terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

ADECHE!




Arsénio Fermino de Pina* – A Semana (cv), opinião

Exclamação tipicamente mindelense, de pasmo e espanto, que utilizo para qualificar o meu estado de espírito ao ter conhecimento da criação e próxima aprovação do Estatuto Especial para a Praia. Achei sintomático, estimulante e construtivo o Presidente da República se ter pronunciado sobre a necessidade de regionalização, descentralização e estatuto especial para a cidade-capital. Até, no meu entendimento atrevido, me pareceu que poderia ter incluído outros burgos, abarcando o Mindelo, que vem vegetando na indigência desenvolvimentista há largos anos, escandalosamente nos da pós-independência que se criam de pleno e galopante desenvolvimento.

O Estatuto Especial para Praia, no contexto geral de debate que me pareceu defender recentemente o Presidente da República, e até o autarca da Praia, Ulisses Correia e Silva, julgava eu, na minha inocência e boa fé, por tudo levar a concluir isso, que era proposta e ambição para estudo e debate alargado a ser feito, muito embora tenha havido legislação do PAICV sobre a ideia de Região Administrativa-Ilha, e mesmo lei que define as atribuições e competências dos municípios – estatuto - (Lei 134/IV/95 de 3 de Julho?), de que, de resto, ninguém fala, a qual referia a criação de um Observatório das Finanças Locais e da Descentralização, conforme vem citado no trabalho do Professor universitário, Luís Filipe Tavares, apresentado na Praia, em Maio de 2009, como Contribuição e desafios do municipalismo para o desenvolvimento de Cabo Verde.

Mas, não! Não era proposta para estudo aturado e debate. A coisa já vinha sendo cozinhada em segredo dos deuses e pecadores, à socapa, diazá na munde, gatchode, cma cosa de ladroagem, e é agora proposta, e provavelmente será, dada a maioria parlamentar do partido governamental, aprovada, sem que os directamente afectados, aqueles que irão suportar as suas consequências e os que poderiam e se ofereceram a contribuir com o seu know how, se tenham pronunciado. Será, portanto, aprovado de modo discricionário e somente para a cidade da Praia.

Como sou um dos subscritores do Manifesto para a criação de um Movimento para a Regionalização/Descentralização/Autonomia de S. Vicente, e até já escrevi sobre o assunto, sinto-me defraudado na minha expectativa pela pouca reacção da parte oficial às nossas propostas aquando da apresentação do Manifesto. Afinal, o cozinhado da Praia já estava quase pronto a sair do lume para ser servido ao povo, sem que tenha deixado escapar nenhum fumo do lume. Até financiamento pelo Governo Brasileiro já tem! Francamente!

E quando se diz e se escreve que eles – os da Praia e Santiago – “comem tudo e não deixam nada”, embatucam, há vivos protestos, garantindo que não, que isso é bairrismo, como se nós outros fossemos cegos, surdos e fidje de fora sem outros direitos que não migalhas da lauta mesa praiense. Já o disse e repito, ser sempre mau sinal do estado de democracia, quando se diz eles, referindo-se aos governantes, por tal significar que os cidadãos já não se identificam com os governantes, que lhes parecem estranhos.

Que haja um Estatuto Especial para a Praia, como capital do país, ninguém de boa fé pode, nem deve ser contra, mas dentro de um contexto geral, para todo o país, de descentralização, regionalização autonómica politico-legislativa e financeira. Somente limitada à Praia e Santiago é que não, por o país ser uno e indivisível. A Praia, como cabeça do país, poderá merecer, por isso, um penteado particular, mas se o corpo - as outras ilhas, suas vilas e cidades doentes – estiver cheio de sarna, tinha e postema (apostema), estiolar-se-ia.

Haja sensatez! Que se oiçam todas as vozes válidas do país, que se oiçam os cidadãos, a sociedade civil! Que não se façam caixinhas com assuntos tão sérios como este! O concurso de todos é absolutamente necessário e imprescindível. Foi Salgado Zenha que disse ao Primeiro-Ministro Pinheiro de Azevedo, numa ocasião crítica do país em que ele e Spínola queriam ludibriar o povo, que quem não sabe ouvir, não sabe governar. Governe-se com o povo e para o povo, porque os dirigentes são, ou devem ser, como eleitos, os representantes do povo, aqueles que ele escolheu, em quem delegou os seus direitos e poderes e espera que os defendam. Djunga Fotógrafo (João Cleofas Martins), esse nosso filósofo do povo, como lhe chamou o mestre Roque Gonçalves, deverá estar retorcendo-se na cova com o comportamento dos nossos governantes, e mais com a passividade do mindelense, que ele tanto amava, por este parecer estar “intepide de mede” sem ânimo nem para dar um berro de água, de vivo protesto, como um dos personagens de romance de Jorge Amado a quem deram água a beber em vez de cachaça. Até parece que se vive em S. Vicente em dia de mormaceiro que faz emudecer o mindelense. Home, cred!

Um dos problemas actuais dos governos, como nos diz o filósofo e amigo de juventude, José Mendes Gil, é tempo, um outro tempo, mas é o tempo. Eles não param para pensar, têm muita pressa de tomar iniciativas, têm de, têm de… Talvez não tenham de. Podem talvez parar … para ouvir os outros, para meditar nas propostas dos outros a fim de agirem melhor e a contento de todos os cidadãos. Há que entender a cultura de modo diferente. De uma maneira antropológica, a cultura implica relação com todo o território, com toda uma maneira de ser, de viver e de formar uma colectividade.

Caros governantes! Há que respeitar um povo que contornou precipícios terríveis, sinuosos e escorregadios, onde só transita, sem risco de cair, o pé bifurcado da cabra. E ele aí está, mirando aqueles que prometeram melhorar os seus caminhos. Queremos, nós das outras ilhas, caminhar convosco de mãos dadas, em confiança, sem receio que nos pinchem pela ribanceira abaixo.

Parede, Fevereiro de 2012

* Pediatra e sócio honorário da Adeco

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