terça-feira, 20 de março de 2012

Brasil: A POLÍTICA PARA OS RICOS POR TRÁS DO TSUNAMI MONETÁRIO




J. Carlos de Assis (*) – Carta Maior

Por trás do tsunami monetário existe uma opção de distribuição de renda a favor dos ricos. Ao contrário dos gastos fiscais, que usam empréstimos do setor privado e receita de senhoriagem para financiar o gasto público de infraestrutura e a favor dos menos afortunados, a política de expansão monetária em sua forma atual beneficia só os ricos, pois só eles podem tomar dinheiro na caixa do do Fed e do BCE a custo quase nulo e aplicar a taxas maiores. O artigo é de J. Carlos de Assis.

A investida da presidenta Dilma contra o tsunami monetário promovido pelo Fed e pelo BCE foi um golpe de mestre para justificar a intervenção brasileira no mercado de câmbio através da elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (6%). A Presidenta também advertiu a Europa para a necessidade de políticas desenvolvimentistas, o que é uma boa indicação de que, aqui, vamos controlar os fluxos de capitais e abandonar o ensaio fiscal tosco que nos jogou na quase recessão de 2,7% de aumento do PIB no ano passado.

Faltou dizer uma coisa de que poucos se dão conta: por trás do tsunami monetário existe uma opção de distribuição de renda a favor dos ricos. Ao contrário dos gastos fiscais, que usam empréstimos do setor privado e receita de senhoriagem para financiar o gasto público de infraestrutura e a favor dos menos afortunados, a política de expansão monetária em sua forma atual beneficia exclusivamente ricos, pois só ricos, via bancos, podem tomar dinheiro na caixa do do Fed e do BCE a custo quase nulo e aplicar a taxas maiores.

As políticas de austeridade, nesse contexto, não passam de um truque semântico da tecnocracia para iludir a opinião pública e o meio político. Afinal, como classificar de austeridade a concessão pelo BCE e o Fed de empréstimos aos bancos privados à taxa de 1% ou 0,25%, quando nada se fez para impedir que esses mesmos bancos continuem se lançando ao mesmo tipo de aventuras especulativas fraudulentas que levaram à bancarrota de 2008? E o lado mais espantoso dessa história é que não estamos diante de uma questão moral, mas de eficácia.

Desde a Grande Depressão nos anos 30, sabe-se que política monetária pode travar a economia, mas não tem como estimulá-la. Ou seja, mesmo que a liquidez bancária esteja elevada, os empresários não tomam empréstimos para investir porque não têm confiança na demanda. Em consequência, o dinheiro “empoça”. A metáfora histórica que descreveu o processo aponta a política monetária como um barbante amarrado numa pedra: ele puxa a pedra, mas não consegue empurrá-la.

Por que, então, a Europa, liderada pela Alemanha, dá preferência a política monetária em vez de política fiscal para supostamente reanimar a economia? A resposta já está indicada acima: a política monetária expansionista é sobretudo a favor dos ricos, enquanto a política fiscal tende a beneficiar os pobres através de políticas públicas, assim como o conjunto da sociedade, e não especificamente os ricos, quando se trata de investimentos de infraestrutura. É claro que o protocolo impedia Dilma de dizer isso a Merkel. Mas ela bem que merecia ouvir.

Vejamos um pouco mais. O BCE a contragosto comprou no mercado secundário títulos dos governos italiano e espanhol, assim como da Grécia: supostamente, seria um benefício indireto aos países. Falso. O alívio funcionou para os detentores originais dos títulos que os havia comprado dos governos no passado. Em nenhum hipótese o BCE assegurou liquidez aos governos, mediante compra direta de seus títulos, mesmo porque isso está proibido pelo estúpido Tratado de Maastricht e pelo Paco de Estabilidade e Crescimento que implementou o euro.

É fato que a compra pelo BCE de títulos dos governos europeus no mercado secundário poderia abrir espaço para os governos colocarem novos títulos, conseguindo assim dinheiro novo para financiar suas políticas públicas e até a retomada do crescimento. Isso, contudo, não acontece, nem pode acontecer: os governos estão atrelados a políticas fiscais ditadas pela troika (BCE, FMI, Comissão Européia) que impede qualquer veleidade de política voltada para o financiamento do investimento público novo.

A Europa está assim no pior dos mundos para a população geral, e o melhor dos mundos para os ricos: de um lado, o BCE bombeia dinheiro para os bancos; de outro, falta dinheiro para os governos financiarem as políticas públicas; de outra parte, o setor produtivo privado, temeroso de investir, “empoça” o dinheiro abundante ou se volta para a especulação. De fato, as corporações globais americanas têm em caixa quase 2 trilhões de dólares líquidos para investir, mas não investem. É que, sem aumento do gasto fiscal, não haverá demanda para sustentar o crescimento dos países industrializados, a despeito de sua elevada liquidez.

Há uma situação em que o tsunami monetário pode se voltar contra os ricos: na medida em que gera inflação, diluirá o valor real dos títulos de riqueza líquida não indexados. No curto prazo, porém, essa hipótese é improvável. Com os países industrializados em recessão e uma imensa capacidade ociosa nas economias, e com a menor pressão da economia chinesa (7%) sobre matérias primas, não há espaço para inflação de origem monetária. No médio prazo, quando surgirem sinais de recessão, o Fed e o BCE apertarão mais uma vez a política monetária, gerando recessão e desemprego, e mais uma vez os ricos estarão a salvo.

(*) Economista, professor da UEPB, autor com Francisco Antônio Doria do recém-lançado “O universo neoliberal em desencanto”, editado pela Civilização Brasileira.

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