segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O FMI CHEGOU À EUROPA




JOÃO SICSU – CARTA MAIOR, em Debate Aberto

A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990. Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990.

Em 2011, a crise explodiu na Europa. A dívida dos países europeus já havia aumentado em 2009 porque o setor público teve que “estatizar” a dívida privada do seu sistema financeiro: bancos europeus emprestaram aos bancos americanos e não viram o seu dinheiro de volta. Ao mesmo tempo, na Europa, famílias vinham se endividando para alcançar um modelo de consumo assemelhado ao “American way of life”(o modo de vida americano pré-crise, onde felicidade era sinônimo de consumo de bens de última geração).

Então, os bancos europeus passaram a financiar casas de luxo e automóveis de tecnologia sofisticada. A Europa se transformou em Eurolândia, onde “comprar e ter” passaram a ser mais importantes do que “viver e não ter vergonha de ser feliz”. Portugueses pobres e negros passaram a valorizar e a usar Nike. Carros Porsche, Audi, Mercedes, BMW e Volvo de alto luxo se tornaram comuns nas ruas da Europa. Ademais, governos da periferia européia importaram produtos bélicos sofisticados.

Para financiar o gasto da periferia, bancos se endividavam junto a outros bancos. E muitos governos europeus fizeram dívidas dentro da própria Europa para tentar pagar suas contas comerciais com o exterior, devido à elevada importação que suas economias faziam. A Alemanha incentivou esse processo onde bancos assumiam uma postura arriscada e pessoas e governos se endividavam. Lógico: 2/3 das suas exportações vão para a região da União Européia.

Logo que a União Européia deu seus primeiros passos, a Alemanha iniciou a implementação de uma estratégia econômica de dominação da Europa. A Alemanha fez um pacto interno, de cunho político e econômico, entre o governo, banqueiros, trabalhadores e empresários. Ofereceram aos trabalhadores estabilidade no emprego em troca de arrocho salarial. Com custos menores, devido aos salários comprimidos, os produtos alemães passaram a penetrar com facilidade nos mercados de toda a Europa.

Para complementar a estratégia, a Alemanha passou a emprestar dinheiro aos países que comprassem os seus produtos. Assim, euros, na forma de lucro e juros, eram transferidos da periferia para o centro da Europa. O enfraquecimento econômico da periferia representou também o seu enfraquecimento político: foi aberto o caminho para a substituição de governantes e para a rejeição de consultas populares.

As dívidas dos governos europeus da periferia explodiram. Afinal, tiveram que socorrer bancos e tomar emprestado euros para garantir o equilíbrio das suas contas externas. Enquanto a Alemanha exportava e fazia superávit comercial; outros importavam e tomavam empréstimos, a Grécia, por exemplo. A Grécia está gravemente endividada.

Tudo começou na periferia; mas, hoje, o mundo já reconhece que a contaminação é geral: Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, França... De julho de 2008 a dezembro de 2009, a relação dívida/PIB da zona do euro saltou de 70 para 80%. Este foi um período de recessão na Europa e de queda na receita pública. Em 2010, a razão dívida/PIB alcançou 85%.

A situação de países como a Grécia é conhecida na história econômica mundial: um país com elevada dívida pública e déficit comercial com o exterior. Para esses casos, o FMI - desde o início das suas atividades, já com postura conservadora – impunha uma fórmula bastante peculiar. Um país deficitário na sua balança comercial e endividado, para receber os empréstimos de socorro do Fundo deveria cortar gastos públicos de forma drástica, o que resolveria os dois problemas econômicos.

O corte de gastos reduziria os déficits das contas do governo e, em consequencia, contribuiria para a estabilização da dívida pública. Além disso, o corte de gastos públicos reduziria a capacidade de compra da população e, portanto, reduziria também a demanda por produtos importados contribuindo para o equilíbrio comercial com o exterior.

Durante décadas, o FMI somente impôs políticas econômicas; basicamente, obrigava países em dificuldade a cortar gastos governamentais e a conter o crédito para o consumo. A partir dos anos 1990, o FMI passou a propagandear e impor reformas estruturais. Para o FMI, o receituário de políticas econômicas não era suficiente.

O FMI foi a principal organização de defesa e implementação das reformas estruturais propostas pelo Consenso de Washington (de 1989). A fórmula que o FMI propõe, hoje, aos países europeus - de austeridade fiscal e privatizações - já foi adotada em diversos países da América Latina nos anos 1990, por exemplo, Equador, México, Argentina e, parcialmente, no Brasil.

Os países europeus que vão se curvar ao FMI e que desejam conhecer o seu futuro não precisam de “bola de cristal”; basta conhecer a história econômica desastrosa da América Latina dos anos 1990.

(*) Professor-Doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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