Correio do Brasil, com agências internacionais - de Washington e Teerã
Na intrincada linguagem da diplomacia norte-americana com os iranianos, após vazada para o diário de maior circulação nos EUA, o New York Times, nesta sexta-feira, a ameaça de um ataque direto dos EUA ao Irã, caso este resolva bloquear o Estreito de Ormuz, o Aiatolá Mohammad Emami-Kashani, um dos clérigos mais influentes daquela república islâmica, respondeu nas entrelinhas. Em seu primeiro sermão do dia, alvorecer em Teerã, após a leitura dos jornais, Kashani mandou um recado cifrado aos “inimigos do Islã e da ideologia islâmica”, capazes de fazer “qualquer coisa para impedir o desenvolvimento da República Islâmica do Irã”.
Kashani, que lidera a Assembleia Nacional, uma forma de conselho supremo da nação, falando a uma multidão no campus da Universidade de Teerã, durante as orações desta sexta-feira, dia sagrado para os muçulmanos, alertou que “os inimigos do Irã têm-se voltado contra os países muçulmanos porque perceberam que a ideia de uma campanha (mundial) contra a injustiça se espalha por todas as comunidades islâmicas”, em clara referência aos movimentos de libertação no mundo árabe, a começar pelo Egito. O líder iraniano, no entanto, fez questão de frisar que os iranianos “já iniciaram um movimento de confronto à injustiça” e por isso o país tem sofrido uma série de ataques à sua estabilidade política e econômica, com o agravamento do embargo comercial liderado por países do Ocidente.
O assassinato do engenheiro nuclear Mostafa Ahmadi Roshan, pela explosão de uma bomba presa ao carro em que trafegava por Teerã, na terça-feira, também foi um ponto de destaque no discurso de Kashani.
– (O crime) está em linha com a política dos inimigos para confrontar a República Islâmica do Irã. O martírio deste cientista mostrou que os inimigos do Irã não estão satisfeitos com o progresso científico e a independência do país, com sua política baseada na oposição ao progresso científico do Irã – afirmou, referindo-se à tentativa de paralisação do programa nuclear. Os objetivos do avanço iraniano no campo das pesquisas com energia nuclear é pacífico, segundo afirma o governo, mas Israel e os EUA têm frequentemente advertido para o possível desenvolvimento da bomba nuclear como parte destes estudos.
Ataque direto
Em matéria de destaque, na primeira página da edição desta sexta-feira do NY Times, informação vazada por fontes da Casa Branca dão conta de que o governo dos EUA usou um canal de comunicação secreto para alertar ao líder supremo do Irã, Ayatollah Sayyed Ali Khamenei, sobre as consequências de um possível fechamento do Estreito de Ormuz. Segundo o ultimato de Washington a Teerã, o fechamento da rota por onde passam diariamente 16 milhões de barris de petróleo, aproximadamente 40% de toda a produção mundial, é um “sinal vermelho” que poderá provocar uma resposta imediata dos norte-americanos, segundo funcionários da Casa Branca, que falaram em condição de anonimato. As autoridades, no entanto, se recusaram a dar detalhes sobre o raro contato entre os dois governos. Um alto funcionário da administração do presidente norte-americano, Barack Obama, no entanto, não esconde sua preocupação com os atuais níveis de tensão no Golfo Pérsico.
– Se alguma coisa me tira o sono à noite é o Estreito de Ormuz e a forma como as coisas estão se conduzindo no Golfo Pérsico – afirmou ao NYT o almirante Jonathan W. Greenert, chefe das operações navais dos EUA. Ele e outros integrantes do governo trabalham com a premissa de que haverá uma conflagração armada, de larga escala, no momento em que a Guarda Revolucionária, grupamento de elite das forças armadas iranianas, bloquear a passagem dos petroleiros na região.
O general Martin E. Dempsey, chefe do Estado Maior das Forças Armadas norte-americanas, compartilha das preocupações do almirante Greenert, ao afirmar durante reunião da cúpula militar que “os EUA tomarão uma atitude para reabrir o Estreito (de Ormuz)”, caso este seja bloqueado por uma ação qualquer do Irã. Até mesmo um ato de provocação da Guarda Revolucionária poderá acender o estopim de uma guerra na região. Esta, segundo o NYT, é a possibilidade que assusta os EUA e levou ao contato, por vias diplomáticas transversas, com a liderança máxima do regime iraniano.
Outro recado aos iranianos também partiu, na quinta-feira, do secretário da Defesa americano, Leon Panetta. Ele disse às tropas, no Texas, que não permitirá o fechamento da região.
– Já deixamos muito claro que os EUA não vão tolerar o bloqueio do Estreito de Ormuz. É um outra linha importante para nós e vamos responder a eles (o Irã) – disse Panetta.
Há, entre os analistas da cena militar, quem garanta ser um blefe do Irã as ameaças quanto ao fechamento do Estreito e que se trata de uma manobra política para aumentar o preço do petróleo. No entanto, ninguém duvida da capacidade bélica do país em executar suas advertências quanto aos riscos de um embargo ao petróleo iraniano, como têm realizado os EUA e alguns países europeus. Teerã vem investindo pesado em armamento, nas últimas duas décadas e, entre 2007 e 2011, o orçamento militar do país cresceu 380,2%, enquanto o dos EUA aumentou apenas 19%.
A agressão, no entanto, poderia atrapalhar a exportação de combustível e também as importações de comida e produtos – que chegam pelo local, agravando ainda mais a crise econômica do país. “A resposta simples é sim, eles podem bloquear”, disse a rede de TV CBS o general Martin Dempsey, chefe do Joint Chiefs os Staffs, principal conselho militar da Presidência. A ação, no entanto, seria muito prejudicial ao próprio Irã, segundo constatam observadores da cena política.
– Eles iriam, basicamente, fazer um voto de pobreza contra eles mesmos. Não acho que eles estejam em tal estado de auto-sacrifício – disse Dennis B. Ross, que até o mês passado foi um dos conselheiros mais influentes do presidente Barack Obama sobre o Irã.
Os EUA e o Irã têm um histórico de conflitos no Estreito. O mais recente aconteceu em janeiro de 2008, quando o governo de George W. Bush puniu Teerã por um “ato provocativo” depois que cinco barcos armados iranianos se aproximaram de navios americanos em águas internacionais.
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