Grandes jornalistas do passado, como Carlos Heitor Cony, são leitura obrigatória para quem procura alternativa à mesmice insossa e ao reacionarismo hidrófobo da imprensa atual.
Seus lampejos são cada vez mais esporádicos mas, quando acontecem, produzem mais luz do que os escribas medíocres durante uma carreira inteira.
Neste domingo (27/11/2011), por exemplo, foi Cony quem melhor definiu (ver aqui) a onda de derrubada dos tiranos das Arábias – absurdamente defendidos por uma esquerda que perdeu o rumo e o prumo. Marx deve estar se revirando na cova.
Talvez por temerem que a onda chegue às praias de cá e atinja seus homens fortes prediletos, certos esquerdistas enfiaram a cabeça na areia, como avestruzes, alheando-se aos sentimentos populares de acolá.
Se antes os reacionários enxergavam o dedo de Moscou em tudo, agora são esses companheiros desatinados que atribuem revoltas mais do que justificadas à instigação da Otan, confundindo coadjuvante com protagonistas.
Então, Cony encontrou a medida certa para dimensionar a onda de revoltas que está sendo apelidada de Primavera Árabe (na esteira das primaveras de Paris e de Praga em 1968):
“… eu diria que há dois denominadores comuns. O primeiro, e mais óbvio, é o fato de nações subjugadas por tiranos de vários calibres se revoltarem contra governos totalitários e corruptos.
O segundo denominador comum é que ninguém sabe -nem o pessoal de lá nem o de cá, ou seja, do Ocidente que se diz democrático ou liberal- o que está sendo preparado para substituir os regimes depostos.
Não há uma liderança clara, um programa nacional de corte positivo. Em cada país, há o ostensivo repúdio ao existente, mas não está claro, ainda, o que virá depois. Somente o sentimento da revolta não basta para haver uma Primavera Árabe de fato.
Essa falta de liderança -pensando bem- não afeta apenas os países que estão se movimentando em busca de um destino maior e melhor.
Tanto na Europa como nas Américas, não há líderes convincentes…”
Ou seja, os povos da região não sabem direito aonde querem chegar, mas não aguentavam mais continuarem onde estavam.
Quase sempre é assim que os povos reagem às tiranias: um belo dia se convencem de que o grande ditador pode ser defenestrado e, arriscando-se à morte e às piores torturas, levantam-se contra o velho regime.
Aí, cabe à vanguarda assumir e direcionar essa revolta espontânea.
Inexistindo uma vanguarda apta, como parece ser o caso, fica-se depois nesse limbo. Tudo pode acontecer, desde a estabilização capitalista até revoluções anticapitalistas. O jogo agora está aberto.
Alguém que se pretenda revolucionário não pode, jamais, querer que o povo de qualquer país permaneça sob o tacão de “governos totalitários e corruptos”.
Assim como nos livramos do nosso em 1985, os árabes têm todo direito de se livrarem dos deles.
E, assim como os EUA de Jimmy Carter nos ajudaram a expelir os tiranos que os EUA de Lyndon Johnson e Richard Nixon nos haviam enfiado goela adentro, os árabes têm todo direito de decidir qual ajuda querem aceitar.
Quem enfrentou verdadeiramente uma ditadura, sabe muito bem como é difícil travar lutas tão desiguais, tendo poder de fogo infinitamente menor e confrontando inimigos totalmente sem escrúpulos.
Exigir que, além disto, os revoltosos recusem apoios oferecidos é pedir-lhes demais atitude – típica dos revolucionários de boteco.
Do blogue Náufrago da Utopia
*Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político.
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