ANTÓNIO ALTE PINHO – O LIBERAL, opinião
De passagem breve por Lisboa, aproveito para contactar com amigos - alguns deles cabo-verdianos - e, nesta semana que se inicia, tenciono, inclusive, visitar uma associação de imigrantes do arquipélago [a Unidos de Cabo Verde] com a qual colaborei durante alguns anos e onde deixei amigos que ficaram para a vida, pessoas que escolheram Portugal para viver, muitas delas participantes activas nesta sociedade, dos sindicatos às autarquias, do associativismo aos partidos políticos. Gente que conheci numa altura em que a extrema-direita procurava levantar a cabeça e, com o discurso alarve de sempre, berrava histérica: “vão para a vossa terra”.
Como percebo o que estes meus amigos sentiram então. É que, não raras vezes, durante a minha estada em Cabo Verde, venho sentindo o mesmo discurso… E, aqui, permito-me transcrever o comentário de um leitor à minha crónica da semana passada, naturalmente – como acontece com bazofeiros e cobardes -, refugiando-se no anonimato: “Pelo nome, deduzo não ser o gajo caboverdiano. Sendo assim, não tem, outras ladeiras e outros políticos seus em quem malhar? Acho que na sua terra tem tanta conspurcaçaõ e tantos conscurpados que se ativesse a esses nem sequer daria conta das coecas do Orlando Dias. Antes de focinhar na vida de Zé Maria procure e descubra o seu rabo e os dos seus”. Assinada por um tal “Berdiano”, que além de imbecil tem fraco domínio da língua, a baboseira, com insinuações sobre “rabos”, para além de revelar preconceito e uma vida mal resolvida, faz transparecer a ignorância de quem não entende que Cabo Verde sobrevive fundamentalmente à conta da ajuda estrangeira – ou seja, dos tais que devem estar quietinhos “noutras ladeiras” – e das remessas dos emigrantes cabo-verdianos que, legitimamente, escolheram outros países para viver, não raras vezes sujeitos aos “Berdianos” lá do sítio que bolçam “vão para a vossa terra”.
Mas, perguntarão os leitores: “para quê publicar comentários desta natureza?” Precisamente porque a sua exposição pública permite-nos perceber que o preconceito, a imbecilidade e o ódio étnico não são exclusivos apenas de uma nacionalidade, uma cor de pele, ou um quadrante político. E porque, torná-los públicos permite, de igual modo, tocar a reunir aqueles que defendem – como eu – que este mundo é de nós todos e que a nossa terra é onde nos sentimos bem. E eu sinto-me bem em Cabo Verde. E por me sentir bem e amar o País é que assumo com toda a legitimidade que na minha terra não sou cidadão a meio tempo, nem permito que qualquer imbecil pretenda inibir o meu direito a opinar e a minha obrigação de participar. Estamos entendidos?!
O caminho da democracia é uma estrada larga e longa, ela não se estabelece por decreto ou disposição constitucional, é uma caminhada permanente, uma luta incessante pela afirmação de princípios e valores que não se inculcam por transplante. Por isso é que o ataque insano ao pensamento divergente adquire em Cabo Verde contornos preocupantes que trazem, por arrasto, a compra de consciências, a submissão e reverência aos poderes, o sectarismo político e a diarreia verbal que se conhece e se traduz na – cada vez mais falsa – divisão da sociedade em tambarinas e ventoinhas. Como se cada homem não pudesse ser ele próprio, legitimamente portador de pensamento individual, protagonista do seu próprio destino. Como se os cabo-verdianos fossem propriedade privada de partidos e de caudilhos.
Se há coisa que a história recente do país nos ensina é que o tempo dos caciques, dos líderes incontestados, do “cem mil vezes Zé Maria “ e outras tretas insanas está a chegar ao fim. E que, cada vez mais, os cidadãos querem pensar pelas suas cabeças e agir segundo as suas consciências. Quem, na política, não perceber isto, está tramado e não tem futuro. O mundo já não é o que era… desalmada, a liberdade está a passar por aqui.
ANTÓNIO ALTE PINHO - jornalista - privado.apinho@gmail.com
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