MAIR PENA NETO* - DIRETO DA REDAÇÃO
João Havelange, o cartola-mor do futebol brasileiro e mundial, deixa a história pela porta dos fundos. Aos 95 anos, o todo poderoso dirigente, que comandou a Fifa de 1974 a 1998, renunciou a seu cargo no Comitê Olímpico Internacional, do qual era membro desde 1963, para não ser expulso da entidade por corrupção. Havelange estava envolvido com a empresa de marketing esportivo ISL, da Suíça, que faliu em 2001 deixando dívidas de cerca de US$ 300 milhões.O brasileiro era acusado de ter recebido dinheiro da ISL em troca da concessão de lucrativos contratos relacionados às Copas do Mundo.
Com a renúncia ao COI, a investigação por parte da entidade foi arquivada. Havelange estava prestes a ser pego com a boca na botija pela negociação de direitos televisivos quando presidiu a Fifa. Segundo a BBC, com base na sentença de um tribunal suíço, Havelange teria sido beneficiário de um pagamento ilícito da ISL de US$ 1 milhão. Ele e outros dirigentes da Fifa foram obrigados a devolver US$ 6 milhões de dólares ao cofres suíços. A propina recebida chegaria a US$ 9 milhões.
Ricardo Teixeira, seu ex-genro e sucessor na CBF, também foi acusado de participar do esquema. A estreita ligação de Havelange com a ISL vem de longe, como contam os jornalistas Vyv Simson e Andrew Jennings, no livro "The Lords of the Rings". Logo depois de ser eleito presidente da Fifa, em 1974, superando o inglês Stanley Rous, por apenas 16 votos, Havelange se aproximou do alemão Horst Dassler, criador da Adidas. Dassler fora convocado a apoiar Stanley Rous e por pouco não virara uma eleição, na qual Havelange empregara mundos e fundos. Ao fim da votação, os dois perceberam que eram homens poderosos e que o melhor seria atuarem juntos.
Durante sua campanha, Havelange prometera aumentar o número de participantes na Copa do Mundo, incluindo africanos e mais asiáticos, numa versão global do Campeonato Brasileiro de 1979, que teve 80 clubes, dentro do lema de "onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional", que a ditadura militar adotou para tentar fortalecer seu partido de sustentação. Havelange obtivera os votos das federações africanas e asiáticas e precisava retribuir o apoio. Mas suas promessas tinham ido além. Ele se comprometera a criar cursos de futebol nesses continentes, a financiar a construção de estádios e a criar um novo Campeonato Mundial Júnior e não tinha dinheiro para isso.
Dassler foi o homem convocado para a tarefa e, deste então, até sua morte, esteve intimamente ligado a Havelange. A ISL, sua empresa de marketing, era a detentora exclusiva da venda dos direitos da Copa do Mundo. Com Havelange, a Copa se transformou num torneio gigante, com 32 seleções. Na última edição, na África do Sul, eram 13 da Europa, oito das Américas, seis africanas, três asiáticas e duas da Oceania. A competição passou a ser patrocinada pelas maiores corporações do mundo e os dirigentes da Fifa a desfrutar de uma vida de rei.
Nasceu com Havelange, um admirador confesso da organização nazista dos Jogos Olímpicos de 1936, dos quais participou como nadador, a postura autoritária da Fifa, que impõe aos países organizadores das Copas o seu famigerado caderno de encargos, nada menos que uma interferência nas leis e soberanias nacionais, determinando, entre outras coisas, vistos de trabalho a estrangeiros, isenções fiscais e livre transferência de divisas. Até a venda de bebidas alcoólicas nos estádios tem que ser autorizada, mesmo contrariando leis locais, como no caso do Brasil. Afinal, a indústria cervejeira é uma das grandes patrocinadoras do evento.
O episódio da renúncia ao COI desmistifica de vez a figura de Havelange, que não merece ser nome de estádio de futebol no Brasil. Fica lançada desde já a campanha pela mudança do nome do Engenhão, no Rio de Janeiro, de Estádio João Havelange para Estádio Garrincha Alegria do Povo, em homenagem a um dos maiores craques da história do futebol brasileiro, que jogou no Botafogo, clube carioca, e que recentemente teve seu nome extraído do estádio de Brasília. Garrincha nos deu muito mais alegrias do que Havelange e jamais envergonhou os brasileiros.
* Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
Sem comentários:
Enviar um comentário