J. A. VIEIRA DA SILVA e PEDRO MARQUES, DEPUTADOS DO PS – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião(convidados)
Se não fosse o desgraçado convite à emigração dos professores qualificados, o que teria sobrado de mais relevante da entrevista do primeiro-ministro (PM) neste fim-de-semana seria a declaração infundada de que as pensões daqui a 20 anos serão metade das anteriores à reforma da Segurança Social.
Uma declaração tão pouco rigorosa seria normal em algum comentador político pouco informado. Seria ainda expectável nalgum gestor de fundos de pensões, com interesse económico evidente na matéria. Já é incompreensível, e grave, tanta falta de rigor e verdade num PM.
Senão vejamos o relatório independente, mais recente e rigoroso sobre a reforma dos sistemas de Segurança Social é o Joint Report on Pensions, da Comissão Europeia, de Dezembro de 2010. No que respeita ao valor das pensões, o indicador mais utilizado é a taxa de substituição líquida, que corresponde à relação entre último salário líquido e primeira pensão. No caso português, aquele relatório indica que a evolução será de 90% para cerca de 70% ao longo de 40 anos. Este valor de cerca de 70% é também confirmado pela OCDE, no seu relatório Pensions at a Glance 2011, colocando-nos ligeiramente acima da média da OCDE (69,2%, contra 68,8%).
Trata-se, portanto, de uma redução de menos de metade do valor referido pelo primeiro-ministro, e isto para uma pessoa que se reforme daqui a quase 40 anos, quando o PM dava o seu exemplo pessoal, de alguém que se reformará daqui a apenas 20 anos, caso em que os valores são muito mais favoráveis.
E ignorando também totalmente que os trabalhadores podem anular estes efeitos, prolongando a sua carreira, com um benefício de 1% por cada mês de trabalho depois dos 65 anos (o melhor incentivo no quadro europeu), ou descontando um pouco mais, para sistemas públicos ou privados de poupança individual.
A reforma portuguesa da Segurança Social retirou Portugal do grupo de alto risco nos sistemas de pensões europeus, dando segurança as portugueses quanto às suas pensões e garantindo o seu aumento real sustentável, em função da evolução das carreiras contributivas e dos salários.
No Pacto para o Euro Mais foram mesmo definidas para os Estados membros da União Europeia reformas que adeqúem os sistemas de pensões à situação demográfica, nomeadamente em termos de evolução da esperança de vida, na senda da reforma portuguesa. Países como a Alemanha e a Finlândia, tantas vezes referidos como exemplo, inclusive pelo PM, já têm estes mesmos mecanismos implementados. Como, igualmente, a Espanha e a Itália os estão a preparar.
Para quê, então, este ataque ao maior consenso social das últimas décadas em Portugal, para quê mais insegurança num tempo em que os portugueses já sentem tantas dúvidas sobre o seu futuro? Não é compreensível, a menos que Passos Coelho o tenha feito, para justificar uma agenda privatizadora na Segurança Social, através da velha proposta de libertar os salários mais altos de parte dos seus descontos. Fica-se, portanto, a perceber que a estratégia é entregar parte das pensões dos portugueses aos fundos de pensões, sabendo-se de toda a literatura científica, e até das palavras de responsáveis políticos de direita, que tal não resolve qualquer problema da Segurança Social. Agrava, aliás, e muito, os riscos para as finanças públicas, pois acarreta um aumento de milhares de milhões de euros nos défices e dívida pública, ao longo de décadas, no período de transição, em que se desconta menos, mas o valor das pensões das gerações anteriores ainda não foi reduzido.
Neste tempo em que se pedem tantos sacrifícios aos portugueses, para reduzir défice e dívida pública, é incompreensível que se anuncie agora uma reforma que contrariará o efeito de todos esses sacrifícios, aumentando ainda os riscos nas pensões, jogando uma boa parte dos descontos nas bolsas (já esquecemos todos a crise de 2008?).
Mas o mais inaceitável é que Passos Coelho recorra ao medo e à falsidade para insinuar a sua agenda. Não é digno de um primeiro-ministro.
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