ORLANDO CASTRO*, jornalista – ALTO HAMA*
O Presidente da República de Portugal falou ao país. Disse o óbvio, quase parecendo que nada tem a ver com o que se passou nos últimos anos. Foi o esperado.
Cavaco Silva adverte que se não houver uma agenda para o crescimento e emprego o país poderá vir a enfrentar uma "situação social insustentável". Novidade? Não. Tudo velho, bem velho.
Foi nesse sentido que, na sua mensagem de Ano Novo, Cavaco Silva deixou um alerta: além de rigor orçamental, a resolução das dificuldades nacionais exige uma agenda para o crescimento e emprego. Pois!
O Presidente lembrou, como se tal fosse necessário, que 2011 foi um ano que "marcou profundamente a vida de muitos portugueses" no plano social, mas antevendo que "no ano que agora começa, as dificuldades não irão ser menores. Esta é uma realidade que não pode ser iludida".
Embora nada adiante, permitam-me que volte a perguntar o que tem andado Cavaco Silva a fazer, pelo menos desde Março de 2002, para além de gozar com a miséria dos outros?
E, como se não bastasse aos portugueses estarem a aprender a viver sem comer, ainda têm de gramar com as teorias do actual presidente da República, Cavaco Silva, que o máximo que consegue dizer é que existe “insuficiência alimentar”.
Dizer a quem passa fome que apenas padece de "insuficiência alimentar" é, digamos, uma poética forma de juntar à barriga vazia dos portugueses um atestado, em papel timbrado da Presidência da República, de menoridade ou estupidez.
Consta, aliás, que Cavaco Silva (que em termos vitalícios só tem direito a 4.152 euros do Banco de Portugal, a 2.328 euros da Universidade Nova de Lisboa e a 2.876 euros de primeiro-ministro) terá até decidido que, por solidariedade com os que sofrem de “insuficiência alimentar”, vai passar a fazer greve de fome… entre as refeições.
Que fique igualmente claro que Cavaco Silva nada tem a ver com o estado a que Portugal chegou. E não tem, registe-se, porque só foi primeiro-ministro de 6 de Novembro de 1985 a 28 de Outubro de 1995, só venceu as eleições presidenciais de 22 de Janeiro de 2006 e só foi reeleito a 23 de Janeiro de 2011.
Bem verdade é que o presidente da República continua a gozar com a chipala dos portugueses. Até parece que só agora chegou à política “made in Portugal”.
Sempre que fala ao país, directa ou indirectamente, Cavaco Silva sacode a água do capote e continua (como se, para além de presidente da República, não andasse há um monte de anos na política portuguesa e sempre nos areópagos do poder) a esquecer-se de que quem não vive para servir não serve para viver.
"Eu disse que se devia ter em conta o limite que se pode exigir ao cidadão comum" e é relativamente a esses "que nós temos que pensar como, neste tempo de dificuldades, assegurar uma vida digna", diz o presidente.
O presidente da República defende, também, um "debate aprofundado" e "com muito bom senso" na Assembleia da República (AR) em matéria fiscal e de justiça fiscal, para evitar "erros" prejudiciais ao país.
"A competência exclusiva em matéria fiscal cabe à AR e o que eu aconselharia é que, nesse domínio, se faça um debate aprofundado, com muito bom senso, tendo presente todas as consequências para o desenvolvimento futuro do nosso país", disse.
O chefe de Estado lembrou que, "às vezes" se cometem "erros", como "já aconteceu noutros países no domínio fiscal", os quais "têm consequências muito negativas para o futuro do país, prejudicando as possibilidades de aproximação aos níveis de desenvolvimento da União Europeia".
Será que os portugueses se recordam que o mesmo Cavaco Silva afirmou que o mal da economia portuguesa estava nas finanças públicas, mas que o "medo" dos políticos dificulta a sua correcção, malgrado defender um quase poder de veto para o ministro das Finanças?
Recordam-se que o também ex-líder do PSD e ex-primeiro-ministro considerava, em Março… de 2002, que Portugal tinha no máximo um ano e meio para inverter a tendência de degradação da situação económica?
Para o também economista, professor universitário e presidente da República, seria, contudo, "muito complicado" para o Governo resolver "o problema mais grave" que afecta a economia portuguesa: a crise nas finanças públicas. Recordam-se?
Será que também se recordam de ele ter dito que “os políticos, como pessoas normais que são, têm medo, e será precisa muita coragem política para adoptar políticas necessárias, mas cuja viabilidade política é duvidosa"?
Ou que Cavaco Silva dizia que a solução passava, necessariamente, por "reforçar os poderes do ministro das Finanças", que devia contar com o apoio incondicional do primeiro-ministro e dispor "de um poder quase de veto sobre os restantes ministérios"?
Recordam-se que também foi ele quem afirmou que o objectivo era assegurar a concretização de medidas que se antevêem impopulares, como as reformas da saúde - apostando na gestão privada dos hospitais públicos - e educação, a extinção de alguns serviços públicos, a contenção nas transferências para as autarquias, o equilíbrio das contas externas e o assegurar de "disciplina" nas empresas públicas?
Ou que era necessário acompanhar "quase à semana o endividamento de determinadas empresas públicas, nomeadamente no sector dos transportes e do audiovisual”?
Recordam-se ainda que Cavaco Silva defendia, quanto à evasão e fraude fiscais, como única solução viável "um claro levantamento do sigilo bancário" sustentando que, mesmo face ao risco de fuga de capitais, "em situação de crise" esta medida se impõe?
E então, se Cavaco Silva afirmava tudo isto há quase dez anos, é caso para perguntar, para voltar a perguntar, para nunca deixar de perguntar, o que tem andado Cavaco Silva a fazer pelo menos desde Março de 2002, para além de gozar com a miséria dos outros?
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: “NOVAS OPORTUNIDADES” PARA EMIGRAR
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