Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues
A reduzir o poder económico do Estado Pedro Passos Coelho está a fazer um bom serviço. Generosamente, dispensa, sem exigir nada em troca, as golden shares nas empresas que o Estado fez serem grandes. Promete privatizar as partes da CP que dão lucro e ficar com o que dá prejuízo. Acaba com a publicidade na RTP, garantido a sua falência a prazo. Privatiza monopólios naturais, dando a grupos económicos (ou mesmo a outros Estados) um extraordinário poder sobre a nossa economia. Isto tudo quando já não detém instrumentos monetários e até políticos para poder determinar o futuro do País.
A reduzir a capacidade de regulação do Estado Pedro Passos Coelho está a fazer um bom serviço. Desregula as leis laborais, não toca na regulação financeira e deixa que as entidades públicas de regulação económica continuem a ser uma coutada dos que deveriam ser regulados.
A reduzir o papel do Estado na promoção da competitividade da nossa economia Pedro Passos Coelho está a fazer um bom serviço. Deixa as finanças da Escola Pública e dos centros de investigação na miséria e estrangula todos os agentes culturais. Os jovens mais capazes e preparados estão de partida e até há secretários de Estado que lhes mostram a porta de saída. Teremos, no futuro, menos criatividade e saber, de que empresas que acrescentem valor ao que produzem dependem para poder competir no espaço europeu.
A reduzir o papel social do Estado Pedro Passos Coelho está a fazer um bom serviço. A destruição de todas as almofadas sociais, o aumento das tarifas dos transportes e a redução do Serviço Nacional de Saúde ao mínimo transportará, a prazo, o nosso País aos seus anteriores índices de desenvolvimento social. Quem julga que isso não terá efeitos na economia não percebe porque é que em alguns países, mesmo sem terem matérias primas, se vive melhor do que noutros.
A estrangular a economia Pedro Passos Coelho está a fazer um bom serviço. Temos o IVA mais alto da Europa, com os efeitos que se imaginam para a nossa principal indústria exportadora: o turismo. Com impostos insuportáveis e pacotes de austeridade atrás de pacotes de austeridade, as PME's, que são a espinha dorsal do nosso tecido empresarial, dificilmente aguentarão os próximos anos. Nem exportação, nem mercado interno.
A destruir por muitos anos a capacidade do Estado equilibrar as suas contas públicas Pedro Passos Coelho está a fazer um bom serviço. Vou recordar mais uma vez que o défice não depende apenas da despesa. Também depende da receita. E com a economia em colapso não há receitas fiscais. Quanto mais corta mais terá de cortar. Até não haver mais para vender e não ser possível aumentar mais impostos.
A única coisa que Pedro Passos Coelho não está mesmo a fazer é aquilo que tem justificado todos os disparates referidos anteriormente: mudar a forma como se gere o dinheiro público. Repete, tal e qual, os erros do passado, voltando a pôr em causa o futuro para tapar buracos do presente.
Não me esqueço como Manuela Ferreira Leite, para conseguir receitas extraordinárias, vendeu à PT, a preço de saldo, a rede de cobre que pertencia ao Estado. Não me esqueço como Cavaco Silva tirou à RTP os retransmissores, que hoje seriam uma importante fonte de receita. A estação pública recebeu tão pouco por este património que ao fim de dois anos já tinha pago ao novo proprietário, pelo uso do que antes era seu, o mesmo que este lhe dera como compensação. Não me esqueço como as privatizações de monopólios, sem qualquer salvaguarda do interesse público, fizeram dinheiro entrar no Estado mas acabaram por ser pagas (na EDP, por exemplo) pela economia com tarifas insuportáveis. Não me esqueço das Parcerias Público-Privadas - de que Guterres foi campeão e Cavaco estreante -, que para esconder custos de investimento deram muito dinheiro a ganhar a quem tinha bons contactos no Estado e nos endividaram para todo o sempre. Não me esqueço das maquilhagens das contas públicas, feitas por todos os governos, que nos foram enganando em relação à saúde do nosso Estado.
Cá vem mais um exemplo. Mas este está a acontecer agora. Para receber dinheiro extra e com ele pagar dívidas, o Estado vai ficar com os fundos de pensões dos bancos. Parece uma receita mas não é. É um novo encargo para quem vier depois. Porque os seus benificiários lá estão, à espera de receber a reforma para a qual descontaram. É sustentável? Não sabemos mas podemos desconfiar. Se fosse, porque teriam os bancos pressionado tanto o Estado para ficar com aquela batata quente nas mãos?
Mas a coisa não fica por aqui. O projeto de Decreto-lei que trata deste negócio prevê que as instituições financeiras transformem os custos imediatos com esta transferência em créditos fiscais, abatendo ao lucro tributável esta despesa. Traduzindo por miúdos: a banca, que já é o sector económico que paga menos impostos, vai pagar ainda menos. Muito menos. Durante as duas próximas décadas (leram bem: vinte anos) vai receber o que pagou ao Estado para este ficar com um encargo que era seu.
A história repete-se: para tapar um buraco agora (e fingir que o défice é de 4,5%) o Estado ganha novos encargos futuros e ainda reduz a sua receita para à frente. Quando tantos se perguntam quais são as nossas culpas em relação à situação financeira em que o Estado se encontra, a resposta está exatamente nesta forma de fazer negócios. Governantes que pensam sempre a curto prazo, que deixam para os que vierem depois a resolução dos problemas e que, no meio, dão uma ajudinha a quem tenha poder suficiente para os pressionar.
Este governo é diferente dos anteriores e é igual aos anteriores. É diferente no seu radicalismo liberal. É igual na irresponsabilidade com que trata o que é futuro.
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