domingo, 12 de fevereiro de 2012

JANUÁRIO DOMINGOS REGRESSOU A LUANDA 36 ANOS DEPOIS



Eduardo lobão, da Agência Lusa

Luanda, 12 fev (Lusa) - Nascido em Angola há 64 anos, Januário Domingos voltou a casa 36 anos depois de se ter licenciado na Faculdade de Direito de Lisboa, de ter sido o primeiro gestor hospitalar negro em Portugal, formado em 1985 pela Escola Nacional de Saúde Pública, e de ter constituído família.

Realizado pessoal e profissionalmente -- foi administrador do Hospital Egas Moniz -, Januário Domingos, nascido no Lobito, na província de Benguela, optou por regressar a Angola para abraçar o desafio de contribuir agora para o desenvolvimento da terra natal.

Foi o primeiro a regressar e depois dele segui-se a segunda mulher, esta também nascida em Angola, no Huambo, e para quem o retorno representou também um regresso, 32 anos depois, a uma terra que reaprende a amar depois da partida em 1975, quando tinha apenas nove anos.

Licenciada também em Direito, Ana Paula, 45 anos, trabalhava em Portugal na Siemens e o regresso a Angola causou-lhe natural apreensão.

"Ela dizia-me que não sabia o que podia fazer em Angola. Em que podia ser útil, mas já está a trabalhar. É advogada e uma das administradoras do condomínio onde vivemos, em Viana (arredores de Luanda). Ainda há dias me disse que agora não quer outra coisa senão estar em Angola. Está a ser mais útil do que aquilo que pensava", rematou.

O clã Domingos está quase completo. Só falta juntar-se-lhes o segundo filho do primeiro casamento de Januário Domingos. Dos quatro filhos, dois de cada casamento, apenas um se mantém por Lisboa, a estudar, sem planos de vir para Angola. Os irmãos, nascidos como ele em Portugal, trabalham e estudam em Luanda.

"A mais velha foi a que chegou há menos tempo, em outubro (de 2011). E já está a trabalhar", relata, orgulhoso da formação em Gestão de Empresas da filha no Instituto Superior de Economia e Gestão.

Os dois filhos do primeiro casamento estudam, o rapaz na Escola Portuguesa de Luanda e a rapariga na Universidade Católica.

"Saudades? Tem-se sempre! Tenho 64 anos de idade e 36 anos foram feitos lá. Faculdade, amigos, compadres, etc... claro que tenho saudades. Eu estou muito ligado a Portugal."

Januário Domingos regressou a Angola em 2008, correspondendo ao desafio que lhe foi lançado por um antigo colega da faculdade, o atual Provedor de Justiça de Angola Paulo Tjipilica.

"Sou o consultor jurídico sénior da Provedoria. Sou o braço direito dele. Ele disse-me 'anda cá sofrer um bocadinho pelo teu pais'. Eu, claro, não regateei, porque o meu objetivo quando fui para Portugal era fazer o curso e regressar, só que cá tínhamos a guerra civil. Entretanto constituí família, os filhos já tinham nascido e fiquei a aguardar que crescessem, mas nunca perdi a esperança de regressar ao país e dar aquela mãozinha, aquela ajuda", frisou.

Neste regresso às raízes, Januário encontrou outra Angola, substancialmente diferente da que deixou em 1972 mas cuja evolução acompanhou com regulares idas e vindas, de três em três anos, desde 1986.

"Em Portugal, apesar de ter nacionalidade portuguesa, era visto com angolano. Cá sou visto como português pela família. Quando se referem a mim é 'o nosso tuga'. Mesmo nos círculos políticos, quando se referiam a mim e me descreviam como o único administrador negro lá em Portugal, diziam 'ah, o português! pela forma como fala'", recordou divertido.

Neste voltar a casa Januário apenas lamenta que a sua experiência de gestor hospitalar não seja requerida.

"Infelizmente nessa área não está fácil entrar. O país é que perde a experiência que tenho. No meu regresso digo-lhe que o que menos gostei é o facto de ter encontrado uma postura das pessoas que estão à frente nas instituições, que pensam que nós, que viemos do exterior possamos ocupar determinados cargos. Têm receio de serem relegados para segundo plano", lamentou.

"Um país, como uma mãe, tem filhos de características diferentes. Mas são todos filhos da mesma mãe. Então o que há a fazer é juntar as mãos: nós, com o nosso conhecimento teórico, e aqueles que cá ficaram, conhecem, têm a experiência da realidade. Portanto temos que dar as mãos. Isso tudo junto constitui uma mais-valia para o desenvolvimento do país", considerou.

O que Januário Domingos mais gostou foi a hospitalidade e solidariedade que voltou a encontrar, valores que a guerra civil não conseguiu destruir em Angola, país que, acredita, está a mexer e a mudar.

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