terça-feira, 13 de dezembro de 2011

UMA CIMEIRA DITA DECISIVA, QUE O NÃO FOI





1 Regresso ao contacto com os leitores do Diário de Notícias depois de um interregno de quase quatro meses, em que estive obrigado, a par dos meus afazeres quotidianos, a acabar o meu último livro, segundo promessa feita à editora.

Mas os meus artigos, apesar da gravidade da situação que vivemos, em Portugal e na União Europeia, vão passar a ser mais concisos e sintéticos do que no passado, por julgar ser melhor para os meus eventuais leitores e menos trabalhosos para mim.

2 O final da semana passada, com a cimeira dita decisiva, que decorreu em Bruxelas, no dia 9, foi, creio, para a esmagadora maioria dos europeus que a seguiram, uma grande decepção. Porquê? Porque a crise do euro está longe de ser vencida - veremos como vão evoluir os mercados especulativos e as tão temidas e inaceitáveis agências de rating - e a desagregação da União, não ficou, inteiramente, fora de questão, apesar do afastamento do Reino Unido e a posição de isolamento do seu primeiro-ministro, David Cameron. Este, com a atitude que tomou, criou um grande alívio para os europeístas e uma situação mais ou menos difícil para os Estados-membros, até agora seus aliados: a Suécia, a Polónia, a República Checa, a Dinamarca, a Hungria, a Bulgária, a Letónia, a Lituânia e a Roménia. Sem esquecer a City...

A vencedora da cimeira parece ter sido, uma vez mais, a chanceler Merkel, com a teimosia e falta de visão que a caracterizam. Isto é: levou a sua avante, apesar das posições críticas crescentes que tem no interior do seu país e fora dele. Vide o congresso do SPD, onde esteve, a acertar posições, o líder do PS francês, François Hollande, o comportamento político dos Verdes, e de alguns democratas cristãos a sério, como Helmut Kohl. Nicolas Sarkozy, que se tornou uma espécie de ajudante da chanceler, perdeu em toda a linha, o que seguramente vai prejudicar a sua campanha eleitoral.

Resultado: ao Banco Central Europeu não foram conferidos os poderes que deveriam ter sido - o de emitir moeda, por exemplo -, como a Reserva Federal americana, a City ou até o Japão; à Comissão Europeia e ao Presidente da União, praticamente ninguém os ouviu; e o Parlamento Europeu, que, no plano institucional, representa o "Povo Europeu", e que podia e devia ter uma voz - e uma presença - nestas cimeiras, continua ignorado. E é pena, porque lhe cumpriria defender o projecto europeu.

Tudo isto, por falta de coragem e capacidade dos protagonistas das diferentes instituições referidas, os quais, instalados no conforto dos seus rendosos lugares, são incapazes de arriscar qualquer opinião, a não ser de rotina. É uma tristeza! Assim, a cimeira do dia 9 foi, como todas as outras, um flop: muitas promessas, que se sabe não poderão ser cumpridas, e muito poucos passos para defender o euro e impedir a desagregação, a prazo, da União. Continuamos, assim, à beira do abismo, sem fazer nada de seguro para o evitar, como avisaram, entre tantos outros, Delors, Kohl, Schmidt... Será que a chanceler Merkel terá um plano próprio, que os outros Estados ignoram?

A única e grande novidade foi a saída do Reino Unido, dado que não foram satisfeitas - e ainda bem - as exigências de David Cameron, e também o facto de ter ficado isolado dos seus antigos aliados do grupo europeu, que até agora nunca tinham aceitado o euro. A Inglaterra deixou, assim, de ter "um pé na América e outro na Europa" - o que clarifica sem dúvida a sua posição -, mas cria problemas sérios à City e, finalmente, deixa de empurrar o projecto europeu para uma EFTA, em ponto grande, como sempre tentou fazer no passado.

Contudo, não se vê como a União Europeia e o euro vão sair do imbróglio em que os seus dirigentes se meteram e nos meteram a todos nós europeístas. Há valores fundamentais, como a solidariedade e a igualdade de todos os Estados, que estão a desaparecer paulatinamente. A justiça social - uma das grandes conquistas do pós-guerra -, a pouco e pouco, está a ser eliminada. E aos próprios direitos humanos acontece o mesmo. Os mercados especulativos continuam a corroer tudo - e a própria democracia -, como tem vindo a avisar o grande filósofo Jürgen Habermas.

Está a tornar-se cada vez mais óbvio que sem uma ruptura a sério, o abandono do neo-liberalismo e a regulação ética da globalização, a União Europeia e o euro vão entrar, inexoravelmente, numa profunda decadência, que nos atinge a todos, europeus, e, indirectamente,o equilíbrio mundial.

Em meados de Janeiro, a Itália vai necessitar de um grande auxílio de muitos milhões de euros para poder pagar os juros da dívida. O Banco Central Europeu não está em condições de lhe valer. Quem o vai fazer? Com a falta de medidas responsáveis, a austeridade, por si só, não chega e, pelo contrário, estimula a recessão. Assim, a União Europeia não será capaz de salvar o euro. A menos que mude de paradigma.

A senhora Merkel, com as suas receitas, parece apenas querer ganhar tempo. Para ela, que tudo indica vai sair de cena, talvez seja útil. Mas para a Europa é uma catástrofe, ficando na história como a principal responsável dos nossos males. Com que objectivo?

3 O Outono russo está a parecer-se com a Primavera Islâmica, que tem vindo a modificar a situação no Próximo Oriente e no Magrebe. Como assim? Porque os russos vieram para a rua, pacificamente, a reclamar liberdade, democracia e trabalho digno. E isso conta e impressiona, num povo de grande cultura e diferentes tradições.

Agora aconteceu na grande Rússia depois de umas eleições muito polémicas e cuja imparcialidade foi negada. Os russos, de todos os partidos, apesar do frio, desceram às ruas das grandes cidades, até da Sibéria, a reclamar eleições livres e sérias e liberdade e democracia. Quem tal diria, depois de tantas décadas de ditadura comunista?

A nova comunicação social - dada a revolução informática que está em curso - vai mudando o mundo e as mentalidades em todos os continentes. As pessoas pensam pelas suas próprias cabeças, acreditam nos direitos humanos e vêm para a rua manifestar-se, sem medo. Parece que a hora dos tiranos passou. Oxalá assim seja.

4 O Centro Nacional de Cultura e a Fundação Gulbenkian promoveram, na passada semana, uma muito merecida homenagem ao ilustre agrónomo, ambientalista e arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles. Tive a honra de participar nessa sessão memorável, em que estavam presentes muitos dos seus admiradores e amigos, e são imensos, de diferentes quadrantes políticos e ideológicos, e, sobretudo, muitos ambientalistas.

Gonçalo Ribeiro Telles é uma personagem singular: uma figura profundamente respeitada pelo que fez, ao longo da vida, tendo sido o primeiro a chamar a atenção para a importância do ambiente, do ordenamento do território e do incremento da agricultura quando, em tempo de vacas gordas, se dizia que "a agricultura era para esquecer". É, igualmente, um cidadão exemplar, um homem livre, cheio de bom senso e espírito patriótico, que, sendo monárquico, foi sempre um democrata e um lutador contra a ditadura. Foi, aliás, nessas lides - no tempo ainda de Salazar - que o conheci e nos tornámos amigos. E assim continuámos pela vida fora, tendo participado ambos no I Governo provisório, após o 25 de Abril.

Os organizadores da homenagem promoveram a edição de um livro, que é uma fotobiografia lindíssima, muito variada, de Gonçalo Ribeiro Telles. Um livro que merece, por todas as razões, ser lido e meditado.

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