OTÍLIA LEITÃO – A SEMANA (cv), opinião
Entre as abóbadas subterrâneas do metro de Lisboa - Baixa-Chiado - onde se cruzam várias linhas e saem diariamente milhares de pessoas para destinos diferentes - ecoaram violinos e guitarras, nesta quadra festiva, um bálsamo para os dias sombrios com que o governo português nos vem atormentando, diariamente: "2012 será um ano de grandes mudanças e transformações", que "incidirão com profundidade nas nossas estruturas económicas". O objectivo é o de "libertar" o País. Por isso, quando ouvi a música parei para a absorver profundamente e notei que nessa pequena orquestra de jovens estava a Beatriz Delgado, uma menina de 12 anos com ascendência em S. Vicente e S. Antão. Como era bonito, esta espécie de aviso imaginário "se não procuram a cultura, nós vamos até vocês".
Tratava-se de uma pequena orquestra, apoiada pela Fundação Musical amigos da criança (FMAC) com a escola Josefa de Óbidos de que Beatriz é uma das três melhores alunas do 7º ano, num evento patrocinado e pela PT Bluestation, com diferentes artes ao longo de todo o mês de Dezembro. A Beatriz, que desde cedo revela o gosto pela música e pelo canto - há um lastro familiar, pois além de manter um contacto regular com os seus avós paternos que habitualmente falam crioulo, ouvem e cantam música cabo-verdiana, também o seu avô Luís Delgado tocava trompete. Beatriz escolheu a guitarra clássica e já tocou em festas da FMAC e em Igrejas. Ainda este mês integrou o grupo da Fundação que actuou na Embaixada da Colômbia. O seu pai, Luís César e o seu irmão Rafael estavam babados a ouvi-la e a tirar-lhe fotos.
Passadas estas pequenas “anestesias” do quotidiano, acordamos para o que vai ser o novo ano em Portugal, apesar de vermos os centros comerciais cheios e restaurantes compostos. Sabemos que há várias gradações de dificuldades e que elas têm a ver com os níveis de satisfação de bem-estar já atingidos antes da crise: aumentos de rendas de casa, pão e outros alimentos, salários congelados, reformas a partir dos 249 euros congeladas, não vai haver subsídio de Natal neste novo ano. Há aumento das taxas na saúde. Há aumento de transportes públicos. Vai pagar-se mais imposto de IVA. Quem tem casa própria tem o célebre IMI mais caro. Vai trabalhar-se mais horas, pagar-se mais pelo gás que se consome para cozinhar e pela electricidade necessária a todo um conjunto de actividades. Espera-se mais desemprego.
Em contrapartida não se vêem grandes projectos onde as pessoas possam auferir rendimento para pagar tudo isto. Constatam-se factores geradores de infracções públicas e violência na sociedade e antevêem-se crises sociais. Emigrar é prática há muitos anos neste país do Atlântico. Entre 1998 e 2008 registou-se a segunda maior vaga de saídas em 160 anos, logo a seguir ao êxodo dos anos 60. Este ano, 2011, emigraram entre 100 mil a 120 mil portugueses. Em Novembro o número de pessoas que receberam o subsídio de desemprego foi de 307 699.
Será um ano difícil, mais acentuado por ser um país pequeno, desta Europa também em crise, e pelo qual será de temer-se restrições às liberdades, panorama onde só a criatividade poderá dar oxigénio às forças anímicas em desgaste. Naturalmente, que o cidadão comum se agarra a raios de esperança e com frequência se ouve: “um povo que conseguiu o feito ímpar de protagonizar os Descobrimentos e de ultrapassar o Adamastor pode certamente vencer a crise da dívida soberana!”.
As comunidades de imigrantes em Portugal há muito que já estão a sofrer com a estagnação de sectores de empregabilidade como a construção civil, restauração e áreas de pequenos serviços. A comunidade cabo-verdiana, a mais antiga e principal pilar da construção civil, tem vindo a reemigrar. A que fica, está também, fragilizada.
Do aviso do PM há que ficar alerta: “Porque são elas (estruturas) que muitas vezes não permitem aos portugueses realizar todo o seu potencial, que reprimem as suas oportunidades, que protegem núcleos de privilégio injustificado, que preservam injustiças e iniquidades, que não recompensam o esforço, a criatividade, o trabalho e a dedicação. São estruturas que têm de ser mudadas", (...) queremos reformas de baixo para cima”, disse.
Há reformas necessárias é certo, mas isso seria a começar do topo da pirâmide e não da base. Será que uma pessoa que vive com 249 euros pode reformar alguma coisa? Talvez desaparecendo ela própria. Aliás, com estas restrições será de esperar que os idosos morram todos... para libertar o País e os jovens imigrem sabe-se lá para onde... desde que libertem o país... Será pois, 2012, o ano possível...
Otilia.leitao@gmail.com
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