Ponto Final
A crise económica empurrou-os para fora de Portugal. À falta de emprego juntaram uma curiosidade pelo outro lado do mundo e alguns pesaram até questões do coração. Papua-Nova Guiné, Japão, Timor-Leste e Austrália são casa de portugueses.
Inês Santinhos Gonçalves
Diz a sabedoria popular que há um português em cada canto do mundo. Carlos Noronha quis dar razão ao povo e em Julho de 2010 partiu com a mulher e duas filhas para a Papua-Nova Guiné, um país da Oceânia com 463 mil km2, 850 idiomas, que faz fronteira terrestre com a Indonésia e marítima com Palau, Estados Federados da Micronésia, Ilhas Salomão e a Austrália. Foi em Macau, no entanto, que o PONTO FINAL o encontrou, no último dia de férias.
Noronha tem 41 anos e é consultor financeiro numa das cinco universidades da Papua. Foi a crise, já há sete anos, que o levou a sair de Portugal. No entanto, Timor-Leste foi o primeiro destino. “Curiosamente foi na altura em que Manuela Ferreira Leite falava dos 2,8 por cento de défice”, aponta. Era responsável pela área financeira do Museu Nacional da Ciência e da Técnica em Coimbra, mas viu a situação profissional deteriorar-se.
Decidiu sair. Foi a mulher, Eveline, natural de Goa, quem sugeriu que fosse primeiro. “Eu disse ‘tu queres é mandar-me embora’”, conta entre gargalhadas. Foi então, sem a família, e trabalhou num programa bilateral de cooperação com a Assembleia da República. A experiência agradou-lhe. Seis meses após a chegada aprendeu a falar tétum, competência que lhe pareceu indispensável adquirir já que a geração timorense mais jovem tende a não dominar o português.
Mãe e filha juntaram-se-lhe e tempos depois nasceu Sofia, a mais nova da família. A vida era confortável e contavam com vários amigos timorenses, mas algo incomodava Noronha. “Comecei a perceber que o facto de ser português gerava muitos preconceitos. Depois de sete anos senti alguma insegurança do ponto de vista profissional, [duvidei] se o meu trabalho estava a ser influenciado pelo facto de ser português.” Deu por si a pensar: “Seria óptimo se tivéssemos uma experiência num sítio em que não houvesse uma ligação cultural [com Portugal]”.
Português da Papua
A oportunidade surgiu. “A Papua sempre foi para mim uma coisa extraordinária, estranha, esquisita. Pouco sabia, apenas que havia muitas línguas diferentes. Quis ver como era”, lembra. Na capital, Port Moresby, onde mora, encontrou o que procurava: uma total ausência de referências portuguesas. A nacionalidade, conta, traz-lhe benefícios, mais pela que não tem do que pela tem. “Vêem que não sou australiano e isso dá-me uma cerca vantagem”, refere. Na Papua-Nova Guiné, território que até 1976 pertencia à Austrália, o português trocou de papel com os colegas anglófonos.
O único compatriota com quem se cruzou, encontrou-o no avião. Durante a viagem descobriu que fazia parte de uma equipa de 15 portugueses que trabalham para uma empresa francesa, na exploração de gás natural. O grupo, no entanto, está estabelecido nas montanhas e Noronha nunca mais os encontrou.
O trabalho como conselheiro de finanças e gestão da Universidade da Papua-Nova Guiné, de onde fazem parte as faculdades de Medicina, Ciências Humanas e Economia, entre outras, tem sido recompensador. “Há, de facto, muitos problemas de gestão. As pessoas trabalham de forma muito repetitiva e não questionam o modo como fazem as coisas. Do ponto de vista profissional, ainda tenho muito a fazer”, explica. A universidade tem campus em todas as províncias da Papua, incluindo nas Ilhas Salomão, e Noronha tem trabalhado nesse âmbito: “Faço desde o recrutamento dos contabilistas para esses locais à formação deles”.
Mas é do ponto de vista pessoal que a experiência mais o tem marcado. “Sinto-me privilegiado por ter tido a sorte de ir para Timor e agora para a Papua. Estou a dar às minhas filhas a oportunidade de verem, por exemplo, a ave-do-paraíso”, refere. A beleza natural da ilha é o que mais o impressiona, a par de “um povo extraordinariamente interessante”. “Cada vez que vou a Portugal, olho para a paisagem a partir do avião e fico assustado, não consigo ver nada natural. É chocante”, lamenta.
Voltar à terra-natal não é opção que, por agora, coloque. “Em termos práticos acho que não teria emprego”, lamenta. Por matar ficam as saudades de falar português e dos sabores da gastronomia lusa. O consultor financeiro lembra o único momento em que viu à venda algo que lhe aguçasse memórias gustativas: “A única coisa [parecida] que encontrei foi uma lata de sardinhas e fiz uma festa. Comprei logo três ou quatro, mas nunca mais voltei a encontrá-las”.
A comida, no entanto, é do seu agrado. “É muito baseada em raízes: cassava, batata-doce, que é muito popular. O porco também é muito apreciado, tem um valor superior ao das mulheres. Há muitas frutas e vegetais bons, mas é tudo muito caro devido à falta de infra-estruturas”, descreve.
A maior dificuldade da família diz respeito à segurança, ou melhor, à falta dela. A quase inexistência de estradas também acarreta problemas e obriga a recorrer com frequência ao avião. Mas o que realmente condiciona a permanência no país por mais de um ano é a educação da filha mais velha, Lia, agora com 11 anos. Austrália, Moçambique ou mesmo Macau, território que muito agradou aos quatro Noronhas, são opções que considera para um próximo destino.
Desafios à parte, o saldo é positivo e sair do país foi uma lufada de ar fresco, defende o consultor financeiro. “Cresce-se muito quando se vê outra cultura. Fica-se a pensar de uma forma diferente, mais aberta. E aceita-se viver em condições difíceis – quer dizer, para mim já não são difíceis, mas falta-me luz e água frequentemente e não há iogurtes”, descreve o português.
Tétum na ponta da língua
Mariana Vieira tem uma ligação especial com Macau: foi cá que passou a infância, tendo trocado o território por Portugal, aos 11 anos. Tem agora 22 e regressou para, pela primeira vez desde a partida, passar férias na RAEM. O bilhete de avião comprou-o em Díli, Timor-Leste, onde chegou em Setembro para trabalhar como voluntária numa organização não-governamental (ONG).
Formada em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, a jovem pretendia enveredar por uma carreira internacional na área da economia de desenvolvimento. E é isso que faz agora, na Move, uma entidade de microfinanças que já existe em São Tomé e Príncipe e em Moçambique e está agora, com a sua ajuda, a ser implementada em Timor-Leste. “É uma oportunidade muito boa. Tendo em conta o contexto de crise, acho que faz sentido, permite-me sair e ter outras experiências que podem ser usadas para currículo”, conta.
Apesar do programa de voluntariado terminar este mês, Mariana Vieira encontrou já uma solução que lhe permite ficar no país: vai coordenar a nova equipa da ONG e trabalhar, desta vez de forma remunerada, para a Timor Telecom, pelo menos até Julho. “Depois logo verei se quero ficar mais tempo por lá ou não. Pelo menos pela Ásia, sim. Não penso voltar a Portugal em Julho.”
A experiência está a ser “óptima”: “Estou a adorar, Timor é um país em construção e um sítio onde se vêem as coisas acontecer”.
Ao contrário do que se verifica em locais como a Papua-Nova Guiné, a história de Timor-Leste assegura a presença de muitos portugueses. Estão, conta Mariana Vieira, “nos ministérios, nas ONG, nas Nações Unidas”. E se a presença lusa traz vantagens – “tens referentes comuns com as pessoas, backgrounds semelhantes” – também carrega o estigma que Carlos Noronha experienciou: “Sentes sempre essa condição de estrangeiro, és mais um que vem para uma ONG, és sempre olhado com desconfiança”.
Apesar de só estar em Timor-Leste há quatro meses, também Mariana Vieira já aprendeu a outra língua oficial do país, o tétum, de modo a conseguir comunicar com as gerações mais novas de timorenses.
Perante a crise financeira sentida em Portugal, a jovem aconselha a ‘fuga’ para a Ásia: “É um mundo muito diferente da Europa, mas se tiverem abertura para isso, devem vir. Basta saber lidar com a diferença”. A mudança já lhe permitiu conviver “com pessoas com histórias de vida muito fora do comum”, facto que destaca como sendo o mais positivo de toda a experiência. “Afinal, não é toda a gente que vem para Timor. Acabas por conhecer histórias fantásticas e dar muito mais valor ao que tens.”
Udon da felicidade
Foi também em Setembro que Luís Machado, 24 anos, chegou a Tóquio, Japão. Por terras nipónicas pretende terminar a licenciatura em Estudos Asiáticos, que começou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A ideia é seguir para um mestrado na capital. Em termos profissionais não está certo de conseguir um emprego no Japão, “mas ficar a trabalhar na Ásia, sim, será o objectivo”, conta.
O país sempre despertou interesse a Luís Machado, que é praticante de artes marciais, tinha amigos japoneses e visitou a ilha duas vezes antes de para lá se mudar. Da língua, diz, fala “alguma coisa” e conta pouco com a companhia de outros portugueses, já que a comunidade, na sua percepção, “é muito pequenina”.
Para o estudante, a grande dificuldade do país que escolheu para casa reside na forma como as pessoas se relacionam. “Estabelecer relações é mesmo muito difícil, de início. Estabelecer uma amizade é um processo demorado e parece não ser espontâneo ou natural, é uma coisa muito trabalhada”, relata. Ainda assim, Luís Machado assegura ter “quatro ou cinco pessoas” a quem já pode chamar amigos.
As dificuldades relacionais – que, aliás, já está a ultrapassar – são compensadas por aquilo que considera uma das maiores vantagens do Japão: a comida. “Todos os dias saio de casa e sei que vou ter um bom dia, apenas pela variedade que há. Adoro qualquer uma delas, mas a minha preferida é udon, um tipo de massa grossa”.
O novo australiano
O mais recente dos expatriados da lista é Gonçalo Silva, que aterrou em Brisbane, na Austrália, há menos de um mês. A saída de Portugal foi motivada pela falta de emprego mas a escolha do destino foi ditada pelo coração: a namorada do licenciado em Geografia é australiana e, depois de meio ano a tentar a sorte em Portugal, o casal decidiu rumar à Oceânia.
É a primeira vez que o jovem de 24 anos vive fora de Portugal e tendo chegado dia 10 de Dezembro já ultrapassou a fronteira psicológica das duas semanas, o máximo de tempo que esteve de férias. “A visão de um português habituado a viver em Portugal é de que é tudo muito exótico. Basta olhar pela janela, é tudo diferente, as casas, as plantas, os animais. Um das coisas que mais diferença me fez foi ver conduzir do outro lado da estrada”, descreve.
A busca por emprego já começou, mas ainda é cedo para dar frutos. O objectivo é conseguir um lugar numa empresa de minas “algo em que há muito emprego por aqui”, explica.
O casal mora em Brisbane, terra-natal da namorada, que está já empregada, mas não põe de parte a ideia de rumar a Sidney. Por agora, os dias de Gonçalo Silva são calmos: “Como ainda não tenho emprego, de manhã fico em casa, faço a minha lide doméstica e depois vou conhecer um bocadinho melhor Brisbane”. Mais tarde, o casal faz escalada, desporto pelo qual partilham o gosto.
A ideia, por agora, é ficar. “Pelo menos três ou quatro anos para conseguir voltar a Portugal de forma confortável, ter casa sem hipotecas e essas coisas todas”, conta. Pela Austrália não sente sinais da crise económica que o fez mudar de continente. “Vive-se de forma confortável por cá. É claro que não estão em dificuldades”, aponta. Mas não é só o factor financeiro que agrada ao jovem: “Viver deste lado do mundo traz outras oportunidades e estar perto da Ásia é, sem dúvida, muito interessante”.
Sem comentários:
Enviar um comentário