terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

CARNAVAL E CIDADANIA




João Batista Herkenhoff* - Direto da Redação

Na presença entusiasmada da gente mais simples do povo brasileiro em escolas de samba e blocos de Carnaval, vejo, dentre outros aspectos, a profunda busca de identidade, tão forte na alma humana. Quem pertence a uma escola de samba tem endereço, raiz, deixa de ser alguém sem lenço e sem documento. Vibro com as escolas sim, mas vibro ainda mais com o rosto feliz dos sambistas. Esses rostos me enternecem.

O Carnaval é expressão de cidadania e uma das formas de “ser pessoa”.

A sede humana de identidade e reconhecimento me relembra antigas andanças pelo interior do Estado do Espírito Santo, como juiz. Surpreendi centenas de casos de pessoas sem nome civil. Numa situação de completa marginalização econômica e social – inacreditável para quem não foi testemunha – brasileiros, irmãos nossos, nem nome civil possuíam.

O primeiro “movimento pela cidadania ampla”, que tive a honra de inspirar, como juiz, ocorreu, a partir de 1967, em São José do Calçado, cidade localizada no sul do Estado do Espírito Santo.

A comunidade e o Juiz de Direito – juntos promovemos milhares de registros civis, casamentos civis, correção de prenomes grafados erroneamente, emissão de carteira de trabalho em favor de pessoas que trabalhavam sem carteira, matrícula compulsória de crianças na escola, resgate da história local através de pesquisa e documentação etc.

Houve uma intensa participação de estudantes no “movimento pela cidadania ampla”. Foi um período de profícua vida cidadã dentro dos muros da pequenina, mas pujante comunidade interiorana, contrastando com uma época de obscurecimento da cidadania na vida nacional.

Encontrar a possibilidade de “ser pessoa” numa escola de samba, tornar-se juridicamente “pessoa” pelo registro civil, – leva-me a uma outra reflexão, qual seja, a busca de “ser pessoa”, de ser feliz, na multidão, nas praias apinhadas de gente, no balanço das ondas, no burburinho das vozes, no murmúrio do mar.

“Ser pessoa”, neste caso, é soltar-se, relaxar, aliviar tensões. Todos os entraves que obstaculem a vivência dessa dimensão do “ser pessoa”, como privatizar praias, merecem nosso repúdio.

Ninguém tem o direito de utilizar expedientes espertos para restringir o uso de praias a certas pessoas, ou para cobrar entrada em praias. A praia ainda é um dos poucos bens acessíveis a todos sem exceção. A frequência à praia não apenas constitui agradável descanso, como é um benefício para a saúde, especialmente das crianças. A sociedade civil deve resistir à privatização das praias, através de pressão política e também por meio da “ação popular”.

As praias devem ser bem cuidadas e limpas, com apetrechos próprios à coleta de lixo. Não se deve permitir o convívio pouco higiênico entre pessoas e animais. A prática de certos esportes que incomodam os banhistas deve ser restrita a horários determinados, ou a espaços claramente fixados. Todas as praias devem dispor de serviços de salvamento e de prestação de socorros urgentes. Devem contar com discreto policiamento, de índole sobretudo pedagógica, para que todos possam usufruir fraternalmente desta riqueza brasileira, que são nossas praias. A imensa costa, quase toda constituída de praias, faz do nosso país uma nação privilegiada.

Bela saga do povo brasileiro, nesta luta para “ser pessoa”: o sambista, que se torna pessoa sambando; a comunidade que “faz pessoas” através de uma chamada geral para a cidadania num momento de escuridão (“Faz escuro, mas eu canto”); o povo que trabalha e que sua, que tenta na praia “ser pessoa”, que divisa com esperança o horizonte infinito, esse horizonte que não tem dono – a todos pertence.

* João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. Autor do livro: Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro).

1 comentário:

Anónimo disse...

Odeio Carnaval (crônica)

Eu odeio carnaval. Há algo no ar quando é carnaval que me enjoa e enoja. Odeio o suor, odeio as multidões, odeio as batucadas, os abusados, odeio, odeio, odeio. Sou frígida? Sou fraca? Sou f...? Sou. Meu temperamento é forte, minha raiva é grande e sou teimosa ao cúmulo do infinito. Todo carnaval me chamam, todo carnaval repito: Odeio carnaval.


Por esses dias de festa, enquanto passeava pela rua, vi uma legião ensandecida de foliões alcoolizados. Pensei para mim mesma “Ó! Deus, tenha piedade na alma desses idiotas”. Eram quase quinze pessoas barulhentas correndo pelas ruas travestidas de loucuras. Todas repletas de alegria. Suadas! Casos perdidos de imprudência, de irresponsabilidade… Tão felizes! Tão sujas! Tão livres! Fiquei curiosa, bastante! Como era possível aquilo ser bom? Quando fico curiosa, não há carnaval que me segure. Fui atrás. Segui o grupo. Olhei, olhei, andei, andei. Aos poucos nos aproximamos do epicentro carnavalesco de uma praça. Eu, arrumada, perfumada, sóbria e confusa me vi misturada com aquela escória. O grupo de quinze agora era um grupo de mil. Que nojo, que raiva, que angústia! Como sairia dali? E o calor! Que calorão! Meu Deus! Eu suava! Minha maquiagem derretia, meu cabelo desfazia, minha roupa soltava… Quando pude perceber, já estava parecendo uma foliã. Estava misturada com aquela gente! Não entendia! Qual era a graça? Eu mal escutava meus pensamentos!


Mal escutando meus pensamentos, comecei a sentir a música, comecei a ver a diversão. O nojo continuou, mas a abstração aumentou. De repente quis beber algo quente, não entendia aquela sensação de euforia. Bebi e parei de tentar entender. Virei para o lado e pronto; Meu dia acabou: Era a Barbara! Estudei com ela na escola! Quanto tempo que não a via! Nós dançamos e pulamos e gritamos e sim, sim, sim, suamos… Suamos muito! Que saudades, sempre sentia dela! A noite foi varrida por tanto contentamento que eu mal pude me focar no que fazia ou não fazia ou não não fazia. Temo em dizer que fui anárquica. Passei da conta, cheguei em casa de tal forma que o porteiro pensou que eu era outra. Tive que mostrar a identidade para poder entrar. Dormi feito criança.


Acordei feito velha, com uma dor de cabeça descomunal eu me arrependia. Me arrependia de muita coisa que fiz e que não escrevo aqui por culpa e vergonha. Eu fedia não só ao meu suor já azedado, mas também ao de toda multidão que roçara em mim. Minha roupa, meu cabelo… Uma piada de mau gosto. Com que cara olharia o porteiro? Como sairia na rua? Que desgosto! Que raiva! Que ódio! Maldita euforia! Maldita Barbara! Foliã de m... . Maldita curiosidade. Ai, que sede! Que nojo, que raiva. Não voltarei jamais para aquela baderna! Odeio carnaval. Muito.

Joyce de Almeida Cunha

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