Liberal (cv)
As trapalhadas de um ministro em Ribeira da Barca
O ministro das Infra-estruturas vai ter de explicar aos cabo-verdianos com que legitimidade se apossou de dinheiro de uma instituição à qual não está ligado por qualquer tutela ou vínculo estatutário. E José Maria Neves vai ter de dizer ao país se sabia da tramóia e/ou se demite um ministro com grande lastro de suspeições sobre ilegalidades e corrupção
Praia, 31 de Janeiro de 2012 – O caso era falado, entre murmúrios, há algum tempo. Mas no primeiro dia da sessão parlamentar da semana passada, Fernando Elísio Freire, líder parlamentar do MpD, aproveitou a presença do ministro no plenário da Assembleia Nacional para lançar publicamente a acusação. José Maria Veiga reagiu indignado e exigiu provas…
Serenados os ânimos, confiante o ministro por não ver surgir no parlamento qualquer vislumbre de indício, agitado qualquer elemento probatório, o caso ficou por ali, sem nenhum reporte de imprensa, sem qualquer alusão televisiva… Serenados os ânimos, confiante o ministro, parecia estar o caso encerrado e seguindo a vida pública a rotineira ordem natural das coisas.
Há, porém, um problema: as trapaças por muito que sejam escondidas, por muita gente que se cale, por muita consciência alugada pelo peso das perbendas, acaba sempre um dia por vir ao de cima. E, lá na tona, transporta quase sempre o rasto de uma prova que fica, de um documento que não se abafa, de uma indignação que se não contém, porque, felizmente, nem todos têm o preço de um aluguer…
Liberal teve acesso a um documento que compromete seriamente a honorabilidade do ministro José Maria Veiga, envolvendo-o numa trafulhice cujo objecto poderá estar – como acreditamos – relacionado com a compra de votos ocorrida na primeira volta das eleições presidenciais, que na altura levou a candidatura de Aristides Lima a insurgir-se, tendo inclusive o nosso jornal publicado elementos probatórios da participação da mulher do ministro, Ernestina Veiga, na prática de crimes eleitorais no concelho de Santa Catarina de Santiago e utilizando como capa a acção beneficente de uma associação comunitária.
Desta feita, Liberal teve acesso à acta da Assembleia Geral Extraordinária da Associação de Pescadores e Peixeiras de Ribeira da Barca, onde as actividades ilegítimas do ministro foram denunciadas no conclave, obrigando o presidente da direcção, José Rui Gonçalves Oliveira, a desabafar para as 42 pessoas presentes ter sido “manipulado pelo sr. José Maria Veiga”…
O caso resume-se em, poucas palavras. Para espanto do vice-presidente da direcção, Antero da Veiga Rocha, habituado que estava à escassez de fundos, deparou-se com transferência do Tesouro no valor 7.000.000$00 (sete milhões de escudos) depositada na conta da associação a 4 de Agosto de 2011, precisamente três dias antes da ida às urnas nas eleições presidenciais – decorrente de uma clara violação do Código Eleitoral, como na altura foi denunciado por apoiantes de Aristides Lima.
Depois da entrada dessa importância, o saldo após movimento cifrava-se na quantia de 7.515.540$00 (sete milhões quinhentos e quinze mil e 540 escudos). Mas no próprio dia foi logo emitido um cheque de 150 mil escudos; no dia seguinte, 5 de Agosto, foi registada nova saída, desta feita no valor de um milhão de escudos. Ou seja, entre 4 e 5 de Agosto, dois dias antes das eleições, saiu da conta da associação a quantia de 1.150.000$00 (um milhão cento e cinquenta mil escudos).
Presidente esquiva-se por três vezes
Estranhando os movimentos de conta, por ter entretanto tido acesso ao extracto, Antero Rocha resolveu confrontar José Rui Oliveira que, por três vezes se esquivou a esclarecer o assunto. Somente na referida assembleia, pressionado pelo vice-presidente e pelos sócios, é que o presidente da Associação de Pescadores e Peixeiras de Ribeira da Barca resolveu destapar o véu do mistério…
Numa parte da acta da assembleia – a que, como já referimos anteriormente, tivemos acesso -, pode ler-se ipsis verbis: “Ele referiu de novo que ele foi manipulado pelo sr. José Maria Veiga e ele pegou uma parte do dinheiro, devolveu para José Maria Veiga para pagar as dívidas que tinha na outra comunidade, num valor de 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos de Cabo Verde)”. Naturalmente, os sócios decidiram “recorrer à justiça”, conforme ficou lavrado no registo da reunião magna.
A confissão de José Rui Oliveira – um indefectível militante do PAICV, a que noutra altura voltaremos – não deixa de ser preocupante e indiciadora do elevado grau de promiscuidade entre membros do Governo e as associações comunitárias, roçando mesmo, como no caso em apreço, a absoluta ilegalidade, porquanto não tendo José Maria Veiga nenhuma tutela sobre a Associação de Pescadores e Peixeiras de Ribeira da Barca, não sendo membro da sua direcção e, ao que se sabe, nem estando registado como sócio, que legitimidade legal terá para subtrair dinheiro dos associados, manipulando o presidente da instituição e utilizando fundos para “pagar dividas que tinha na outra comunidade”? E, já agora, qual outra comunidade e qual a natureza dos débitos?
Públicas virtudes...
José Maria Veiga – que, para além de ministro do Governo de José Maria Neves, é o candidato do PAICV à presidência da Câmara Municipal de Santa Catarina de Santiago, e pelo Primeiro-ministro levado pela trela em inaugurações no concelho -, que anunciou em 21 de Janeiro último, na sua página do Facebook, ter entregado a “Declaração de Interesses, Património e Rendimentos (DIPR)”, escrevendo expressamente que “O que importa não é morrer, é ter a consciência clara de que realmente a gente está a cumprir, com toda a lealdade, a missão que escolheu de servir”, vai ter agora de dizer aos cabo-verdianos – de preferência não pelo Facebook - o porquê e o destino do dinheiro subtraído aos sócios da Associação de Pescadores e Peixeiras de Ribeira da Barca. E o Primeiro-ministro explicar ao país se conhecia a história e/ou se vai demitir o seu ministro das Infra-estruturas e Economia Marinha.
José Maria Veiga, é um velho conhecido dos cabo-verdianos pelas piores razões. A sua passagem pela Câmara Municipal da Praia e a sua demissão por Felisberto Vieira, num manto de suspeições de ilegalidades e corrupção, bem como a sua trajectória – e de sua mulher, Ernestina – pelos caminhos nebulosos da fraude eleitoral serão matéria para à personagem voltar, já amanhã, aqui no Liberal.
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