segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Cabo Verde: O CIRCO JURÍDICO



António Alte Pinho – Liberal, colunistas

A semana que findou ficou marcada pelo início do julgamento de Isaura Gomes, no Mindelo. E este acontecimento jurídico que, por princípio, deveria estar confinado às paredes da sala de audiências, galgou o tribunal e envolveu a sociedade em acesa polémica e acusações cruzadas. Foi até, por incrível que pareça, o tema mais comentado nos online e, de uma forma geral, na internet crioula.

Como não podia deixar de ser, a partidarização tomou conta do acontecimento. E, desde logo, teve palco na própria sala de audiências. As circunstâncias de detenção de Zau são, para o observador à distância que sou, algo suspeitas. Ou seja, apesar do atestado médico que indicava enfermidade da arguida, o juiz, por sugestão da acusação, mandou a polícia a casa da ex-autarca, destapando – como seria previsível – um coro de indignados protestos.

Ao que parece, a decisão do juiz decorreu da credibilidade dada ao argumento da acusação de que a enfermidade da arguida seria suspeita, porquanto – e foi isto que li na imprensa – ela teria participado em “actividades políticas”… Pelos vistos, o magistrado acreditou – mesmo sem o confirmar numa base factual, ao que suponho -, decidiu como se sabe e provocou o terramoto de acusações que se seguiu.

Só vejo três possibilidades para a bizarra decisão: 1. O juiz é tonto; 2. O juiz é inexperiente e “emprenha pelos ouvidos"; 3. O juiz fez um frete – vá-se lá saber qual seja. E, como é bom de se ver, qualquer uma das três possibilidades é preocupante na medida em que dá do juiz e da magistratura uma imagem inqualificável. Mais, ao decidir como decidiu, o magistrado quis dizer – mesmo sem o ter dito – que o atestado era fraudulento. Ou seja, na decisão está implícito que o médico de Isaura Gomes terá praticado um crime. E, perante isto, o juiz não manda ditar para a acta da audiência a correspondente certidão para o Ministério Público formular eventual acusação contra o clínico?

Por outro lado, independentemente do dever de defender o interesse dos seus clientes até à exaustão, não se percebe a actuação do advogado Amadeu Oliveira que, com a tenda de especulação montada em torno do processo, decide ainda levar à cena o espectáculo de circo que foi a conferência de imprensa. Fará sentido que um processo cujos trâmites decorrem em juízo seja transformado em espectáculo circense, ainda para mais pela mão de uma das partes?

Mais, ainda, fará sentido que o Bastonário da Ordem dos Advogados venha verter palpites sobre um processo que não está encerrado, emitindo opiniões jurídicas – independentemente da sua razoabilidade – sem que ninguém lhas tenha pedido? E, não contente com isso, tenha vindo a público acusar Oliveira de estar a exercer ilegalmente a profissão de advogado, declarando ir a OA accioná-lo criminalmente, mais ao juiz e ao procurador que teriam sido cúmplices do crime? Mesmo sem que a Ordem dos Advogados tenha comunicado ao tribunal a situação ilegal do advogado? Mesmo sem o bastonário ter adoptado o mesmo procedimento com outros causídicos suspensos por não pagamento de quotas?

Ao Bastonário da Ordem dos Advogados – não ao cidadão Arnaldo Silva, que esse pode vir a público dizer os disparates que quiser – está reservado o dever de agir em conformidade com a dignidade que o cargo deveria merecer e não funcionar como incendiário de processos em juízo ou produtor de pareceres jurídicos que ninguém lhe pediu. Mas, infelizmente, o cavalheiro que ocupa o cargo é um bocado dado ao disparate. Ainda recentemente veio a público defender que a “esposa do Presidente da República” – como se isso fosse algum estatuto de natureza pública, como tal, pago e regulamentado legalmente – não poderia exercer a advocacia por delirantes razões de “incompatibilidade”… O mesmo bastonário que está sempre mudo e quedo no que respeita aos atropelos aos direitos e garantias dos cidadãos, à violação dos direitos humanos e que não tuge nem muge quando se trata de levantar a voz – como lhe competia, porque é essa a postura de um bastonário em qualquer país democrático – contra vários casos conhecidos de práticas ilegítimas dos poderes públicos.

O processo que corre trâmites no Mindelo, independentemente das razões, ou não, que assistem aos litigantes, deve decorrer com a serenidade que as circunstâncias exigem. Ora, por razão dos fenómenos marginais a esse acto jurídico – e para que o processo não adquira as características definitivas de uma farsa -, o bom senso aconselharia que o caso fosse entregue a outros magistrados, garantindo às partes as condições objectivas para que o julgamento possa ser justo e livre de interferências políticas.

*ANTÓNIO ALTE PINHO - jornalista - privado.apinho@gmail.com

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