Adriano Moreira – Diário de Notícias, opinião
Existe uma lei inexorável, da qual os pequenos países, incluindo Portugal, possuem uma repetida, longa e dolorosa experiência, que a progressiva liberdade de circulação e comércio acentuou: os países ricos exportam capitais e os países pobres exportam gente.
A ameaça de fratura entre uma Europa dos ricos e uma Europa dos pobres, arma dos que teimam contra o projecto da unidade europeia pelo método dos pequenos passos, mas prudentes, e preferem o autoritarismo da hierarquia interna e diretora, contribui para tornar ainda mais complexa, pelos efeitos não programados, a narrativa da intervenção dessa lei.
Ao longo da história portuguesa, cujos sucessivos impérios terminaram de regra com o Estado em crise financeira, o fenómeno produziu um facto mal reconhecido e recordado, sobretudo neste período contrário às celebrações, que foi a continuada presença, nas responsabilidades de governo da sociedade civil, designadamente da família e dos patrimónios escassos, das viúvas de homens vivos que por aqui asseguraram a retaguarda, não apenas das necessidades de sobrevivência, também das levas de mancebos mobilizados para as tarefas da expansão.
As comunidades portuguesas, até em Estados cujos territórios não foram de soberania colonial portuguesa, como acontece nos EUA, são testemunhos vivos de submissão a essa lei que, no século passado, levou à movimentação e fixação de multidões de emigrantes vindos do sul para o norte do globo afirmado como rico, consumista e promissor.
No caso das nossas emigrações para o Brasil, depois da independência que colocou um ponto final no segundo império, as remessas das suas economias, durante talvez um século, para as famílias que aqui ficaram, pesaram favoravelmente no equilíbrio da nossa balança de pagamentos. Na violenta crise que atinge as nossas finanças, e ainda mais inquietantemente a nossa economia, o realismo não consente omitir que a fronteira da pobreza ultrapassou as margens europeias do Mediterrâneo, que estamos envolvidos nessa realidade e conceito, e que a lei de relação entre ricos que exportam capitais e pobres que exportam gente entra inexoravelmente em funcionamento.
Por isso são dispensáveis incitamentos à emigração, que agora não é dos que chegam do Sul em fuga da desordem política e das carências, é dos que partem, por decisão e direito próprio, em busca de futuro melhor, ou pelo menos algum.
O que se afigura evidentemente necessário é, reconhecendo o facto, verificar, com inquietação cívica, que o movimento inclui uma juventude qualificada, que se encontra afligida pelo facto de o País ter os técnicos, necessitar dos técnicos, e não ter emprego para os técnicos.
Se alguma política de incitamento é necessária, subordinada aos direitos humanos de livre circulação, é no sentido de restaurar a vontade de ficar para ajudar, com convicção, na redefinição de um novo futuro para a comunidade portuguesa no século XXI.
O despovoamento da interioridade, que significa a quebra da relação indispensável entre a gente e a terra que a sustenta, pressuposto da real soberania sobre qualquer território, acrescenta-se com a perda do capital imaterial que é o saber e o saber-fazer dos milhares que se ausentam.
A política de incitamento à decisão de ficar é urgente, porque do contrário trata a natureza das coisas. É evidente que nenhuma soberania pode ou deve assumir o poder de impedir qualquer homem ou mulher de exercer em liberdade o direito de ir pelo mundo em busca da realização pessoal e futuro aceitável. Mas também nenhum governo pode secundarizar o dever de fortalecer a relação entre os cidadãos e a terra onde nasceram, sobretudo criando a confiança, o primeiro alicerce da decisão de ficar. Esta necessidade não se afigura um desafio fácil de enfrentar, em vista do teor da governança europeia, do repetido anúncio de crise insuperável e dos sintomas de vocação para o diretório. Mas é um desafio que exige resposta.
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