quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O PAÍS DAS GRANDES INCERTEZAS





1 - Sacrifícios, sim, se houver uma estratégia que os justifique; humilhações, não; somos uma Nação com quase nove séculos de história e com grandes serviços prestados à Europa e invulgar conhecimento do mundo. Vão-se os anéis, se for absolutamente necessário; mas fiquem a honra e a dignidade do nosso Povo...

Vem isto a propósito da situação insegura em que Portugal e a União Europeia se encontram. Nas últimas semanas, com uma agenda complicada e exigente, tenho percorrido uma parte significativa do País. E, consequentemente, tenho falado com muita gente, de todas as condições sociais e opções políticas. Noto que há uma depressão coletiva que se está a generalizar - porque não se vê que futuro será o nosso - e, talvez, mais contido, por enquanto, um descontentamento progressivo, com tendência a transformar-se em revolta.

Penso que o atual Governo não deve menosprezar esta perigosa situação. Para isso, o Governo tem de explicar aos portugueses a estratégia que tenciona seguir e para onde nos conduz. Em palavras simples e claras para serem entendidas. Não pode deixar que as pessoas pensem, como começa a acontecer, que quem nos governa é a troika. Não deve ostentar perante ela uma subserviência chocante. São tecnocratas anónimos os que a representam. E que procedem, na nossa terra, falando alto, dando conferências de imprensa e metendo o nariz em tudo, como se fossem os nossos "patrões", só porque representam os que nos emprestaram dinheiro a juros inaceitáveis. Isto é: fingindo que são nossos simpáticos doadores quando são implacáveis exploradores...

É certo que o argumento sempre utilizado pelo Governo é que "não há dinheiro". Mas talvez não seja bem assim. Há algum dinheiro que tem vindo a escoar-se em "buracos", alguns que são conhecidos, mas que o nosso Zé- -Povinho não soube como aconteceram. Tais como: o BPN, o BPP, e mais recentemente a Caixa Geral de Depósitos, a Madeira, etc., sendo que os presumíveis responsáveis continuam impunes e a Justiça, quanto a estes e a outros casos, mantém-se, silenciosa.

Em suma, pedir "sacrifícios", sim. Alguns são necessários. Mas tornando público o conhecimento de como se esvai o dinheiro dos cortes, quem o gasta e se há uma estratégia coerente para sair da crise. As pessoas precisam de compreender que os sacrifícios não serão em vão e se as vítimas são só os pobres e a classe média, ignorando os especuladores e os poderosos.

2 - A União Europeia à beira do abismo. É certo que muito do que se está a passar em Portugal, tem a ver com a incapacidade dos países que se autoproclamam líderes da Europa, a dupla Merkozy, por exemplo, sem visão estratégica, que mandam nas instituições europeias e nos seus líderes - do presidente à Comissão, do Banco Central Europeu a variadas outras instituições europeias - em vez de por elas serem dirigidos.

De cimeira em cimeira vão fazendo promessas, mas nada se concretiza. Ora a crise vai-se aprofundando e a União tende a desprestigiar-se no plano interno, entre os Estados membros, e no plano internacional. Agora é o Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (MES), que reclama mais austeridade dos Estados devedores, sem tomar em conta o crescimento económico, que está estagnado ou em baixa, e o desemprego, que sobe, assustadoramente. E o Tratado Intergovernamental, que não parece trazer novidades. A ponto de muitos europeus qualificados, dos diferentes Estados membros, estarem a emigrar para os Estados emergentes e outros. Como escreve o Courrier International, no seu último número, cito: "Trata-se de um fenómeno recente, que se acelera. São dezenas de milhares de europeus que abandonam cada um dos seus países, porque a situação económica é terrivelmente problemática. Jovens e menos jovens, são geralmente qualificados e atraídos pelos países que recrutam os atingidos pela crise."

Quem podia prever há alguns (poucos) anos, uma tal situação? Era impensável. E por aí se mede também a decadência da União Europeia e dos líderes políticos medíocres que a têm conduzido...

3 - A Grécia nas mãos da Alemanha. A Grécia foi a primeira das vítimas. Com culpas suas, é verdade. Mas também com muita especulação dos bancos estrangeiros - nomeadamente os alemães -, que muito ganharam com os dinheiros que foram emprestados à Grécia. Quando a crise grega se tornou visível, a Alemanha teria podido facilmente ajudá-la e pôr-lhe fim. Não o fez. A chanceler Merkel, em função da sua obsessão financista, recusou a solidariedade que lhe foi pedida. Pobre Senhora! Ficou sendo, porventura, a principal responsável da situação crítica em que a Grécia e a União hoje se encontram, sem saber como sair dela.

A Grécia tornou-se um caso seriíssimo, não só financeiro, mas também social e político. Não é, porém, o único: a Irlanda e Portugal são as vítimas que se seguem. E que os mercados especulativos espiam. Mas também não estão isolados. A Itália, a Espanha, a Holanda, a Bélgica e a própria França, entre outros Estados membros, não estão isentos de grandes dificuldades. Bem pelo contrário!

Warner Hoyer, recém-presidente do Banco Europeu de Investimentos (BEI), alemão, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus da chanceler Merkel, numa entrevista dada ao Le Monde de sábado, 18 do corrente, escreveu: "Se perdermos a Grécia, isso seria um recuo de várias décadas para a Europa." E eu permito-me acrescentar: um recuo civilizacional que nos atiraria para uma decadência irreversível, que mudaria o mundo. Com conhecimento de causa, Warner Hoyer compara a situação atual "à que existiu na Alemanha antes da reunificação". Tem razão! Nesse tempo, a solidariedade europeia, dos Estados membros, não faltou à Alemanha. Nem antes disso, no pós-II Guerra Mundial, quando perdoou à Alemanha as destruições de que foi responsável. Excelentes tempos esses, em que se manifestou a solidariedade, como fator de paz, e surgiu o projeto tão original e útil da Comunidade Europeia.

4 - A doce França. A França é um país especial, no contexto europeu, desde há séculos. Para não ir mais longe, desde o século das Luzes, passando pela Revolução Francesa e a Frente Popular, a França, pelos seus pensadores, escritores, artistas, cientistas e políticos, tornou--se uma referência mundial. Sem esquecer Paris, a cidade luz e a atenção que sempre despertou nos turistas: os seus monumentos e museus. No século XX sobreviveu a duas guerras mundiais, que não provocou, mas acabou, do lado dos vencedores, graças à resistência francesa.

Contudo, a França, que a maioria dos portugueses conhece bem - tantos foram os que lá estiveram e estão emigrados -, encontra-se hoje numa situação crítica, no quadro europeu, de que foi um dos principais fundadores. Porquê? Porque o mandato do Presidente Sarkozy, sempre saltitante e oportunista, despertou inúmeros opositores. Mas para além disso, a economia francesa entrou, em alguns domínios, em franca decadência, a imigração começa a ser preocupante, sobretudo entre as jovens gerações. Por outro lado, pela primeira vez, surgiu uma imigração islâmica muito numerosa, que tem incomodado o Governo, como Sarkozy tem tornado público, especialmente os imigrantes islâmicos, com origem no Magrebe e no Próximo Oriente.

Sucede que o mandato do Presidente Sarkozy está a terminar, com sondagens que lhe são bastante desfavoráveis. A sua campanha começou há dias e não provocou grande curiosidade nos eleitores. Pelo contrário. O seu principal rival, François Hollande, aparece francamente acima de Sarkozy. Isto, a pouco mais de dois meses das eleições.

A vitória de Hollande - que será uma vitória da Esquerda - implicará uma mudança importante para a União Europeia. Não só por ele próprio o ter dito. Mas também porque o próximo ano - como hoje é claro - trará, provavelmente, outra derrota da Direita, a da chanceler Angela Merkel. Não parece haver dúvidas sobre isso. O que muda tudo. Tanto mais que em Novembro próximo é muito provável que Barack Obama conquiste um segundo mandato. Tenhamos pois esperança, porque uma nova política ajudará a vencer a crise. O mundo mudará, para melhor.

5 - 150 Anos depois. Cento e cinquenta anos depois da publicação dos Miseráveis, de Victor Hugo, Besançon, sua cidade natal, festeja o grande escritor, com leituras, teatro, concertos, conferências, cinema, entre os dias 10 e 26 deste mês. O Le Monde, num hors-série, intitulado "Victor Hugo, o eleito do Povo", descreve o poeta romântico célebre, que tanto influenciou o nosso Guerra Junqueiro e a quem Eça, o realista, se referia chamando-lhe "papá Hugo, todo-poderoso". Mas não só. Ocupa-se igualmente do dramaturgo, do romancista, do político, do revolucionário, amigo do socialista Proudhon e do desenhador. Tenho, aliás, um livro lindíssimo de La Guilde du Livre, de Lausanne, com a reprodução de uma escolha preciosa dos seus desenhos e aguarelas.

Os Miseráveis são um longo romance, uma epopeia simbólica, como lhe chamam, que apareceu em 1862, precisamente quando Victor Hugo tinha sessenta anos e estava no auge das suas capacidades. Foi publicado em várias línguas, no mesmo dia, e entusiasmou a Europa. Democrata e socialista, o autor d'Os Miseráveis fez do seu livro um "hino retórico" aos pobres e aos que lutam por Justiça. Tenho a sorte de ter Os Miseráveis na sua primeira edição (1862) em francês, nos seus dez longos volumes. Mas também tenho edições em papel bíblia, portuguesas e francesas, e a obra quase toda de Hugo. Bem como um livro traduzido em português, Noventa e três, que era do meu Pai e tem uma dedicatória de um seu amigo que diz: "Ofereço-te este livro em que aprendi a amar a República."

Compreende-se, assim, como me agradaram as celebrações que Besançon organizou em honra de Victor Hugo, um dos meus ídolos. Como não posso estar presente deixo-vos aqui, caros leitores, esta breve nota de memória. Quando estive no exílio, em França, fui de propósito à ilha (inglesa) de Jersey, para visitar uma das casas onde viveu Hugo, no exílio. Bem como visitei, em Paris, a sua Casa-Museu, na Place des Voges.

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