John Feffer/IPS, Washington – Opera Mundi, opinião
Nas últimas duas décadas, os presidentes dos Estados Unidos se mostraram implacáveis com a Coreia do Norte, em um esforço para precipitar uma mudança de regime ou, pelo menos, minar sua resistência diante da constante pressão internacional. Quando esta estratégia não deu os resultados esperados, os sucessivos governos norte-americanos acabaram, ainda que reticentes, negociando com os inflexíveis funcionários norte-coreanos.
O governo de Barack Obama não é exceção neste jogo de entrar como leão e sair como cordeiro. Até agora, pouco fez para continuar as negociações iniciadas por seu antecessor, George W. Bush (2001 a 2009), na última parte de seu segundo mandato. Pelo contrário, após o segundo teste nuclear da Coreia do Norte, Obama adotou a tática da “paciência estratégica”, que equivaleu, essencialmente, a ignorar esse país em favor de outras prioridades da política externa.
Entretanto, nos últimos meses, negociadores de Washington começaram a se reunir com seus colegas de Pyongyang. Segundo a agência de notícias Associated Press, os Estados Unidos estiveram a ponto de anunciar um pacote de ajuda alimentar para a Coreia do Norte, o que teria como resposta da contraparte o anúncio do congelamento de seu programa de enriquecimento de urânio. No entanto, a morte do líder coreano, Kim Jong-il, no dia 17, impediu a concretização desses anúncios.
Seu filho e sucessor, Kim Jong-un, ainda precisa definir sua posição sobre o incipiente acordo com Washington, bem como sobre qualquer outro assunto relacionado. A Coreia do Norte cumpre 13 dias de luto por Jong-il, que foi o segundo líder (o primeiro foi seu pai, Kim Il-sung, de 1912 a 1994) na história do país. Nestes dias, surgiram em Pyongyang boatos quanto a uma possível virada para um governo coletivo, com Kim Jong-un compartilhando o poder com os militares.
Jong-il deixou ao seu filho um legado decididamente ambíguo. Por um lado, no momento de sua morte, o país é mais pobre do que quando ele assumiu o poder, a população está desnutrida e o sistema político é autocrata e antiquado. Por outro, o ex-mandatário fez acordos para manter seu regime relativamente intacto, quando as potências estrangeiras ajudavam a derrubar os regimes de Iraque, Líbia e Sérvia. Jong-il preservou o país, às vezes de modo implacável, durante a fome e o colapso econômico. Em seus 17 anos no poder sofreu duas viradas das políticas norte-americanas, somente para que a mídia internacional – e os líderes dos Estados Unidos – o chamassem de “imprevisível”.
O líder norte-coreano negociou quando esse caminho esteve disponível, congelando seu programa nuclear durante o governo de Bill Clinton (1993-2001), inclusive iniciando seu desmantelamento nos anos posteriores de Bush. Contudo, também desenvolveu um programa secreto de enriquecimento de urânio como segundo caminho para uma bomba. E, ao realizar os testes com armas atômicas em 2006 e 2009, Kim Jong-il colocou seu país no clube nuclear.
Os que observam a situação de fora se esforçam para fazer previsões sobre como será a era pós-Jong-il. Por muito tempo, os analistas de Washington se desesperaram pela falta de um serviço de inteligência sólido sobre a Coreia do Norte, fato que ficou evidente quando a notícia da morte de Jong-il demorou 48 horas para ser divulgada.
Esta falta de informação se estende a Kim Jong-un, sobre quem se sabe pouco mais além de sua idade (menos de 30 anos), seus antecedentes acadêmicos (estudou na Suíça) e alguns de seus interesses pessoais (o basquetebol). Entretanto, sabe-se menos ainda sobre como o novo líder se encaixará na ordem política de Pyongyang. Como seu pai, tem uma relação próxima com as Forças Armadas. Jong-un foi designado general quatro estrelas apesar de não se conhecer nenhum antecedente de serviço militar ou experiência bélica que ele tenha.
Poderá ouvir os conselhos de sua tia e seu tio políticos, inclusive a ponto de se converter em pouco mais que um títere. O sistema norte-coreano, presidido por uma gerontocracia, não está desenhado para adaptar-se a um jovem com ousadas ideias reformistas, embora Kim Jong-un se incline nessa direção. Ao mesmo tempo, uma elite de tecnocratas formados no Ocidente espera há anos a oportunidade de dar novo rumo ao país. Também surgiu uma nova classe média que negocia com a China, utiliza telefone celular disponível há pouco tempo, e também dirige automóveis particulares, além de frequentarem os novos restaurantes de Pyongyang.
Até agora, Jong-un se mantêm em silêncio, sem manifestar se se alinha com a elite de tecnocratas ou com a nova classe média. Quanto ao governo Obama, após deixar de lado sua paciência estratégica para negociar de boa fé com a Coreia do Norte, agora voltou à tática de esperar e ver. O Departamento de Estado disse que os debates sobre ajuda alimentar ainda estão em marcha, mas que é improvável que ocorram avanços antes do Ano Novo. Washington não deveria deixar escapar esta oportunidade de pôr à prova o novo governo norte-coreano.
Por 2012 ser ano eleitoral, é provável que Obama não se arrisque a ser acusado por seus adversários republicanos de “contemporizar com o inimigo” por causa de uma abertura para Pyongyang. Além disso, o governo já investiu certo capital político e assumiu riscos ao enviar a secretária de Estado, Hillary Clinton, à Birmânia. No entanto, a localização estratégica da Coreia do Norte e seu misterioso programa nuclear exigem que Washington preste atenção.
Quando Kim Il-sung faleceu, em 1994, o governo de Bill Clinton continuou as negociações para um acordo que congelasse o programa nuclear norte-coreano. Contudo, a resistência do Congresso fez com que não cumprisse o compromisso diplomático e econômico que havia anunciado. Assim, foi efetivamente perdida uma oportunidade de acabar com a guerra fria com a Coreia do Norte. Agora, o governo de Obama tem uma oportunidade semelhante de usar a morte de Kim Jong-il para abrir um novo capítulo em sua relação com a Coreia do Norte.
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