segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Cabo Verde: QUE FUTURO O NOSSO COM O EURO? - opinião




Óscar Santos – Expresso das Ilhas (cv), opinião

À saída da conferência sobre "O Futuro da Zona Euro: Implicações Estratégicas para a África Ocidental" e para Cabo Verde realizado no dia 2 de Dezembro passado", o Sr. Primeiro Ministro afirmou que "- Um eventual desaparecimento do Euro seria uma bomba atómica para a economia". Concluiu, a seu jeito e de forma categórica que, caso tal profecia se concreti­zasse, desestruturaria toda a economia mundial..." . Perante este panorama inegavelmente catastrófica para a economia cabo-verdiana, avançou que " estamos a analisar todos os cenários e a construir soluções alternativas...". Sem pestanejar adiantou ainda que "medidas adicionais na política cambial" poderiam ser tomadas.

Se existe um risco real do colapso do euro, moeda com a qual o escudo cabo-verdiano está ancorada desde 1998, que medidas deveríamos tomar em precaução? O que é uma pequena economia aberta e dependente do exterior como a nossa pode fazer nesta circunstância? Será que uma sim­ples mexida na política cambial, na óptica do Sr. PM, seria suficiente para nos proteger de um traumático choque do fim do euro? Deveremos ter ou não uma, "êxit estrategy " do actual regime cambial para um outro qualquer, just in case, o euro deixar de circular como moeda?

Na verdade, a hecatombe que atingiu os mercados fi­nanceiros dos países avançados da Europa e EUA em 2008 parece não ter um fim à vista. Antes da crise, a maior parte dos países da união europeia endividaram-se à custa de dinheiro barato. O gráfico seguinte do BCE (Banco Central Europeu) exibe a evolução da divida em termos do PIB dos países da zona euro do ano 2000 (barra verde) e 2010 (barra azul). A divida alemã, o símbolo de rigor orçamental da Europa, atingiu, em termos do PIB, os 85% em 2010 (60% em 2000).

Com a Alemanha a dar exemplo de laxismo orçamental, os países periféricos da zona euro simplesmente engaveta­ram os critérios de rigor de Maastricht acordados há mais de 10 anos. Em resultado desta situação, nos tempos de hoje, o mercado só está disponível a ceder recursos para a Gré­cia, Itália, Portugal e Irlanda, a taxas proibitivas, portanto, insustentáveis para as finanças públicas desses países. (ver gráfico -BCE ).

O euro é uma moeda universalmente aceite e a Alema­nha e a França são dois países com mais interesse na sua manutenção. A razão é simples: a divida conjunta da Itália e Grécia para com os bancos franceses e alemãs ascende os 460 mil e 182 mil milhões de euros respectivamente. O incumprimento quer da Grécia, quer da Itália, seria penoso para a banca francesa e alemã. Por outro lado, a Alemanha é dos países que mais beneficiou com a moeda única pois, as suas exportações aumentaram grandemente com entrada do euro, portanto é de seu interesse que o euro continue.

A saída da crise não está sendo fácil. Várias soluções já foram ensaiadas e aqui o destaque vai para o regresso ao rigor orçamental há muito perdido. Os países periféricos da zona euro e a Itália foram obrigados a adoptar medidas de austeridade orçamental para acalmar o mercado. Recente­mente, os 26 membros da união, (a Inglaterra ficou de fora), aprovaram a tábua de salvação do euro: a "união orçamental ". Com esta proposta, espera-se corrigir uma falha estrutural da união monetária: uma moeda única sem uma política orçamental "comum" representa uma ameaça constante para a sobrevivência da união monetária.

A continuidade do euro está pois, dependente do sucesso deste último acordo que obriga os países (novamente) a limitar o défice orçamental a 3% do PIB, manter o nível do défice estrutural a 0,5% do PIB entre outras condicionali­dades. Como o acordo prevê penalizações para os incum­pridores, antevê-se desde já dificuldades a nível político na sua implementação. Por outro lado, se o mercado não acreditar no sucesso da união orçamental e as agências de rating baixarem a notações da Alemanha e França, a pressão sobre o euro poderá intensificar. De facto, os últimos dados sugerem que a preocupação com a divida soberana não foi dissipada. Por isso, para vários economista incluindo Joseph Stiglitz, não é de descartar os seguintes desenvolvimentos num futuro próximo:

a) Os países periféricos ( Portugal, Grécia e Irlanda) não conseguem aguentar a pressão e abandonam o euro. Neste caso a união orçamental seria constitu­ída por países mais fortes, liderada pela Alemanha e França. Em consequência desta situação, o euro poderá sofrer uma forte apreciação.

b) Ou então a Alemanha e talvez a Holanda desistem do euro. O euro sofreria uma forte depreciação o que precipitaria o seu colapso. Sem a Alemanha o euro perde força pois, os mais "fracos" não dão ga­rantia ao mercado.

Em qualquer destes cenários, qual seria a resposta de Cabo Verde?

Consideremos um cenário em que Portugal sai da zona euro e adopta uma nova moeda. Como é que fica o acordo de cooperação cambial? Será reestruturado ou deixaremos de ter acordo? Continuaremos a garantir a convertibilidade do escudo com ou sem acordo cambial com Portugal? Mas como? E a taxa de câmbio? Qual é a taxa de câmbio de equilíbrio para a economia cabo-verdiana? Se o euro sofrer uma forte apreciação (e o escudo cabo-verdiano também valorizará), manteremos actual a paridade (um escudo forte)? Ou não seria aconselhável aproveitarmos esta opor­tunidade para provocar uma "desvalorização competitiva" do escudo cabo-verdiano? Ganharemos ou perderemos se o escudo se desvalorizar?

E no caso da Alemanha desistir do euro e criar a sua própria moeda? Evidentemente que nesta situação, por força especulativa, o euro começará a perder valor e, con­sequentemente o escudo depreciará. Que faremos então? Dependendo da dimensão da depreciação, manteremos a paridade do escudo vis a vis o euro sem qualquer alteração? Se o escudo desvalorizar-se fortemente, teremos condições reais de garantir a convertibilidade relativamente ao dólar americano? Com os fundamentais da economia "out of line", (divida publica acima dos 80% do PIB e défice na conta corrente a 13 % do PIB ) tem o pais margem de manobra para aguentar este choque cambial? Qual o impacto sobre a balança de pagamentos num cenário em que os pagamentos internacionais tornam-se mais caros? Qual o impacto sobre a solidez do sistema bancário se uma parte significativa dos seus activos perdesse valor com a depreciação do euro? Se optarmos por um novo regime cambial, que regime seria mais vantajoso para nós: taxa flutuante ou fixa? A desvalorização normalmente provoca inflação. Estaria o Banco Central em condições de garantir a "estabilidade" da moeda? Não seria benéfico para a balança de pagamentos se optássemos por um regime de taxa flutuante? Teríamos alguma vantagem para o sector do turismo se tivéssemos taxa de câmbio flutuante? E se optássemos por um peg fixo? Seria um peg simples, um cabaz -moeda ou crowling peg ? Escolheríamos o dólar americano como âncora nominal ou outra moeda qualquer?

As mesmas questões poderiam ser colocadas se o euro deixar de funcionar como meio de pagamento e reserva de valor. Da forma como as coisas estão, não é de todo ser o profeta da desgraça se aventarmos esta possibilidade. Mas que Deus nos acuda se tal acontecesse, pois, neste caso seria um choque monetário de dimensão incalculável sobre a eco­nomia cabo-verdiana. Para além de ajustamentos rápidos no regime cambial que teríamos de fazer, seriámos obrigados a arcar com as consequências de recuperar os activos externos em euros que simplesmente deixariam de ter valor.

Creio que foi o economista Martin Feldstein da Uni­versidade de Harvard que em 1997 previu que o projecto " Estados Unidos da Europa não teria sucesso. Na verdade, a forma como a crise financeira da Europa está rapidamente "metastasizing " para uma crise política", é para nós cada vez mais duvidoso a manutenção do sonho europeu nos termos previstos há mais de 40 anos atrás. Por isso mesmo, acho que é hora de começarmos a matutar profundamente sobre o nosso futuro, com o sem o euro pois, quem pensa que pode fintar esta crise está seguramente enganado.

*Gráficos no original

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