Mário Soares – Diáriode notícias, opinião
1 - Os jornais europeus começaram a falar com frequência do "combate ao desemprego", como uma necessidade urgente. Segundo dizem dois jornalistas baseados em Bruxelas, Andreu Missé e Miguel Mora, num artigo publicado no El País, do dia 20 do corrente mês de janeiro, "a chanceler Merkel e o Presidente Sarkozy propõem, na próxima Cimeira Europeia, do dia 30, a criação de um plano de crescimento e competitividade para afrontar o desemprego juvenil", que se está a tornar, com efeito, um flagelo europeu. E Portugal, como sabemos, não escapa à regra. Por isso, querem criar facilidades fronteiriças para os que procuram, nos outros países, trabalho que não encontram nos seus próprios Estados.
A questão do desemprego é, como todos sabem, um problema de primordial importância. Porque com um desemprego sempre a subir não há possibilidade de crescimento. E as medidas, chamadas de austeridade, receita principal da dupla Merkozy e da troika, não servirão para nada - bem pelo contrário - aos Estados em dificuldades, mas tão-só aos mercados especulativos. O que quer dizer que os Estados vítimas - que já não são só três, Grécia, Irlanda e Portugal, mas, pelo menos, sete (se contarmos também a Itália, a Espanha, a Eslovénia e, porventura a França) - irão arrastar os outros Estados da Zona Euro e, como parece começar a ser óbvio, a própria Alemanha.
Quem poderá afirmar, em plena recessão económica e com o desemprego a crescer, que o ano em que entrámos - 2012 - não vai acabar muito pior do que nos encontramos hoje? Para que servem então as medidas de austeridade, as contrarreformas que necessariamente acarretam, as destruições paulatinas dos Estados sociais europeus e todas as conquistas sociais, que fizeram, durante várias décadas, o bem-estar das classes menos abastadas e mais carentes da União Europeia?
A verdade é que a chanceler Merkel parece começar a querer ceder, no seu inaceitável dogmatismo neoliberal e mais ainda, por razões próprias, o seu súbdito, Nicolas Sarkozy? Aliás, as eleições presidenciais francesas estão a cem dias de vista e com grande probabilidade vão eleger o novo Presidente, que espero não seja Sarkozy, depois das gafes, erros e tergiversações que cometeu durante o seu primeiro mandato.
Os europeus, apesar de terem eleito, em todos os Estados da Zona Euro, governos ultraconservadores, o que explica muita coisa, começam a perceber que a política de mera austeridade leva à destruição dos Estados sociais e ao "emagrecimento" dos Estados, em defesa dos sacrossantos mercados, não podendo conduzir senão à recessão, que está a minar a União Europeia, aumentando em flecha o desemprego, o trabalho precário, e a própria inovação e competitividade económica. Mesmo a Alemanha começa a dar sinais de ter compreendido isso...
Curiosamente, os Estados Unidos da América - onde nasceu o neoliberalismo - tiveram a perceção disso a tempo, graças à Administração Obama, apesar do cerco político que os republicanos lhe têm feito, Tea Party incluído. Na verdade, o desemprego tem vindo a descer no último ano na América e a economia real parece dar sinais de crescimento, como o sector automóvel é um bom exemplo.
Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, antigo presidente do Banco Mundial e conselheiro do ex-presidente Clinton, passou na semana passada por Lisboa e deu uma interessante entrevista ao Expresso de sábado passado. Aconselho vivamente a sua leitura. Disse ele: "A Europa não está a ajudar a Grécia (como podia e devia, digo eu) e está a tornar as coisas mais difíceis." E acrescenta: "A questão é: irão a Europa e a Alemanha mudar a sua posição? É uma decisão política e ninguém pode prever como a Alemanha vai decidir."
Permito-me lembrar os meus leitores - modéstia à parte - que há muitos meses tenho vindo a escrever, neste mesmo jornal, exatamente o mesmo, citando Stiglitz, Krugman e vários outros economistas de reputação mundial. Mas os dirigentes europeus, obcecados pelo "emagrecimento dos Estados" e pelo poder dos mercados, têm fechado os olhos à realidade. A Europa está agora - todos o reconhecem - à beira da catástrofe. Veremos o que nos traz a cimeira de 30 de janeiro. Porque o tempo urge...
2 - E Portugal? Teremos de reconhecer que a situação começa a ser muito difícil. Para os mais carecidos e os desempregados. O atual Governo, que tem escassos seis meses de existência, não parece ter definido ainda uma estratégia coerente para sair da crise. Parece aceitar, por razões ideológicas, o que a troika dita. Até pode ir um pouco mais além. As linhas necessárias do que devemos fazer, como "bom aluno" que o Governo se preza de ser, impõem medidas de austeridade em diversos planos, com cortes e mais cortes, que afetam os mais carentes, as classes médias, estão a fazer cair Portugal numa recessão profunda, com o desemprego a crescer como nunca, bem como a economia paralela. Para onde caminhamos? Não será para sair da crise, infelizmente, como nos prometeram, mas para a agravar cada vez mais. A esmagadora maioria da população está a perceber que é assim. Por isso, penso - e tenho-o afirmado em sucessivos artigos e conferências - que só a União Europeia nos pode salvar, se tiver a coragem de mudar radicalmente as políticas que tem vindo a aplicar. E puser na ordem os mercados especulativos e as agências de rating.
Na semana passada, o Governo conseguiu, em termos de Concertação Social, um acordo que considerou histórico. Julgo que não o será: terá quanto muito suscitado alguns recuos, em relação ao que inicialmente o Governo desejava. Atrevo-me, aliás, a dizer que não agradou nem ao comum dos trabalhadores nem aos patrões, porque não se vê que a economia real possa crescer nem o desemprego diminuir. E é na base desses dois objetivos fundamentais que se pode vir a ver alguma luz no fim do túnel. O resto é a poeira dos dias...
Não quero ser profeta da desgraça. Mas, sinceramente, não acho - e devo dizê-lo, por mais que me custe - que as contrarreformas que o Governo tem estado a promover, nos ministérios em que alguma coisa mexe - há outros que estão parados -, tentando emagrecer o Estado e as autarquias, está a destruir o Serviço Nacional de Saúde, a diminuir, sem critério, as pensões de reforma, a promover privatizações, entregando de qualquer maneira a grupos estrangeiros as joias do nosso património, a criar no comum dos portugueses - e nos próprios militares e forças de segurança - um descontentamento generalizado e uma falta de confiança nas nossas instituições políticas democráticas, extremamente perigosos para o futuro. Como diz o ditado: "Quem vos avisa vosso amigo é"...
A Itália parece estar a reagir através dos dois Mários - como escreveu num texto muito oportuno Teresa de Sousa, no seu habitual artigo de domingo no Público. Mario Monti, actual Presidente do Governo italiano, reputado tecnocrata, com provas dadas, e Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, que tem a chave na mão para algumas soluções. A mensagem do primeiro é clara: "A austeridade é necessária mas não chega, porque não se combate a dívida sem crescimento económico." E eu acrescento: e sem criar emprego e respeitar a dignidade dos trabalhadores. E o segundo, se tiver coragem para tanto, está na base da solução do problema.
Ora, é isso que o atual Governo tem de perceber rapidamente, pondo de lado - para vencer a crise - a sua conhecida base ideológica. Oiçam os parlamentares europeus portugueses e o que se começa a dizer alto em Bruxelas. A austeridade, sem crescimento económico, pode estimular os mercados especulativos, mas não resolver os problemas dos Estados soberanos nem a situação tão difícil da Europa do euro, no seu conjunto. Quer a Alemanha queira quer não... O Governo português tem de refletir sobre a situação em que o Estado se encontra, ouvir as vozes de bom senso e participar ativamente na cimeira de 30 do corrente, onde estes problemas irão finalmente ser discutidos, alinhando com os Estados vítimas e não com os que con- tinuam a piscar o olho aos mercados e às agências de rating, por mais mal que lhes façam. O momento é o indicado para o fazer, porque Sarkozy, tão respeitador da senhora Merkel, tem as eleições à vista e para as poder ganhar tem de mudar de políticas. A chanceler Merkel começa a ser muito criticada no seu próprio país, o Parlamento Europeu está a reagir e os próprios tecnocratas europeus começam a compreender que a União, se não muda de política, pode desagregar-se. Por isso, estamos no momento de intervir, pondo acima de tudo o interesse nacional, com objetividade e lucidez. Mas não bastam palavras. A hora é de agir.
3 - Há quem aposte na União Europeia. A Croácia, num referendo que ocorreu no domingo passado, decidiu aderir à União Europeia. Por ampla maioria, de resto: cerca de 67% dos votantes disseram sim. Foi algo de muito significativo. Porque quando tanta gente pensa que a União está em pleno descrédito - e está, se não mudar de política - há uma população responsável e com uma longa história que acredita no futuro da Europa e deseja participar nele, como povo europeu que é. Valham-nos estes exemplos!
Sem comentários:
Enviar um comentário