domingo, 15 de janeiro de 2012

Jornalistas no desemprego: do excesso de mão de obra ao perigo dos independentes à solta




Paulo Querido, jornalista - Certamente

A resposta das empresas e grupos de media às dificuldades tem sido reduzir quadros. As reduções em norma obedecem a um critério simples: despedem-se os mais antigos, porque estarão mais perto da reforma, são mais bem pagos e não apresentam já a genica tida por indispensável ao “aumento de produtividade” — um cálculo quantitativo cuja aplicabilidade pode ser discutida, mas noutro contexto.

O motivo dos despedimentos é este: não há dinheiro.

Não há dinheiro por causa do desaparecimento cada vez menos lento do papel e da diminuição do investimento publicitário.

E não há dinheiro mercê da inadaptação do modelo de negócio tradicional à Internet, onde a indústria da publicidade goza de muito maior poder fiscalizador sobre o retorno do investimento, pelo que não paga mais o tipo de somas a que não podia fugir nos meios sobre os quais o controlo é deficiente.

Mas a resposta “não há dinheiro” apresenta perigos. Entre outros, descapitaliza as Redações. Desguarnece-as de inteligência, experiência e cultura mediática. Tenho vindo a defender que numa altura de incerteza as empresas de media precisam de gente com grande experiência, gente que já passou baixos e altos, gente que sabe pensar — e tem maior disponibilidade para pensar.

Poderemos relacionar essa descapitalização com o aumento das queixas sobre a falta de qualidade do jornalismo?

Quando vão as empresas questionar-se sobre os resultados negativos das migrações do papel para a web, como o aumento da quantidade de lixo redundante, o nivelamento por baixo do preço da publicidade nas suas páginas, os danos para a imagem e o insatisfatório cumprimento da necessidade de separar e filtrar a informação?

A sua resposta tem outras consequências. Uma delas tornou-se particularmente visível nos últimos tempos mercê de um grupo do Facebook que inclui jornalistas e pessoas interessadas no jornalismo. O grupo foi o primeiro, entre as tentativas que despontaram nos diversos formatos online desde o tempo dos newsgroups, que vi adquirir massa crítica suficiente para se manter e renovar sem cair no marasmo a que círculos pequenos sempre conduzem.

A consequência para que chamo a atenção é esta: temos hoje fora das Redações uma quantidade impressionante de bons jornalistas, ex-editores de grande valia, repórteres de comprovada mestria. Se ainda não se passou o ponto em que há mais grandes jornalistas no desemprego do que em funções, estaremos a caminhar muito rapidamente para esse marco.

“Que poder não poderão ter umas boas centenas de jornalistas verdadeiramente livres e independentes, em todo o país, se souberem ser solidários e agir através da perigosíssima arma que manejam melhor do que ninguém – a Informação livre?” – pergunta Carlos Robalo numa nota publicada na sua página do Facebook, nota essa que vale bem a pena ler na íntegra: JORNALISTAS LIBERTADOS – O perigo da verdade à solta.

Matéria para reflexão — já que ação não é de esperar.

(Nota: sei que esta não é a única profissão a passar pelo problema do excesso de trabalhadores qualificados, longe disso. Mas sendo a minha, é dela que falo.)


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