quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O CAPÍTULO GREGO



Baptista Bastos – Diário de Notícias, opinião

Diz uma grega, à televisão: "O vandalismo não é correcto, OK, mas quando o desespero nos consome, que fazer?" A frase nada explica. Mas talvez justifique alguma coisa. E as multidões de gregos atormentados não podem ser cândida e confortavelmente catalogados de "anarquistas". O que está a acontecer na Grécia não deve, apenas, ser atribuído ao descaso e à incompetência dos políticos. Embora a Nova Democracia, partido de direita, onde se acoitam muitos daqueles que apoiaram a ditadura dos coronéis, tenha amplas responsabilidades na situação. Aliás, de uma forma ou de outra, a Nova Democracia esteve sempre no poder, e a actuar consoante as derivas, por exemplo, do PASOK.

O caos grego não tem sido bem explicado. E as "ajudas" externas, com taxas de juro humilhantes, têm acentuado a distorção e quebrado os laços sociais. Os laços sociais sempre se opuseram às lógicas do belicismo. Provinham do conflito moral e político com a ditadura; e, se quisermos, da experiência terrível ocasionada pela guerra civil. A sua inserção no quotidiano, na vida de todos os dias, é um elemento essencial da efectividade com que essas tensões se acumularam. A cólera do povo grego manifesta-se de modo unívoco, e é explicável pelas razões históricas das relações de poder.

Há uma ocultação das responsabilidades, que parece criarem uma impotência na rigorosa explicação dos factos. A quem interessa esta babel de confusão e de discórdia, que alastra pela Europa, e de que a Grécia é reflexo dramático? Qual o país que se segue, na continuidade da dissolução de um projecto que se pretendia harmonioso e solidário? Talvez sejam fáceis e claras as explicações, mas a própria natureza desta balbúrdia, meticulosamente organizada, pode conduzir a conjunturas bem mais trágicas: à guerra, por exemplo.

O cerco feito aos gregos, os vexames a que são submetidos em declarações proferidas por ignaros funcionários estrangeiros, provocam a mais funda indignação naqueles que ainda sentem o rebate da consciência. E a reacção daquele povo resulta da humilhação sistemática de que é alvo.

Sinto uma surda revolta quando ouço os medíocres políticos portugueses dizerem: "Mas nós não somos a Grécia!", sem a noção do peso das palavras e com a desfaçatez de quem nada conhece de história. Não; não somos a Grécia, mas pertencemos-lhe, e a Grécia pertence-nos. Faz parte integrante da nossa condição relacional e da existência cultural e intelectual que nos define. Temos mais ou menos o mesmo número de população, e o percurso das nossas vidas possui traços muito semelhantes. A comparação, depreciativa e sórdida, constantemente feita, assume os contornos de grave insulto.

Na sombra e no silêncio, a conspiração contra a Grécia é um capítulo da insídia que pretende liquidar o sonho europeu. Não o esqueçamos.

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