quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

APONTAMENTOS DO LUBANGO “SÉCULO XXI” – III



Martinho Júnior, Luanda

A volta que tem de se dar em relação à presente situação não pode ser determinante apenas na cidade do Lubango, ela identifica-se com toda a Província, com todo o país e irá necessariamente demorar.

Há também os aspectos antropológicos que se têm de levar na devida conta, a perda de referências antigas, a chegada de novas referências, da forma mais caótica e que conduzem a riscos sociais acrescidos, com abertura aos oportunismos de última hora.

O estado está efectivamente empenhado em lançar “programas estruturantes”: há a construção de estradas, a construção ou recuperação de aeroportos e a recuperação dos caminhos de ferro.

Em muitos troços os caminhos de ferro vão circulando e nas estradas verifica-se que os angolanos não param de viajar, muitos deles meio extasiados com as paisagens que pela primeira vez admiram.

No Lubango a nova aerogare é atraente e futurista, feita em estrutura leve, com muitas fachadas em vidro abrindo o espaço de comunicação com o exterior, para a pista e para os acessos circundantes.

No Lubango começou-se um “programa de urbanização e ordenamento” da cidade.

Conforme o Jornal de Angola (“Cidade do Lubango com nova avenida” - http://jornaldeangola.sapo.ao/14/16/cidade_do_lubango_com_nova_avenida) há a preocupação de enfrentar o caos que está na base da imagem de degradação que entrou cidade dentro e praticamente se instalou até aos espaços mais nobres.

A adjudicação da nova obra foi entregue à construtora brasileira Andrade Gutierrez-ZagopeAndrade Gutierrez-Zagope, mas oxalá que o produto acabado não fique como um troço de estrada que há na direcção de Quilengues, obra dessa empresa, uma estrada “descartável”, cada vez com mais falhas de alcatrão e cheia de buracos.

A Andrade Gutierrez-Zagope tem um estaleiro de boas dimensões nessa estrada, está a trabalhar nela, mas os tapetes asfálticos que coloca foram, ou estão a ser, alvo de inspecção por parte da entidade pagadora, o estado?

Se o estado vai dando razoável conta do cimento e do alcatrão, inclusive já no enorme planalto de Angola, se as pessoas estão agora a viajar por uma parte do país, aquele onde as estradas e os caminhos de ferro estão a ser recuperados, reconstruídos, há todavia um deficit enorme em relação ao homem.

Isso é fruto da lógica que se implantou a partir de 1985: na paz não foi dada a oportunidade ao socialismo, que serviu e muito bem para fazer a luta contra colonialismo, “apartheid” e algumas de suas sequelas, mas que agora se esvai num “socialismo democrático” que deu demasiado espaço ao capitalismo selvagem neo liberal e cujas cores se assemelham aos hotéis da Seguradora AAA!...

Isso está a ser pernicioso para as políticas de relacionamento do campo com as cidades, causando assimetrias, desajustamentos e desigualdades profundas.

É fácil às “novas elites” assumirem-se como ocupadores de terreno sem serem latifundiários: algumas delas estão mesmo identificadas com o poder; a promiscuidade “público-privada” pode fazer o resto.

A ocupação de terras por parte da burguesia não está a significar em muitos dos casos a projecção de actividades correspondentes: conforme alguns exemplos observados invadiram por vezes espaços nobres, bem irrigados e com terra de excelente qualidade, para fazer uma “casa de campo”, (exemplos observáveis no perímetro da Humpata, um dos mais ricos para a agricultura do país).

Mesmo que essa burguesia cumpra, em função dos acessos a crédito e aos projectos que forem surgindo, com a sua parte (será muito difícil por que ela não possui cultura adequada, tem outras motivações e os projectos tornam-se demasiadas vezes em “elefantes brancos”), ela domina em relação às extensões mais ricas e reduz as possibilidades das massas camponesas que ainda existem, por vezes despojadas de suas terras, ou atiradas para terrenos mais pobres, sem acesso a créditos e sem estímulos que garantam a sua fixação às áreas rurais, elas mesmo a carecerem até de programas estruturantes.

Em Angola começa-se a falar na luta contra a pobreza, mas haverá algum programa, alguma vez, capaz de lutar contra os “imperadores de terras” quando eles demonstram tanta inaptidão?

Acho que simultaneamente à luta contra a pobreza necessário se torna lutar contra um padrão de riqueza eivada de corrupção.

Aperceber-se-ão que o subdesenvolvimento em que nos encontramos nutre-se do abismo contraditório entre as classes (que são também abismo no que diz respeito às “oportunidades”), das desigualdades, das assimetrias e das injustiças sociais?

É claro que ao manter-se a lógica capitalista selvagem neo liberal, o “modelo” de globalização que entrou porta dentro depois de 1985, instalou abismos humanos maiores que o da Tundavala: no patamar de cima, observando sobranceiramente a paisagem vai-se instalando uma burguesia oportunista e no fundo está a esmagadora maioria, que nem que possua muita força de vontade e conhecimentos de alpinismo poderá escalar a montanha.

Não poderá ser isso o início dum inveterado processo neo colonialista?

Esse abismo, apesar dos esforços resolutos dos “bons Governadores” vocacionados para os projectos estruturantes, tende a prevalecer e não foi para isso que o movimento de libertação abriu seu longo processo de luta em benefício de todo o povo angolano!

As vitórias contra o colonialismo, o “apartheid” e algumas das suas sequelas, não podem derivar para a vitória do neo colonialismo e portanto há que lutar contra o subdesenvolvimento, tendo o homem, todo o povo angolano, como prioridade e motivação centralizadora de todas as nossas atenções!

Só dessa maneira se poderá gerar socialismo que é também uma prova de renascimento e a maior prova de identidade!

O homem angolano deve buscar na trajectória do movimento de libertação toda a inspiração e energia para melhor prosseguir os desafios que advêm do passado, que impõem sucessivos resgates históricos, muitos ainda por realizar!

Foto: Tundavala com vista sobre a Leba.

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