quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A GRÉCIA ENTRE A AUSTERIDADE E A RUA



Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

1. Em meados da semana passada os líderes europeus reuniram-se em Bruxelas para discutir, mais uma vez, o caso grego. O problema que se punha era em si mesmo simples: continuará a Grécia a pertencer à União Europeia e em especial à Zona Euro, recebendo dinheiro fresco da União: cerca de 130 milhões de euros, para impedir a bancarrota e pagar a colossal dívida que tem (juros incluídos)? Ou será obrigada a sair da União, com as consequências gravíssimas, que daí adviriam para a Grécia e os países que se lhe seguiriam e, sobretudo, para o futuro da União Europeia, uma vez perdido um dos seus fundamentos essenciais: a solidariedade, entre os Estados membros?

O debate de Bruxelas foi cerrado, mas sabe-se pouco do que se passou e ainda não terminou. Porque a Grécia está entalada entre as exigências humilhantes da troika e as revoltas de rua, cada vez mais agressivas. Como se viu, com uma violência inaudita no passado domingo.

Situação que, aliás, se põe, embora em menor escala, a outros países europeus, como Portugal, Itália e Espanha, os dois últimos nada menos do que a quarta e a quinta potências europeias. Só isso deveria servir para pôr um travão à austeridade. Mas não. A chanceler Merkel continua a impor medidas de austeridade, extremamente duras, inaceitáveis pelas populações, que conduzem, necessariamente, como hoje já quase ninguém duvida, a mais recessão e maior desemprego, porque recusa mudar de paradigma de desenvolvimento, para sair da crise, que está a afetar gravemente não só o Ocidente (Estados Unidos e União Europeia) mas também os Estados emergentes, o mundo islâmico e, mais ou menos, todos os continentes. Com consequências que podem pôr em causa as nossas Democracias e os Estados de Direito e, porventura, suscitarão novos conflitos armados de extrema gravidade.

A verdade é que a crise que vivemos há quatro anos, 2008-2012, tem uma dimensão porventura maior do que a crise de 1929-33, com as terríveis consequências que teve, com a desgraçada aventura do nazismo, responsável por milhões de mortos que provocou e pelas destruições maciças de uma boa parte da Europa e da Ásia.

As pessoas sensatas começam a compreender o perigo em que estamos e como é indispensável reagir, quanto mais depressa melhor. Só a chanceler Merkel parece não querer ver a realidade e continua a forçar a sua obsessão de quanto mais austeridade melhor. Formada no Leste Comunista alemão e filha de um Pastor protestante, lembra a figura bíblica que dizia: "o pior cego é o que não quer ver"...

A semana que ontem se iniciou vai ocupar-se a tentar diluir o dilema ou, como tem sido costume, a adiar mais uma vez o que interessa fazer. Contudo, o que estamos a ver é que a União Europeia todos os dias está a perder prestígio e a aprofundar a sua decadência. Situação perigosíssima! Como escreveu Jacques Attali na sua coluna do L'Express: "O domínio da Alemanha sobre a Europa não é bom para a Europa nem para a Alemanha." É verdade!

2. A CPLP fezquinze anos.Na passada semana celebrou-se, com pompa e circunstância, o décimo quinto aniversário da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que conta com oito países de fala portuguesa: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Timor; e ainda dois países observadores: a Guiné Equatorial e o Senegal.

Foi inaugurada a Sede, em Lisboa, da CPLP, no Palácio do Conde de Penafiel e, no dia seguinte, Cavaco Silva ofereceu um almoço aos participantes, em que estiveram antigos Chefes de Estado, primeiros-ministros e ministros em exercício dos Estados membros, na Cidadela de Cascais, cujas instalações, agora muito modernas e atraentes, também foram totalmente remodeladas. No terceiro dia, realizou-se um colóquio, muito participado, no salão nobre do Hotel Ritz, intitulado "CPLP - Uma Oportunidade Histórica".

Note-se que a CPLP não é só uma organização de defesa da Língua Portuguesa, falada com sotaques na diversidade e riqueza dos diferentes idiomas. É também uma Comunidade de afetos, de solidariedade, de educação, de intercâmbio das respetivas economias, culturas, saúde e de cooperação entre as diferentes universidades. Não é também apenas - e é importante sublinhá-lo - uma Comunidade de Estados e muito menos de Governos. Pretende ser igualmente - e cada vez mais - uma Comunidade de Povos irmãos, com uma especial atenção dada às pessoas.

É, de resto, um dos aspetos que distingue a CPLP da Common- wealth e da Francofonia. Na Com- monwealth nunca entrou a América do Norte, que é o país onde mais se fala o inglês. Porquê? Porque nas duas Comunidades, inglesa e francesa, houve sempre dois Estados dominantes - o Reino Unido e a França -, enquanto que na CPLP todos os Estados membros são iguais, independentemente da importância das suas populações, do seu tamanho geográfico e riqueza. Do Brasil a Timor.

Aliás, nesse aspeto, importa referir que a colonização portuguesa sempre foi muito diferente das colonizações inglesa, francesa e mesmo espanhola. Porque na colonização portuguesa sempre houve miscigenação entre as diferentes etnias, o que foi, seguramente, uma das nossas riquezas. Lembremo-nos que no início do século XIX, com a fuga para o Brasil de D. João VI - e da Corte -, a capital do império passou a ser no Rio de Janeiro. E quando o rei D. João VI foi forçado pelas Cortes de Lisboa a regressar a Portugal, uma vez expulsos os franceses, foi o seu filho primogénito, D. Pedro I, que ficou no Brasil e proclamou a independência do Brasil, sem disparar um tiro... Nesse particular também há que reconhecer que a independência do Brasil, hoje um dos Estados emergentes dos mais poderosos, foi muito diferente das independências, por vezes sangrentas, dos outros Estados ibero-americanos, de língua espanhola.

Num momento particularmente crítico - em termos nacionais, europeus e globais - a importância da CPLP é particularmente relevante, não só para Portugal como para todos os outros Estados membros. A crise global vai progredindo e não abre exceções. A participação em força de Angola, cuja delegação foi presidida pelo Vice-Presidente, Fernando Piedade Dias dos Santos, e dos antigos Presidentes de Moçambique, Joaquim Chissano, e de Cabo Verde, Pedro Pires, foi muito significativa. Tive pena que o Brasil - que foi no tempo do Presidente Lula da Silva o campeão da CPLP - tivesse, desta vez, primado por uma certa ausência, sendo representado tão-só pelos atuais embaixadores brasileiros em Lisboa, Mário Vilalva e Pedro Motta Pinto Coelho, e pelo nosso querido amigo, ex-embaixador, Lauro Moreira.

Não quero terminar esta breve nota sobre a CPLP sem referir a alma desta cerimónia histórica no décimo quinto aniversário da sua criação: o secretário executivo, Domingos Simões Pereira, que foi o seu incansável e lúcido organizador. No mundo de hoje, tão inseguro e agressivo, a CPLP tem um peso e uma relevância que todos devemos compreender e devem ser salientados, no plano internacional.

3. Duas manifestações significativas.No mesmo dia de sábado passado, houve duas manifestações organizadas pelas respetivas centrais sindicais, em Portugal e Espanha, pelos mesmos motivos: contra o desemprego, que está a tomar proporções devastadoras, nos dois países, e contra os cortes sociais, que os dois Governos de Direita estão a realizar para agradar às instituições, que acreditam nas medidas de austeridade, sem pensar na recessão nem no desemprego. Isto é: sem crescimento económico possível. Em Lisboa, segundo diz a CGTP/IN, manifestaram-se 300 mil trabalhadores, ordeira e pacificamente, vindos de todos os pontos de Portugal. Em Madrid, onde ocorreu uma manifestação semelhante, foi reprimida com bastante violência. Dois estilos, sem dúvida, que revelam o mesmo insuportável mal-estar que, a não ser corrigido, acabará mal para ambos os Estados. Os políticos responsáveis que se cuidem. O desespero é mau conselheiro...

4. Dois pintores de génio. Faleceram na semana passada, quase despercebidos, dois extraordinários pintores ibéricos - e simultaneamente homens de excecional cultura - Fernando Lanhas e Antoni Tàpies, um português do Porto e o outro catalão de Barcelona. Tive o privilégio de conhecer ambos, homens da minha geração, embora com graus de intimidade diferentes.

Júlio Pomar, outro pintor e homem de cultura de invulgar dimensão, foi salvo erro quem me apresentou o seu amigo e colega Fernando Lanhas, no pós-guerra, quando se fundou o MUD Juvenil e todos tínhamos, nos nossos jovens espíritos, um assanhado anti-salazarismo. Depois, Lanhas vivendo no Porto e eu em Lisboa, fomo-nos encontrando espaçadamente, tendo-nos visto e conversado, com mais frequência, depois do 25 de Abril. Foi um homem da Renascença que sempre me espantou pela pluralidade dos seus múltiplos interesses e pela originalidade da sua pintura. Arquiteto, pintor, escultor, foi um curioso da Astrologia, poeta, arqueólogo, melómano, etc. Foi um espírito de exceção e de uma curiosidade insaciável. O seu falecimento representa uma perda imensa para Portugal e para todos os que o conheciam além-fronteiras.

Tàpies foi um pintor dos maiores de Espanha, terra de pintores célebres, no século vinte e nos anteriores. Sem exagero. Um homem também de grande cultura e originalidade, que se pode ver no Museu que tem o seu nome, em Barcelona. Tive o privilégio de visitar o museu numa visita guiada pelo próprio e de participar num inesquecível jantar oferecido por Jordi Pujol, na Generalitat, em que esteve presente Tàpies e também o grande escritor mexicano, prémio Nobel, Octavio Paz. Três grandes personalidades que naquela longa noite me deixaram estupefacto. O seu inesperado falecimento foi uma grande perda para Espanha.

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