quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

PARA ONDE VAI A EUROPA E NÓS COM ELA?




MÁRIO SOARES – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

1. Uma semana depois da Cimeira que teve lugar no passado dia 9, para defender o euro e dar uma maior confiança à União Europeia, não houve melhoras significativas. Bem pelo contrário. Os dirigentes europeus continuam a não se entender e os mercados especulativos que se esperava que se apresentariam mais moderados continuam agressivos, fechando os olhos às críticas (poucas) que lhes fazem. As agências de rating americanas continuam de uma arrogância intolerável, classificando alguns bancos europeus de simples "lixo", sem que alguém se atreva a metê-las na ordem, quanto mais não seja pela palavra empregada, que só assenta bem nas agências que a inventaram...

David Cameron, como se sabe, afastou-se da União Europeia da Zona Euro, o que o fragilizou internamente. Quer no que respeita aos seus parceiros de coligação quer aos seus opositores trabalhistas, que consideraram muito perigoso para o Reino Unido afastar-se da União, não obstante não pertencer à Zona Euro. A City, aliás, também não ficou contente com o isolamento a que Cameron conduziu a Inglaterra...

No plano da União Europeia, a Zona Euro ficou com menos problemas, com a saída do Reino Unido, porque, com um pé na América e outro na Europa, sempre foi um empecilho para fazer avançar o projecto europeu numa direcção federal, como continua a ser necessário. Mas não é isso, ao que parece, o que a Alemanha quer, pelo menos por enquanto. Quer tão-só austeridade, de modo a reduzir os deficits. Ignorando a recessão, que começa a tocar-lhe, e o aumento do desemprego, que trará inevitavelmente problemas sociais gravíssimos.

Sucede que no próximo mês a Itália vai ter problemas muito sérios para pagar os juros da sua astronómica dívida. E nos meses seguintes as obrigações da Itália vão ainda agravar-se. Quem lhe vai valer? O Banco Central Europeu não parece ser do agrado da chanceler Merkel fazê-lo, e o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira não tem, ao que parece, dinheiro para tanto.

Acresce que a Espanha, tudo leva a crer, é a vítima dos mercados que se segue. Pobre Rajoy, que vai ser obrigado - em resultado das eleições - a descalçar essa tremenda bota. Não haverá espanhol consciente que queira estar, seguramente, no seu lugar...

Mas as dificuldades da União não param aqui. As agências de rating, ao que escrevem reputados jornais europeus, ameaçam tirar um A aos três com que até aqui têm classificado a França. O que faz tremer o Presidente Sarkozy, tão preocupado já com a sua comprometida reeleição do próximo ano. E, por arrastamento, a Senhora Merkel, tão polémica na Zona Euro, a quem faz falta, seguramente, o seu obediente assessor francês.

2. Para onde vai a Europa, com este panorama tão complexo e amargo, e nós com ela? Eis uma pergunta difícil de responder. Está à beira do abismo, disse Delors, com conhecimento de causa. É exacto! Mas ainda não caiu. Para evitar a queda, precisa, como de pão para a boca, de mudar de paradigma, isto é: de política e de ter a coragem de meter na ordem os mercados especulativos, as agências de rating, os offshores, a economia virtual, as grandes negociatas. Serão os líderes europeus capazes de tal feito? Haverá força para mudar? Mas a verdade é que se assim não acontecer, espera-nos o abismo, com todas as suas terríveis consequências.

Lembra-me o ano fatídico de 1939 (tinha eu 15 anos), quando se celebravam os "grandes pacifistas", Chamberlain e Deladier, arautos da paz, vindos de Munique, com o acordo de Hitler, em vez de se prepararem para a Guerra, como aconselhava Churchill e, depois, De Gaule...

3. Portugal pensa pouco na Europa - o que é mau - e o actual Governo, por razões ideológicas, parece acreditar piamente nas receitas da Senhora Merkel e, portanto, segue, obediente, o que a troika manda. Mais do que isso, vai além do que a troika recomenda, para ser considerado um "bom aluno" europeu.

A meu ver, é um péssimo caminho. A austeridade é importante, desde que seguida com peso, conta e medida. O Governo português devia cruzar opiniões com os outros Estados europeus, que estão a ser atacados pelos mercados especulativos, sobre a situação em que se encontram e como sair dela: Grécia, Irlanda, Itália, Espanha, talvez a França e os próximos Estados europeus que começam a sentir-se ameaçados. Se não se luta, desde já, contra a recessão e o desemprego, que aumentam todos os dias, os Estados visados vão ser destruídos não só em termos de economia real mas também de justiça e de paz social, e as próprias democracias. Tratar-se-á de um recuo civilizacional imenso da Europa, que levará anos a sanar... Não é possível aceitar, de ânimo leve, tal calamidade!

A população portuguesa está muito deprimida, nesta quadra natalícia. Muita juventude, entre os mais bem preparados quanto aos seus conhecimentos, quer emigrar e está a ser aconselhada para isso. É uma tragédia! E algumas importantes conquistas, do 25 de Abril, como a democracia, os direitos humanos, a justiça social, o Serviço Nacional de Saúde, a educação para todos, a dignidade no trabalho, e algumas jóias decisivas, podem vir a perder-se...

O Governo tem dito a verdade aos portugueses, é certo. Mas não explicou ainda como sair da crise nem qual a estratégia para o conseguir, em termos europeus e nacionais. Ora isso é o mais importante de tudo. A não ser que se pense que daqui a vinte anos ainda vamos estar piores... É inaceitável, por mais que os economistas no-lo digam, com as contas rigorosas que fazem, mas sem pensar nas pessoas e nas suas reacções. Nunca tal sucedeu, nem na pior das crises, a de 1929. Quem conhece a história, sabe que as coisas mudam, quando menos se espera. E muito rapidamente. Quem julgava possível o colapso da URSS, com a rapidez e o pacifismo com que ocorreu? Da Primavera Islâmica, ou agora do Outono Russo?

Tenhamos, pois, confiança no futuro e saibamos lutar para nos defendermos do pior que aí vem. Porque atrás de tempo, tempo vem.

4. O Prémio Fernando Pessoa é, seguramente, dos mais prestigiados que tem Portugal. Desta vez, quando comemora 24 anos, foi atribuído a Eduardo Lourenço, um dos intelectuais portugueses mais reputados da nossa terra. Não foi por acaso que isso aconteceu. Num dos momentos especialmente críticos para a população portuguesa, é reconfortante que se reflicta sobre uma figura tão admirada em Portugal e no estrangeiro, com uma vasta obra publicada e que tanto nos orgulha.

Eduardo Lourenço, ensaísta, na linha de António Sérgio e de Sílvio Lima, pensador, filósofo, crítico literário, comentador político, administrador não executivo da Fundação Gulbenkian, vive em França, onde a sua família mais próxima está radicada, mas não há mês nenhum que não venha a Portugal. É, além do mais, um homem bom, de uma simplicidade admirável, extremamente afável e de uma modéstia exemplar. É um notável pessoano, sobre cuja obra foi dos primeiros a debruçar-se, sem esquecer João Gaspar Simões e, até por isso, o prémio que agora lhe foi atribuído não podia ser mais merecido e actual. Parabéns, querido amigo e companheiro de geração!

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