Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
A aplicação "rigorosa das boas práticas internacionais quanto ao controlo migratório" fez com que vários portugueses fossem recambiados de Luanda para Lisboa.
Porque, pois claro!, “não estão em causa as relações com Portugal, país com o qual Angola tem fortes laços, culturais e históricos", é mera coincidência o facto de recentemente 16 cidadãos angolanos terem sido recambiados de Portugal.
"Estamos a fazer o que Portugal faz com os angolanos. A aplicação com rigor das boas práticas internacionais de controlo migratório", frisou Simão Milagres, porta-voz dos Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) de Angola.
Os cidadãos portugueses foram impedidos de entrar em Angola porque eram portadores de vistos ordinários, e comunicaram à entrada aos agentes do SME que vinham trabalhar para Angola, acrescentou o porta-voz do SME.
"Os acordos celebrados (com Portugal, de facilitação dos vistos de entrada em ambos os países) não anulam a legislação interna angolana", frisou Simão Milagres.
Os portugueses, apesar de viverem muito bem no seu país (só são mais de 800 mil desempregados, 20% de pobres e outros tantos a olhar para os pratos vazios), continuam a aventurar-se por terras angolanas, correspondendo aliás a um repto de Passos Coelho.
Como em tempos dizia o meu amigo Gil Gonçalves, “quando a cabeça não dá para mais nada, a única saída é embarcar para Angola e espoliar mais uns pretos”. Não é só a cabeça que não dá para nada, o próprio país é um deserto e os seus dirigentes uma resistente espécie de parasitas.
Mas, diga-se, a culpa não é só dos portugueses de hoje que, ao contrário dos de ontem, procuram sacar tudo o que podem, começando o exemplo pelos governantes, passando pelos gestores e administradores públicos e restante casta.
A culpa também é dos angolanos que colocaram os de ontem, muitos dos quais deixaram mesmo o cordão umbilical em Angola, ao mesmo nível dos de hoje, ou muitas vezes a um nível bem mais baixo.
Em Angola causa alguma estranheza o facto de, apesar da presença massiva de portugueses, eles nunca serem mencionados nos balanços do Serviço de Migração e Estrangeiros sobre a expulsão de expatriados.
E estranha-se porquê? Porque, mesmo considerando que esses cidadãos são súbditos de sua majestade D. Pedro Miguel Passos Relvas Coelho, as vítimas dos serviços de migração são por regra africanos e, de quando em vez, uns chineses.
E Maio de 2009, o Semanário Angolense dizia que “aos outros imigrantes é exigido o cumprimento da lei, mas aos portugueses não”. E acrescentava: “Muitos até falsificam documentos e dizem-se naturais de Malange – maioritariamente “nasceram” em terras da Palanca Negra –, Huíla, Benguela, mesmo sem nunca lá terem estado”.
E o jornal concluía: “É urgente investigar e descobrir quem promove e protege essa invasão silenciosa de portugueses”.
É verdade que são aos milhares os portugueses africanos que agora nasceram de gestação espontânea, uma espécie de mercenários que nada têm em comum com muitos outros portugueses de outrora, esses sim africanos de alma e coração.
Os novos descobridores vão para a África rica (caso de uma parte de Angola) sacar tudo o que for possível e depois regressam à sua normal e tipificada forma de vida, voltando a ter a porta sempre fechada aos africanos.
Com a conivência consciente de Eduardo dos Santos, que não dos angolanos, Portugal aposta tudo o que tem (lata) e o que não tem (dignidade) nos muitos mercenários que têm as portas blindadas e sempre fechadas, remetendo para as catacumbas todos aqueles portugueses que sempre tiveram a porta aberta.
Como é que se vê a diferença? É simples.
A grande diferença é que os portugueses europeus, os que agora aceleram na tentativa de chegar à cenoura na ponta da vara de Angola, sempre consideraram (quiçá com razão) que até prova em contrário todos os estranhos são culpados.
Já os portugueses africanos, os que deram luz ao mundo, os que choram ao ouvir Teta Lando, Elias Dia Kimuezo, Carlos Lamartine ou os N’Gola Ritmos, entenderam que até prova em contrário todos os estranhos são inocentes.
Em África, os portugueses africanos aprenderam a amar a diferença e com ela se multiplicaram. Aprenderam a ser solidários com o seu semelhante, fosse ele preto, castanho, amarelo ou vermelho. Aprenderam a fazer sua uma vivência que não estava nas suas raízes.
Na Europa, os portugueses aprenderam a desconfiar da diferença e a neutralizá-la sempre que possível. Aprenderam a ser individualistas mesquinhos e a só aceitar a diferença como exemplo raro das coisas do demónio.
Com o re(in)gresso de milhares de portugueses africanos ao Portugal europeu, a situação alterou-se apenas por breves momentos. Tão breves que hoje quase se contam pelos dedos de uma mão os que ainda se assumem como portugueses africanos.
Isto é, muitos dos portugueses europeus que foram para África tornaram-se facilmente africanos. No entanto, ao re(in)gressarem às origens ressuscitaram a velha mesquinhez de um país virado para o umbigo, de um país de portas fechadas. Voltaram a ser apenas europeus.
Nessa mesma leva vieram muitos portugueses africanos nascidos em África. Esses não re(in)gressaram em coisa alguma. Mantiveram-se fiéis às suas raízes mas, é claro, tiveram (e ainda têm) de sobreviver.
Apesar disso, só olham para o umbigo de vez em quando e as suas portas só estão meias fechadas.
Acresce que muitos destes acabaram por constituir vida em Portugal, muitos casando com portugueses europeus. Por força das circunstâncias, passaram a olhar mais vezes para o umbigo e a porta fechou-se quase completamente.
Chega-se assim aos filhos, nados e criados como “bons” tugas europeus. Estes só olham para o umbigo e trancaram a porta. Por muito que o pai, ou a mãe, lhes digam que até prova em contrário todos (brancos, pretos, amarelos, castanhos ou vermelhos) são inocentes, eles já pouco, ou nada, querem saber disso.
Por força das circunstâncias, os portugueses africanos diluíram-se no deserto europeu, foram colonizados e só resistem alguns malucos que, por força dos seus ideais, admitiram que o presente de Portugal poderia estar na Europa, mas sempre e desde sempre tiveram a certeza que o futuro estava em África.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: VIVER SEM COMER, MORRER SEM FICAR DOENTE
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