terça-feira, 6 de março de 2012

Brasileiros descendentes de escravos africanos enfrentam demora...




... no reconhecimento de terras

Sol – Lusa, com foto

Os quilombolas brasileiros, que se dizem descendentes de africanos escravizados, apesar de «integrados na sociedade brasileira», ainda estão sujeitos a um reconhecimento de terras «muito burocrático e demorado», diz Hermínia Ribeiro, do Instituto Marquês de Valle-Flôr (IMVF).

«O facto de não terem o registo das terras onde vivem há séculos causa uma série de entraves ao seu próprio desenvolvimento», destaca a coordenadora do projecto «o percurso dos quilombos: de África para o Brasil e o regresso às origens», que chega ao fim na quarta-feira com um seminário internacional na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Não se sabe o «número certo» de quilombolas, mas estima-se que existam, só no Brasil, «mais de três mil quilombos» - povoações onde vivem os auto-intitulados «remanescentes de escravos» –, originários da Guiné Bissau (sobretudo de Cacheu) e de Cabo Verde, segundo refere Hermínia Ribeiro.

Estas comunidades – que existem em «quase toda a América Latina» – mantêm «algumas tradições e todo um legado histórico».

Hoje, os quilombolas «estão integrados na sociedade brasileira», mas continuam sujeitos a alguma marginalização. «Os seus direitos ainda não estão todos reconhecidos», afirma a responsável do IMVF, organização não-governamental para o desenvolvimento portuguesa que trabalha com quilombolas desde 2004.

Segundo a lei brasileira, os quilombolas «têm os mesmos direitos do que os indígenas, são mesmo classificados como um povo», mas ainda é preciso «algum trabalho», sustenta a coordenadora, lamentando que a titulação das terras dos quilombolas, regulamentada em 2003, seja «um processo muito burocrático e demorado», que tem sido contestado por fazendeiros, culminando em invasão de terras e até em mortos.

Na última década, «menos de dez por cento» dos três mil quilombos foram recenseados para os processos de reconhecimento de terras, segundo Hermínia Ribeiro.

O seminário internacional que se realiza na quarta-feira pretende «dar a conhecer à opinião pública europeia» o balanço de um projeto de três anos, em que o IMVF procurou «promover a cultura como fonte de rendimento e valorização da identidade» entre os quilombolas do estado brasileiro do Maranhão.

O projecto, co-financiado pela Comissão Europeia e pela cooperação portuguesa e que contou com parceiros locais, continuará a existir através de um portal online, mas já sem financiamento. Entre outras iniciativas, incluiu intercâmbios culturais e um documentário, realizado por Paulo Nuno Vicente e com direcção de imagem de Luís Melo, que será mostrado pela primeira vez na quarta-feira.

O seminário contará, na sessão de abertura, com Domingos Simões Pereira, secretário-executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), e Manuel Correia, presidente demissionário do IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento). Ao longo do dia, historiadores, investigadores e quilombolas vão debater a cultura deste povo.

A semana dedicada pelo IMVF à cultura quilombola prosseguirá com um programa de conferências e debates em várias câmaras municipais e escolas portuguesas.

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