessão, esqueceram-se completamente de qualquer medida que a enfrente; não se aprovou nenhuma medida para incentivar o crescimento da economia e o emprego.

Mais que isso: consagram-se nas propostas de reforma legal que o Conselho Europeu formulou as políticas de austeridade e cortes orçamentários que vão produzir uma nova recessão na maioria dos países europeus.

Para o senhor, como seria possível resolver o problema da atual crise econômica e social na Europa sem prejudicar os trabalhadores e movimentos sociais do continente?

Em primeiro lugar, permitindo que os Estados possam financiar suas dívidas com taxas de juros razoáveis. Isso é perfeitamente possível. Os indicadores europeus (do conjunto da União Européia e de seus principais países) de déficit e de dívida e das demais grandes variáveis macroeconômicas são melhores que os dos Estados Unidos e Japão. A dívida pública japonesa, por exemplo, supera o PIB em 225%. No entanto, esses países podem colocar suas emissões de títulos por dez anos [com juros] abaixo de 2%, ou 1%, no caso do Japão, enquanto que os últimos leilões da dívida italiana alcançaram uma taxa de juros de 8%, e a espanhola, 7%.

A desastrosa gestão da crise das dívidas soberanas por parte dos responsáveis políticos europeus – em particular, de quem impõe suas regras ou impede que se adotem as medidas adequadas, o governo alemão – deixou muitos países do euro nas mãos dos especuladores financeiros.

A intervenção ativa do BCE (Banco Central Europeu) nos mercados da dívida, a regulação financeira que, entre outras coisas, proíba as operações especulativas, a garantia total às dívidas dos Estados e a emissão da dívida comum em euros (os eurobônus) são medidas que a Confederação Européia de Sindicatos vem propondo já faz muito tempo. E, além disso: fomento do investimento público para que, junto com a confiança restaurada, evite-se a nova recessão. O equilíbrio fiscal, que também se deve buscar, pode alcançar-se em um prazo mais prolongado sob a condição de que as economias européias não voltem a afundar-se.

O senhor acredita que o modelo de superação da crise adotado pelo Brasil em 2008 (com redução de impostos e incentivo ao consumo) poderia ser uma alternativa na atual situação européia?

Teria que conhecer com mais detalhes o que foi executado pelo governo do Brasil em 2008 para poder responder com mais precisão. O incentivo da demanda interna (consumo e investimento) é necessário para evitar a recessão e impulsionar a recuperação da economia. No que diz respeito à redução de impostos, que segundo e como se realize também pode servir de incentivo para a recuperação, hoje não seria nem conveniente, nem possível na Espanha e na maioria dos países europeus. Os depósitos do Estado caíram e o sistema impositivo foi perdendo progressividade. Para combinar o incentivo da demanda e a redução do déficit em médio prazo, é necessário aumentar os impostos das pessoas de maior renda e lutar decididamente contra a evasão e a fraude fiscal.

Como o senhor avalia o papel dos bancos e das agencias de rating na crise européia?

Foram os principais responsáveis pelos processos de especulação financeira e imobiliária, cujo estouro provocou a crise de 2007 e 2008. Bancos e agências de rating agiram em íntima colaboração, ignorando o conflito de interesses evidente e os princípios éticos mais elementares. Qualificaram com o triplo AAA os ativos financeiros mais tóxicos que se criaram, incluídos os do banco Lehman Brothers e do caloteiro Bernard Madoff.

Os governos e as instituições financeiras internacionais foram os responsáveis pela falta de regulação e vigilância. Agora, quando a crise converteu boa parte da dívida privada que eles criaram em [dívida] pública, as agências de rating agem contra as dívidas soberanas com a severidade que lhes faltou ao avaliar os ativos tóxicos; e muitas vezes também o fazem com má informação. Estão favorecendo a especulação e produzindo mais sofrimento a milhões de pessoas. Seus responsáveis deveriam ter sido processados judicialmente.

Nós reivindicamos a criação de uma agência européia de qualificações, pública e independente. Com relação aos bancos, que em maior ou menor medida estão alastrados pelos ativos tóxicos (financeiros e imobiliários) não aflorados, apesar das enormes ajudas públicas recebidas, não cumprem sua função: não emprestam.

Recentemente, o senhor e outros sete líderes sindicais europeus publicaram um artigo de grande repercussão no El País, defendendo o combate à especulação e uma política fiscal única na UE. Quais seriam as medidas necessárias para que isso ocorresse?

De imediato, seria necessário acabar com a especulação nos mercados da dívida, estabelecendo-se a garantia absoluta das dívidas soberanas, com apoio de um Banco Central Europeu que se comprometa a comprá-las massivamente. Ao mesmo tempo, devem-se proibir definitivamente as vendas a descoberto [short selling, modalidade de investimento que se vende de um ativo financeiro alugado por um terceiro, esperando que seu preço caia para então comprá-lo de volta e lucrar na transação] em todos os mercados, implantar um imposto sobre transações financeiras e estabelecer uma regulação rigorosa dos mercados financeiros.

Seria necessário construir os instrumentos para permitir que o euro subsista no futuro, que são os mesmos que as demais moedas possuem: um Tesouro Único Europeu que emitisse os eurobônus – as atuais dívidas nacionais deveriam converter-se em eurobônus até certo ponto –; um FME (Fundo Monetário Europeu) com funções semelhantes às do FMI – o atual fundo e o futuro Mecanismo de Estabilidade Financeira não são nada além de uma cópia confusa do FME –; e fazer com que o BCE tenha objetivos e funções similares aos do Federal Reserve ou dos bancos centrais do Japão ou do Reino Unido. Isso requereria um governo econômico da Zona do Euro e uma coordenação econômica forte para toda a União Européia.

No artigo, também se comenta que, para vencer a crise, a União Européia deveria investir nas políticas de geração de emprego, nas políticas industriais, enérgicas e ambientais. Seriam necessários mais recursos para essas políticas? Como seria possível manejá-los dentro do orçamento europeu?

Sim, seriam necessários mais fundos. O orçamento europeu é muito escasso: está abaixo de 1% do PIB da União Européia. Há recursos apenas para realizar políticas européias nesses campos. A CES historicamente tem reivindicado chegar a 3% do PIB. Neste momento, os recursos adicionais poderiam vir do que for arrecadado pelo ITF, dos recursos do Banco Europeu de Investimentos e do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento e, se fosse necessário, das emissões de eurobônus.

Por fim, o senhor acredita que a crise econômica leva pensar em novos modelos de estruturação política da União Européia? Como poderiam ser esses novos modelos?

Sim, necessariamente. O problema é que o plano dos atuais responsáveis políticos europeus, se é que eles o têm, não segue uma boa direção, tanto pelas políticas que se querem aplicar como pelo déficit democrático.

Avançar rumo a uma federação de Estados, que é o único modelo final coerente, requereria desenhar políticas que levassem em conta, simultaneamente, os objetivos de consolidação fiscal, crescimento sustentável, emprego de qualidade e a preservação do modelo social, o direito trabalhista e a universalidade e qualidade dos serviços públicos fundamentais (educação e saúde, em particular). E que, na nova estrutura política, fossem reforçadas as funções do Parlamento Europeu e promovidas a participação cidadã e o diálogo social. Essa é a síntese do “novo contrato social” que propomos no documento mencionado.

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