sábado, 17 de dezembro de 2011

Teoria da conspiração: A SOCIEDADE SECRETA DOS MÉDICOS





Médicos sempre foram intrigantes para mim. Aquelas figuras de branco, cheias de autoridade, sabendo sobre a gente um monte de coisas de que a gente nem desconfia, alternando frases lapidares com longos e simbólicos silêncios…

Claro, a expressão reverente de minha avó e de minha mãe, enquanto o doutor as examinava — ou a um de nós, quando éramos crianças — sempre me pareceu meio exagerada, quase religiosa. E era coisa da cultura da época mesmo. Um pouco como a admiração do analfabeto, diante daquele que lê “de carreirinha”. Mas eu custei a perceber que também tinha por eles um certo temor respeitoso do qual não me dava conta antes, e que aquilo me causava algum incômodo. Aqueles papos entre médicos, que a gente escutava sem querer, quando um pedia a opinião do outro sobre um determinado problema, só serviam pra piorar as coisas. Não basta o jargão, ainda tinham de complicar? “Há indícios de alopecia androgênica”, dizia um. “Não tenha dúvida, vai ter de fazer uma laparo”, sentenciava outro. Ou “não se pode desprezar uma possível glicosúria”, considerava um terceiro. Frases soltas que a gente colhia aqui e ali, e ficava com a impressão de que eles, apesar de salvarem vidas, falavam de fato uma língua morta.

Teoria da Conspiração

Com os anos (e a idade), me esqueci um pouco disso tudo. Achei que, enfim, estava exagerando. Médicos passaram, então, a ser… médicos! Gente que estuda pra consertar gente, e para adiar o máximo possível o descarte de nossas carcaças, mas que são humanos, limitados em seus poderes, como todo mundo. Aquela visão incômoda deles como personagens até misteriosos, quase sobre-humanos, que viam através da gente, acabou se esvaindo pelo caminho, até não restar mais nada daquilo.

Bem, em termos. Recentemente fiquei a par de uma teoria da conspiração que renovou meus temores a respeito dos homens e mulheres de branco. Alguém me segredou ao ouvido que eles, claro, não são seres sobrenaturais, mas integram uma temível sociedade secreta internacional, encarregada não apenas de curar, ou salvar vidas, mas também, dentre outras coisas, de castigar-nos por nossas faltas e nosso pouco caso com a saúde. Essa sociedade, segundo a teoria, seria um emaranhado de células secretas, misteriosas câmaras subterrâneas e corredores sombrios e clandestinos, que, na superfície, manifestam assépticas clínicas, consultórios, hospitais (às vezes não tão assépticos assim), laboratórios e até setores significativos da indústria farmacêutica. Tudo fachada…

A princípio achei exagero. Mas meu interlocutor tinha excelentes argumentos. “Já reparou como os exames que os médicos nos solicitam são quase sempre uma fonte de sofrimento”? Não pude deixar de levar em consideração aquelas palavras. Isso é castigo mesmo… Quando me lembro dos exames preventivos das mulheres, por exemplo, afasto rapidamente aquelas imagens da minha imaginação, temendo pesadelos à noite. Sempre que elas me narram como se lhes apertam, amassam os seios, eu peço pra mudarem de assunto. E nós, homens de mais de cinqüenta, que temos de fazer o nosso preventivo anualmente? Antes, havia apenas a constrangedora prática dos médicos, entrando com o dedo onde não são chamados, para examinar a próstata pelo método Braille…Tá, tá certo, não demora tanto tempo assim, é coisa rápida, sem dúvida. Mas já poderia ter sido abolido, com as novas tecnologias, os exames químicos e tudo mais que está agora à disposição dos urologistas. Hoje em dia, eles podem fazer uma leitura quase perfeita de nossa situação hormonal, por exemplo — por exames clínico-químicos. Ou mesmo dar uma sacada no jeitinho da próstata, que a ultrassonografia revela claramente e sem maiores problemas. Pra que o dedo, gente? Não adianta, a prática Braille continua. “É ainda muito confiável”, asseguram maleficamente os doutores…

E olha que nem precisava mais do dedo, para castigar o infeliz. A tecnologia atualmente em uso pelo urologista já traz um duplo avanço: tanto mostra claramente a próstata, quanto castiga exemplarmente o paciente. Ficar uma hora sem urinar, depois de haver ingerido cinco ou seis copos com água, um imediatamente seguido do outro, sem intervalos, tanto facilita a observação da próstata (pela dilatação da bexiga, sei lá!), quanto traz indizível sofrimento e exemplar castigo para o paciente, algumas vezes causando conseqüências surreais, que não ficaria bem examinar aqui.

A tecnologia aperfeiçoa tudo…

A coisa da ressonância, então… Já viu o que é você entrar naquela máquina, com o ferreiro do inferno martelando aquela lataria, e ainda sem poder se mexer? Se rolar uma coceirinha, corre o risco de ser advertido. Se não for chegado a dormir fechado num caixão, como Drácula, aí então a coisa piora ainda mais. Tem gente que nunca entra numa engenhoca daquelas. E há exames ainda mais cascudos, como aquele em que o proctologista (por que alguém escolhe uma especialização dessas, meus deuses?) examina o você-sabe-o-que enfiando literalmente uma câmera, sei lá se fazendo algum documentário tipo Nat Geo explorando os submundos do Umbral, ou algo assim.

E há ainda muitos outros exemplos. Alguns deles na medicação que os homens e mulheres de branco receitam. Não sei se a indústria farmacêutica tem a sua própria sociedade secreta, ou se é um ramo avançado da misteriosa sociedade dos doutores. “Não leia a bula!”, advertem alguns deles. Aí você espera chegar em casa e, pá!, vai ler a bula. Imprudente paciente! Os eventuais efeitos paralelos desses remédios maravilhosos variam desde prosaicas diarréias, até convulsões, cegueiras temporárias e perda de memória e de cabelo. Perda de dinheiro não, que a maioria deles já traz isso embutido no preço pra gente, e nem precisa constar na bula.

O braço acadêmico da misteriosa sociedade

Meu interlocutor — que prefere manter-se no anonimato, pelo menos até o seu próximo check-up anual — me revelou algo ainda mais espantoso. Um aspecto do ensino em medicina que, ao que tudo indica, é a cereja no bolo da rotina prática médica. Na fase final dos estudos, no último semestre da faculdade de Medicina, eles freqüentam aulas de uma cadeira que é obrigatória e absolutamente secreta: Anticaligrafia. As aulas constituem-se, praticamente, em exercícios para piorar a letra de quem quer que tenha cometido a imprudência de tentar a carreira de médico, tendo letra legível. Eles aprendem a ter letra de médico, aquela mesma com que escrevem as receitas e pedidos de exame, que precisamos fazer decifrar na farmácia ou no laboratório, onde há especialistas nesse tipo de criptografia.

Há tempos, meu cardiologista revoltou-se contra esse estado de coisas e, num gesto comovente de solidariedade para com seus pacientes, passou a fazer tudo pelo computador. Até mesmo as receitas. Tinha, inclusive, um programa especial pra isso… Mas a sociedade secreta é onipresente. Tudo sabe, tudo vê. De repente, de uma hora pra outra, ele voltou à antiga prática da letra ininteligível. Quando perguntávamos o porquê daquilo, sempre desconversava. Diz o meu interlocutor que o pobre médico sofreu pesadas ameaças da Sociedade, que iam desde promessas de duas horas sem urinar, depois de doze copos d’água, a três horas ininterruptas dentro da máquina de ressonância magnética, sob a égide do ferreiro do inferno…

Entendi que estava sendo ridículo

Mas… quer saber? Aos poucos percebi o tanto de bobagem que eu vinha falando, com essa história de sociedade secreta, teoria da conspiração e tudo mais. Pra falar a verdade, eu nunca acreditei muito nisso. Foi má influência de Julio, meu irmão mais velho. É ele o meu misterioso “interlocutor”, e foi ele que inventou essas bobagens, só de onda, pra provocar minhas neuroses e pirar a minha cabeça. Brincadeira de mau gosto em cima da minha paranóia.

Saquei isso há pouco tempo, quando conversei com uma querida amiga, ela mesma médica, a respeito dessa temível teoria da conspiração, tecida em torno dos médicos. Foi bom, porque ela me tranqüilizou, e seu bom humor me fez ver o quanto eu estava paranóico. Cheguei a me achar ridículo. Ela riu muito e fez piada com aquilo, dizendo que até que não seria má idéia, que eles, médicos, precisavam mesmo domar a gente, porque nós éramos muito irresponsáveis com a saúde, etc.

Mas quando eu entrei no detalhe da cadeira de Anticaligrafia, ela ficou séria de repente. Simulou um abraço, abriu um sorriso amarelo e forçado, e segredou ao meu ouvido:

— Por favor, mude de assunto. Nós não estamos autorizados a falar sobre isto…

*Marco Antonio Coutinho é escritor, mora no Rio de Janeiro e anima o blog “E por falar nisto…” (http://eporfalarnisto.blogspot.com). Suas crônicas são publicadas aqui com autorização expressa do autor.

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