quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

PEDRO E O APOCALIPSE




DANIEL DEUSDADO – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião

"Nós temos de estar preparados para todas as eventualidades". É esta a frase que marca a entrevista do primeiro-ministro ontem à SIC. Perante a provável pergunta sobre o fim do euro, ele teria duas saídas: fazer de conta que o Mundo não está a desabar e negá-lo, ou admitir que alguém no Ministério das Finanças começou a fazer contas. Pois agora, senhor primeiro-ministro, queremos saber quando está pronto o estudo. E o que diz...

É fundamental acabar com um certa especulação sobre o que pode significar voltar ao escudo. Os portugueses passam a pagar 30% de taxa de juro, ou ainda mais? Outra questão: a desvalorização do euro para o escudo pode significar metade ou um quarto do seu valor actual? Em termos práticos, isto significa pagar quatro vezes mais pelo pão, fruta ou legumes? Um litro de gasóleo a cinco euros?

Outro ponto óbvio: a saída do euro representa a falência do sistema financeiro por fuga dos depositantes? O dinheiro é transformando em escudos? Quantas empresas fecham de imediato se deixar de haver euro? O que significa isto em termos de desemprego?

Bom, isto é o tal apocalipse. Mas a verdade é que ninguém sabe muito bem como fazer frente aos mercados financeiros simplesmente porque eles não têm um rosto e ainda por cima têm o dinheiro de que os países continuam a precisar... E os estados vão buscar o dinheiro para o entregar às pessoas que dele dependem...

Uma pausa: por que não se pára esta espiral? A razão é simples: enquanto houver dinheiro haverá ganância. E parece difícil mudar o género humano. Sim, a regulação dos mercados... Mas a regulação é uma espécie de corrida em 100 metros barreiras: vão-se saltando os obstáculos legais até à meta. No fim um ganha e todos os outros perdem. E depois começa tudo de novo.

Exemplos: teme-se que o Governo ceda demasiado aos lóbis e os velhos amigos do poder que estão a manietar a economia. O Governo deveria ter coragem de travar a parceria público-privada com a EDP para construir barragens de que não precisamos e pela qual vamos pagar 16 mil milhões de euros ao longo dos anos (quase 20% do empréstimo da troika...); o Governo não deveria permitir que o custo por quilómetro nas scut e nas auto-estradas fosse o que é em Portugal e os devesse renegociar, porque isto é um imposto brutal sobre as empresas, os trabalhadores e o turismo; o Governo tem de quebrar a vergonha pública que significa ver combustíveis alinhados à milésima. Cada posto de comparação de preços entre marcas é um cartaz à incompetência à Autoridade da Concorrência.

Estas medidas não custam dinheiro mas podem poupar muitos milhões, os tais milhões que são vitais para tentar garantir a última réstia de competitividade. O Governo salvou os pensionistas e funcionários públicos até aos 600 euros, e bem. Mas é preciso garantir condições para que isso se mantenha e consigamos salvar o Estado Social. E para isso tem de haver economia. Como o Governo não pode criar sozinho mais empresas exportadoras, tem pelo menos a obrigação de não as deixar morrer às mãos do livre arbítrio dos monopólios disfarçados de "mercado".

A decisão sobre crucificar a restauração - com o IVA a 23% - só tem uma saída: esperar-se que as pessoas peçam realmente a factura e dêem justiça a esta medida. Caso contrário o restaurante a fechar primeiro será o que cumpre as suas obrigações. Embora, no essencial, as mais fracas vão fechar por falta de procura...

Já não vale a pena falar da falta de crédito para as empresas. Parece que quase acabou. E se assim é, o desemprego vai aumentar já em Janeiro, e muito.

Bom... Pedro Passos Coelho passou por mais uma entrevista onde se percebeu que não vê uma luz ao fundo do túnel. Foi honesto. É difícil, para não dizer mesmo impossível, ver um palmo à frente do nariz. Mas ser líder é ver mais à frente. E ou se vê, ou não se é líder. É-se um gestor de circunstâncias. Pedia-se ao primeiro-ministro uma ideia nova, pequenina, prática, útil. Uma. Os portugueses precisam de pedagogia e energia. Fica para a próxima?


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