Óscar Santos – Expresso das Ilhas (cv), opinião
À saída da conferência sobre "O Futuro da Zona Euro: Implicações Estratégicas para a África Ocidental" e para Cabo Verde realizado no dia 2 de Dezembro passado", o Sr. Primeiro Ministro afirmou que "- Um eventual desaparecimento do Euro seria uma bomba atómica para a economia". Concluiu, a seu jeito e de forma categórica que, caso tal profecia se concretizasse, desestruturaria toda a economia mundial..." . Perante este panorama inegavelmente catastrófica para a economia cabo-verdiana, avançou que " estamos a analisar todos os cenários e a construir soluções alternativas...". Sem pestanejar adiantou ainda que "medidas adicionais na política cambial" poderiam ser tomadas.
Se existe um risco real do colapso do euro, moeda com a qual o escudo cabo-verdiano está ancorada desde 1998, que medidas deveríamos tomar em precaução? O que é uma pequena economia aberta e dependente do exterior como a nossa pode fazer nesta circunstância? Será que uma simples mexida na política cambial, na óptica do Sr. PM, seria suficiente para nos proteger de um traumático choque do fim do euro? Deveremos ter ou não uma, "êxit estrategy " do actual regime cambial para um outro qualquer, just in case, o euro deixar de circular como moeda?
Na verdade, a hecatombe que atingiu os mercados financeiros dos países avançados da Europa e EUA em 2008 parece não ter um fim à vista. Antes da crise, a maior parte dos países da união europeia endividaram-se à custa de dinheiro barato. O gráfico seguinte do BCE (Banco Central Europeu) exibe a evolução da divida em termos do PIB dos países da zona euro do ano 2000 (barra verde) e 2010 (barra azul). A divida alemã, o símbolo de rigor orçamental da Europa, atingiu, em termos do PIB, os 85% em 2010 (60% em 2000).
Com a Alemanha a dar exemplo de laxismo orçamental, os países periféricos da zona euro simplesmente engavetaram os critérios de rigor de Maastricht acordados há mais de 10 anos. Em resultado desta situação, nos tempos de hoje, o mercado só está disponível a ceder recursos para a Grécia, Itália, Portugal e Irlanda, a taxas proibitivas, portanto, insustentáveis para as finanças públicas desses países. (ver gráfico -BCE ).
O euro é uma moeda universalmente aceite e a Alemanha e a França são dois países com mais interesse na sua manutenção. A razão é simples: a divida conjunta da Itália e Grécia para com os bancos franceses e alemãs ascende os 460 mil e 182 mil milhões de euros respectivamente. O incumprimento quer da Grécia, quer da Itália, seria penoso para a banca francesa e alemã. Por outro lado, a Alemanha é dos países que mais beneficiou com a moeda única pois, as suas exportações aumentaram grandemente com entrada do euro, portanto é de seu interesse que o euro continue.
A saída da crise não está sendo fácil. Várias soluções já foram ensaiadas e aqui o destaque vai para o regresso ao rigor orçamental há muito perdido. Os países periféricos da zona euro e a Itália foram obrigados a adoptar medidas de austeridade orçamental para acalmar o mercado. Recentemente, os 26 membros da união, (a Inglaterra ficou de fora), aprovaram a tábua de salvação do euro: a "união orçamental ". Com esta proposta, espera-se corrigir uma falha estrutural da união monetária: uma moeda única sem uma política orçamental "comum" representa uma ameaça constante para a sobrevivência da união monetária.
A continuidade do euro está pois, dependente do sucesso deste último acordo que obriga os países (novamente) a limitar o défice orçamental a 3% do PIB, manter o nível do défice estrutural a 0,5% do PIB entre outras condicionalidades. Como o acordo prevê penalizações para os incumpridores, antevê-se desde já dificuldades a nível político na sua implementação. Por outro lado, se o mercado não acreditar no sucesso da união orçamental e as agências de rating baixarem a notações da Alemanha e França, a pressão sobre o euro poderá intensificar. De facto, os últimos dados sugerem que a preocupação com a divida soberana não foi dissipada. Por isso, para vários economista incluindo Joseph Stiglitz, não é de descartar os seguintes desenvolvimentos num futuro próximo:
a) Os países periféricos ( Portugal, Grécia e Irlanda) não conseguem aguentar a pressão e abandonam o euro. Neste caso a união orçamental seria constituída por países mais fortes, liderada pela Alemanha e França. Em consequência desta situação, o euro poderá sofrer uma forte apreciação.
b) Ou então a Alemanha e talvez a Holanda desistem do euro. O euro sofreria uma forte depreciação o que precipitaria o seu colapso. Sem a Alemanha o euro perde força pois, os mais "fracos" não dão garantia ao mercado.
Em qualquer destes cenários, qual seria a resposta de Cabo Verde?
Consideremos um cenário em que Portugal sai da zona euro e adopta uma nova moeda. Como é que fica o acordo de cooperação cambial? Será reestruturado ou deixaremos de ter acordo? Continuaremos a garantir a convertibilidade do escudo com ou sem acordo cambial com Portugal? Mas como? E a taxa de câmbio? Qual é a taxa de câmbio de equilíbrio para a economia cabo-verdiana? Se o euro sofrer uma forte apreciação (e o escudo cabo-verdiano também valorizará), manteremos actual a paridade (um escudo forte)? Ou não seria aconselhável aproveitarmos esta oportunidade para provocar uma "desvalorização competitiva" do escudo cabo-verdiano? Ganharemos ou perderemos se o escudo se desvalorizar?
E no caso da Alemanha desistir do euro e criar a sua própria moeda? Evidentemente que nesta situação, por força especulativa, o euro começará a perder valor e, consequentemente o escudo depreciará. Que faremos então? Dependendo da dimensão da depreciação, manteremos a paridade do escudo vis a vis o euro sem qualquer alteração? Se o escudo desvalorizar-se fortemente, teremos condições reais de garantir a convertibilidade relativamente ao dólar americano? Com os fundamentais da economia "out of line", (divida publica acima dos 80% do PIB e défice na conta corrente a 13 % do PIB ) tem o pais margem de manobra para aguentar este choque cambial? Qual o impacto sobre a balança de pagamentos num cenário em que os pagamentos internacionais tornam-se mais caros? Qual o impacto sobre a solidez do sistema bancário se uma parte significativa dos seus activos perdesse valor com a depreciação do euro? Se optarmos por um novo regime cambial, que regime seria mais vantajoso para nós: taxa flutuante ou fixa? A desvalorização normalmente provoca inflação. Estaria o Banco Central em condições de garantir a "estabilidade" da moeda? Não seria benéfico para a balança de pagamentos se optássemos por um regime de taxa flutuante? Teríamos alguma vantagem para o sector do turismo se tivéssemos taxa de câmbio flutuante? E se optássemos por um peg fixo? Seria um peg simples, um cabaz -moeda ou crowling peg ? Escolheríamos o dólar americano como âncora nominal ou outra moeda qualquer?
As mesmas questões poderiam ser colocadas se o euro deixar de funcionar como meio de pagamento e reserva de valor. Da forma como as coisas estão, não é de todo ser o profeta da desgraça se aventarmos esta possibilidade. Mas que Deus nos acuda se tal acontecesse, pois, neste caso seria um choque monetário de dimensão incalculável sobre a economia cabo-verdiana. Para além de ajustamentos rápidos no regime cambial que teríamos de fazer, seriámos obrigados a arcar com as consequências de recuperar os activos externos em euros que simplesmente deixariam de ter valor.
Creio que foi o economista Martin Feldstein da Universidade de Harvard que em 1997 previu que o projecto " Estados Unidos da Europa não teria sucesso. Na verdade, a forma como a crise financeira da Europa está rapidamente "metastasizing " para uma crise política", é para nós cada vez mais duvidoso a manutenção do sonho europeu nos termos previstos há mais de 40 anos atrás. Por isso mesmo, acho que é hora de começarmos a matutar profundamente sobre o nosso futuro, com o sem o euro pois, quem pensa que pode fintar esta crise está seguramente enganado.
*Gráficos no original
A saída da crise não está sendo fácil. Várias soluções já foram ensaiadas e aqui o destaque vai para o regresso ao rigor orçamental há muito perdido. Os países periféricos da zona euro e a Itália foram obrigados a adoptar medidas de austeridade orçamental para acalmar o mercado. Recentemente, os 26 membros da união, (a Inglaterra ficou de fora), aprovaram a tábua de salvação do euro: a "união orçamental ". Com esta proposta, espera-se corrigir uma falha estrutural da união monetária: uma moeda única sem uma política orçamental "comum" representa uma ameaça constante para a sobrevivência da união monetária.
A continuidade do euro está pois, dependente do sucesso deste último acordo que obriga os países (novamente) a limitar o défice orçamental a 3% do PIB, manter o nível do défice estrutural a 0,5% do PIB entre outras condicionalidades. Como o acordo prevê penalizações para os incumpridores, antevê-se desde já dificuldades a nível político na sua implementação. Por outro lado, se o mercado não acreditar no sucesso da união orçamental e as agências de rating baixarem a notações da Alemanha e França, a pressão sobre o euro poderá intensificar. De facto, os últimos dados sugerem que a preocupação com a divida soberana não foi dissipada. Por isso, para vários economista incluindo Joseph Stiglitz, não é de descartar os seguintes desenvolvimentos num futuro próximo:
a) Os países periféricos ( Portugal, Grécia e Irlanda) não conseguem aguentar a pressão e abandonam o euro. Neste caso a união orçamental seria constituída por países mais fortes, liderada pela Alemanha e França. Em consequência desta situação, o euro poderá sofrer uma forte apreciação.
b) Ou então a Alemanha e talvez a Holanda desistem do euro. O euro sofreria uma forte depreciação o que precipitaria o seu colapso. Sem a Alemanha o euro perde força pois, os mais "fracos" não dão garantia ao mercado.
Em qualquer destes cenários, qual seria a resposta de Cabo Verde?
Consideremos um cenário em que Portugal sai da zona euro e adopta uma nova moeda. Como é que fica o acordo de cooperação cambial? Será reestruturado ou deixaremos de ter acordo? Continuaremos a garantir a convertibilidade do escudo com ou sem acordo cambial com Portugal? Mas como? E a taxa de câmbio? Qual é a taxa de câmbio de equilíbrio para a economia cabo-verdiana? Se o euro sofrer uma forte apreciação (e o escudo cabo-verdiano também valorizará), manteremos actual a paridade (um escudo forte)? Ou não seria aconselhável aproveitarmos esta oportunidade para provocar uma "desvalorização competitiva" do escudo cabo-verdiano? Ganharemos ou perderemos se o escudo se desvalorizar?
E no caso da Alemanha desistir do euro e criar a sua própria moeda? Evidentemente que nesta situação, por força especulativa, o euro começará a perder valor e, consequentemente o escudo depreciará. Que faremos então? Dependendo da dimensão da depreciação, manteremos a paridade do escudo vis a vis o euro sem qualquer alteração? Se o escudo desvalorizar-se fortemente, teremos condições reais de garantir a convertibilidade relativamente ao dólar americano? Com os fundamentais da economia "out of line", (divida publica acima dos 80% do PIB e défice na conta corrente a 13 % do PIB ) tem o pais margem de manobra para aguentar este choque cambial? Qual o impacto sobre a balança de pagamentos num cenário em que os pagamentos internacionais tornam-se mais caros? Qual o impacto sobre a solidez do sistema bancário se uma parte significativa dos seus activos perdesse valor com a depreciação do euro? Se optarmos por um novo regime cambial, que regime seria mais vantajoso para nós: taxa flutuante ou fixa? A desvalorização normalmente provoca inflação. Estaria o Banco Central em condições de garantir a "estabilidade" da moeda? Não seria benéfico para a balança de pagamentos se optássemos por um regime de taxa flutuante? Teríamos alguma vantagem para o sector do turismo se tivéssemos taxa de câmbio flutuante? E se optássemos por um peg fixo? Seria um peg simples, um cabaz -moeda ou crowling peg ? Escolheríamos o dólar americano como âncora nominal ou outra moeda qualquer?
As mesmas questões poderiam ser colocadas se o euro deixar de funcionar como meio de pagamento e reserva de valor. Da forma como as coisas estão, não é de todo ser o profeta da desgraça se aventarmos esta possibilidade. Mas que Deus nos acuda se tal acontecesse, pois, neste caso seria um choque monetário de dimensão incalculável sobre a economia cabo-verdiana. Para além de ajustamentos rápidos no regime cambial que teríamos de fazer, seriámos obrigados a arcar com as consequências de recuperar os activos externos em euros que simplesmente deixariam de ter valor.
Creio que foi o economista Martin Feldstein da Universidade de Harvard que em 1997 previu que o projecto " Estados Unidos da Europa não teria sucesso. Na verdade, a forma como a crise financeira da Europa está rapidamente "metastasizing " para uma crise política", é para nós cada vez mais duvidoso a manutenção do sonho europeu nos termos previstos há mais de 40 anos atrás. Por isso mesmo, acho que é hora de começarmos a matutar profundamente sobre o nosso futuro, com o sem o euro pois, quem pensa que pode fintar esta crise está seguramente enganado.
*Gráficos no original
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