Deutsche Welle
Eleições em Taiwan, neste sábado, mostram que a democracia é compatível com o confucionismo, apesar de autocratas asiáticos afirmarem o contrário. Mas é difícil prever se o exemplo taiwanês um dia influenciará a China.
Na passagem do ano, o presidente da República Popular da China, Hu Jintao, alertou os membros do Partido Comunista para a influência ocidental sobre Pequim. "Forças internacionais hostis" estariam tentando ocidentalizar a China, escreveu Hu em artigo publicado no periódico do partido, Qiushi. Segundo ele, o Ocidente tenta influenciar cultural e ideologicamente a China. O país, advertiu o presidente, deveria atentar para os seus próprios valores.
A nítida divisão que Hu Jintao faz entre valores ocidentais e chineses lembra um debate iniciado pelo então primeiro-ministro de Cingapura, Lee Kuan Yew, na década de 1990: valores asiáticos como diligência, frugalidade, reconhecimento da autoridade e da primazia da sociedade sobre o indivíduo seriam a base do milagre econômico da Ásia Oriental.
A mensagem do chefe de governo de Cingapura era clara: os valores asiáticos seriam incompatíveis com a liberal democracia ocidental. Lee recebeu muitos elogios, particularmente da Malásia, mas também da República Popular da China, ambos sistemas autocráticos.
"Isso certamente foi uma tentativa de legitimar o próprio domínio", comentou o sinólogo Gunter Schubert, da Universidade de Tübingen, sobre o discurso em prol dos valores asiáticos de Lee. "Foi, em última análise, uma tentativa de assegurar as próprias reivindicações de poder", disse Schubert à Deutsche Welle.
Democracia estável em solo chinês
Taiwan é a prova de que um democracia estável é possível também no âmbito cultural chinês. Em meados de 1980, a antiga ditadura militar passou a se transformar gradualmente numa democracia. Em 1986, os oposicionistas fundaram o partido DPP. Um ano mais tarde, o governo nacionalista do partido Kuomitang suspendeu, após 38 anos, a lei marcial. Em 1996 foram realizadas em Taiwan as primeiras eleições presidenciais livres. Desde então, uma democracia próspera se desenvolveu no país.
Em 2000, pela primeira vez desde 1949, o Kuomitang teve de entregar o poder à oposição. Nos últimos 15 anos houve duas alternâncias de poder, e as eleições neste final de semana podem levar a uma terceira. Disputas extraparlamentares, anarquia e caos não ocorreram.
O cientista político Aurel Croissant, da Universidade de Heidelberg, disse estar convencido de que o notável processo de democratização de Taiwan também tem um impacto sobre a China continental. Isso acontece, segundo Croissant, não por influência política direta da pequena Taiwan sobre a grande República Popular da China, mas pelo intercâmbio cada vez maior entre os dois lados do Estreito de Taiwan.
"Taiwan mostra enfaticamente aos interessados no continente que democracia e cultura chinesa não são necessariamente uma contradição", disse Croissant. O desenvolvimento em Taiwan também deixa claro que a democracia em solo chinês não levaria necessariamente ao declínio do desenvolvimento econômico ou ao caos, acrescentou.
Nenhuma repetição do modelo na República Popular da China
No entanto, nada indica que a China venha a adotar o modelo taiwanês. O diretor da Sociedade Alemã de Política Externa, Eberhard Sandschneider, acredita que isso seja difícil já pela diferença de tamanho entre Taiwan e a China.
A democratização de um país que na época tinha 16 milhões de habitantes é relativamente fácil, disse o cientista político. "Quando isso tem de ser feito com um país enorme como a China, quase com dimensões continentais e com 1,3 bilhão de habitantes, isso tem outra dimensão, o que também implica mecanismos completamente diferentes", disse Sandschneider à Deutsche Welle.
Debate sobre a democracia na China continental
Mesmo que o governo chinês se oponha a reformas democráticas, entre os intelectuais do país está em curso um debate aberto e controverso sobre a democracia. Em 2008, o professor da Universidade de Pequim Yu Keping publicou o muito discutido ensaio A democracia é uma coisa boa. Nesse texto, ele descreve as vantagens do sistema democrático, mas também sublinha que a China não está disposta a copiar modelos políticos estrangeiros.
Em dezembro do ano passado, Lai Hairong, diretor do Centro Chinês de Teorias Sociais e Filosóficas Estrangeiras, publicou República Popular e democracia. Na obra, expressa a opinião de que os valores chineses são plenamente compatíveis com uma democracia liberal – e faz referência explícita ao exemplo de Taiwan.
Mesmo que o texto somente reflita a opinião pessoal de Lai e não tenha sido publicado na China, verdade é que o instituto dirigido por ele pertence ao Comitê Central do Partido Comunista Chinês!
Lai Hairong escreve que a República Popular irá gerar instituições democráticas próprias. No entanto, irá surgir uma síntese entre os valores chineses e a democracia liberal, uma síntese semelhante à de outros países da Ásia Oriental, acrescenta. Quando isso vai acontecer, Lai Hairong também não sabe prever.
Autor: Christoph Ricking (ca) - Revisão: Roselaine Wandscheer
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