Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior
Fica difícil saber o que está incomodando mais o conservadorismo católico e seus porta-vozes: se a decisão pela retirada dos crucifixos das salas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ou o fato dela ter resultado de uma iniciativa da Liga Brasileira das Lésbicas e de outras entidades de defesa dos direitos de homossexuais.
É notável a quantidade de falácias e preconceitos que vêm sendo esgrimidos em público contra a decisão de retirar os crucifixos das salas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Olhando para alguns dos artigos publicados recentemente, especialmente no jornal Zero Hora, fica difícil saber o que está incomodando mais o conservadorismo católico gaúcho e seus porta-vozes mais ou menos envergonhados: se a decisão pela retirada dos crucifixos ou o fato dela ter resultado de uma iniciativa da Liga Brasileira das Lésbicas e de outras entidades de defesa dos direitos de homossexuais.
O ex-senador Paulo Brossard não escondeu seu, digamos, desconforto. Em artigo intitulado Tempos Apocalípticos (ZH – 12/03/2012), Brossard critica a decisão “atendendo postulação de ONG representante de opção sexual minoritária”. No artigo, isso é dito logo após o ex-senador revelar que a filha, Magda, advertiu-o de que “estamos a viver tempos do Apocalipse sem nos darmos conta”. A única associação feita no artigo ao Apocalipse é com a iniciativa desta “opção sexual minoritária”. No final, Brossard “confessa” surpresa com “a circunstância de ter sido uma ONG de lésbicas que tenha obtido a escarninha medida em causa” e pergunta se a mesma entidade vai propor “a demolição do Cristo que domina os céus do Rio de Janeiro”.
Como jurista, Brossard deveria saber que o princípio da separação entre Estado e Igreja não implica, absolutamente, “a demolição do Cristo que domina os céus do Rio de Janeiro”. Aqui, o preconceito e a falácia andam de mãos dadas (como aliás, costuma acontecer). O que mais essas lésbicas vão querer agora? Demolir o Cristo Redentor? Acabar com o Natal?
A mesma dobradinha entre falácia e preconceito é exibida no artigo O crucificado, do jornalista Flávio Tavares (ZH – 18/03/2012), que também questiona a motivação das lésbicas e mesmo a legitimidade de sua organização, advertindo para perigos futuros. Tavares sugere que pode ser tudo ressentimento: “Desejarão as lésbicas repetir a intolerância de que foram vítimas?” – escreve, questionando se a liga que as representa não “é mero papel timbrado, como tantas no Brasil?” E adverte para os riscos de acabarem com o Natal e os feriados religiosos.
“Dizer que somos um Estado laico que não admite símbolos religiosos é falso e inadmissível. A ser assim, teríamos de terminar com o Natal e os feriados religiosos que pululam pelo calendário”.
Ao contrário de Brossard, o jornalista ainda poderia merecer o desconto de seu evidente desconhecimento a respeito do teor do princípio de separação entre Estado e Igreja, que não proíbe o uso de símbolos religiosos ou a prática de manifestações religiosas pelas pessoas. Ao contrário do que o jornalista e o jurista dizem, a proibição de símbolos religiosos em repartições públicas não é uma medida intolerante que desrespeita a liberdade de culto. É exatamente o contrário. No caso brasileiro, como a Igreja católica não é a religião oficial do Estado (como nenhuma outra o é, aliás), como existem outras religiões no país, e como vale aqui o princípio da liberdade de culto, o Estado e suas instituições, como o Judiciário, deve se manter equidistante das preferências religiosas particulares de seus cidadãos e cidadãs.
O Estado laico ou secular foi inventado, entre outras coisas, para garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, inclusive a liberdade de não ter religião. A ideia é evitar que alguma religião em particular exerça controle ou interfira em questões políticas.
Todos os doutos juristas que vêm se manifestando a respeito do tema sabem disso, obviamente, ou deveriam saber, ao menos. A invenção do Estado laico foi regada com muito sangue e injustiça. Muito sangue, aliás, derramado pela própria Igreja Católica, que torturou e queimou milhares de pessoas na fogueira. Se há juristas interessados em ostentar em suas salas um símbolo de injustiça, poderiam, por exemplo, colocar na parede um retrato de Giordano Bruno, submetido a um “julgamento ultrajante”, brutalmente torturado e mutilado antes de ser queimado na fogueira.
A religião do Estado republicano é a Constituição. É para isso, entre outras coisas, que foi criada essa coisa chamada República. Nem sempre foi assim. Chegou-se a isso após muito sangue, injustiça e intolerância. A República é tolerante e generosa com a diferença. Ela não exige, por exemplo, que os templos religiosos coloquem uma Constituição na parede.
Mas tem gente com medo do iminente apocalipse que se aproxima. Esses dias terríveis onde as lésbicas – essa “opção sexual minoritária”, como diz Brossard – têm o poder de influir no que ocorre no interior dos tribunais. Como bom católico que é, Brossard foi pedir ajuda ao guardião da fé Dom Dadeus Grings, um ferrenho crítico dos direitos dos homossexuais e um revisionista do Holocausto. O diálogo pode ter sido mais ou menos assim: “Antigamente não se falava em homossexual”, reclamou, saudoso, Dom Dadeus a Brossard. “Minha filha Magda disse que é o Apocalipse”, respondeu o ex-ministro do STF…Pausa para um sinal da cruz.
Essas lésbicas são terríveis. Só falta elas pedirem agora o fim da isenção de impostos para as igrejas. É o fim dos tempos…
O ex-senador Paulo Brossard não escondeu seu, digamos, desconforto. Em artigo intitulado Tempos Apocalípticos (ZH – 12/03/2012), Brossard critica a decisão “atendendo postulação de ONG representante de opção sexual minoritária”. No artigo, isso é dito logo após o ex-senador revelar que a filha, Magda, advertiu-o de que “estamos a viver tempos do Apocalipse sem nos darmos conta”. A única associação feita no artigo ao Apocalipse é com a iniciativa desta “opção sexual minoritária”. No final, Brossard “confessa” surpresa com “a circunstância de ter sido uma ONG de lésbicas que tenha obtido a escarninha medida em causa” e pergunta se a mesma entidade vai propor “a demolição do Cristo que domina os céus do Rio de Janeiro”.
Como jurista, Brossard deveria saber que o princípio da separação entre Estado e Igreja não implica, absolutamente, “a demolição do Cristo que domina os céus do Rio de Janeiro”. Aqui, o preconceito e a falácia andam de mãos dadas (como aliás, costuma acontecer). O que mais essas lésbicas vão querer agora? Demolir o Cristo Redentor? Acabar com o Natal?
A mesma dobradinha entre falácia e preconceito é exibida no artigo O crucificado, do jornalista Flávio Tavares (ZH – 18/03/2012), que também questiona a motivação das lésbicas e mesmo a legitimidade de sua organização, advertindo para perigos futuros. Tavares sugere que pode ser tudo ressentimento: “Desejarão as lésbicas repetir a intolerância de que foram vítimas?” – escreve, questionando se a liga que as representa não “é mero papel timbrado, como tantas no Brasil?” E adverte para os riscos de acabarem com o Natal e os feriados religiosos.
“Dizer que somos um Estado laico que não admite símbolos religiosos é falso e inadmissível. A ser assim, teríamos de terminar com o Natal e os feriados religiosos que pululam pelo calendário”.
Ao contrário de Brossard, o jornalista ainda poderia merecer o desconto de seu evidente desconhecimento a respeito do teor do princípio de separação entre Estado e Igreja, que não proíbe o uso de símbolos religiosos ou a prática de manifestações religiosas pelas pessoas. Ao contrário do que o jornalista e o jurista dizem, a proibição de símbolos religiosos em repartições públicas não é uma medida intolerante que desrespeita a liberdade de culto. É exatamente o contrário. No caso brasileiro, como a Igreja católica não é a religião oficial do Estado (como nenhuma outra o é, aliás), como existem outras religiões no país, e como vale aqui o princípio da liberdade de culto, o Estado e suas instituições, como o Judiciário, deve se manter equidistante das preferências religiosas particulares de seus cidadãos e cidadãs.
O Estado laico ou secular foi inventado, entre outras coisas, para garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, inclusive a liberdade de não ter religião. A ideia é evitar que alguma religião em particular exerça controle ou interfira em questões políticas.
Todos os doutos juristas que vêm se manifestando a respeito do tema sabem disso, obviamente, ou deveriam saber, ao menos. A invenção do Estado laico foi regada com muito sangue e injustiça. Muito sangue, aliás, derramado pela própria Igreja Católica, que torturou e queimou milhares de pessoas na fogueira. Se há juristas interessados em ostentar em suas salas um símbolo de injustiça, poderiam, por exemplo, colocar na parede um retrato de Giordano Bruno, submetido a um “julgamento ultrajante”, brutalmente torturado e mutilado antes de ser queimado na fogueira.
A religião do Estado republicano é a Constituição. É para isso, entre outras coisas, que foi criada essa coisa chamada República. Nem sempre foi assim. Chegou-se a isso após muito sangue, injustiça e intolerância. A República é tolerante e generosa com a diferença. Ela não exige, por exemplo, que os templos religiosos coloquem uma Constituição na parede.
Mas tem gente com medo do iminente apocalipse que se aproxima. Esses dias terríveis onde as lésbicas – essa “opção sexual minoritária”, como diz Brossard – têm o poder de influir no que ocorre no interior dos tribunais. Como bom católico que é, Brossard foi pedir ajuda ao guardião da fé Dom Dadeus Grings, um ferrenho crítico dos direitos dos homossexuais e um revisionista do Holocausto. O diálogo pode ter sido mais ou menos assim: “Antigamente não se falava em homossexual”, reclamou, saudoso, Dom Dadeus a Brossard. “Minha filha Magda disse que é o Apocalipse”, respondeu o ex-ministro do STF…Pausa para um sinal da cruz.
Essas lésbicas são terríveis. Só falta elas pedirem agora o fim da isenção de impostos para as igrejas. É o fim dos tempos…
*Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)
9 comentários:
Não sou gaúcho. Modestamente, apenas brasileiro. Fosse, estaria ainda mais envergonhado do que estou com a decisão tomada pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que acatou um pedido da Liga Brasileira de Lésbicas e de algumas outras entidades para que sejam retirados todos os crucifixos e outros símbolos religiosos das repartições da Justiça do Estado. Justificativa: o estado é laico. Publiquei uma pequena nota na noite de ontem, e muito gente apoiou a decisão. Publiquei, diga-se, as opiniões que não vieram acompanhadas de boçalidades anti-religiosas. Vamos lá.
O estado brasileiro é laico, sim, mas não é oficialmente ateu ou anti-religioso. E vai uma grande diferença entre uma coisa e outra. A República brasileira não professa um credo, mas não persegue crenças e crentes. Que dias estes que estamos vivendo! O cristianismo está profundamente enraizado na história e na cultura do Brasil. Os crucifixos não estão em tribunais e outras repartições para excluir, humilhar, discriminar, impor um valor ou qualquer coisa do gênero.
Ao contrário até: basta ater-se aos fundamentos dessa fé, mesmo quem não tem fé, para constatar que os valores éticos que ela reúne constituem o fundamento — eis a verdade — da moderna democracia. Sim, meus queridos, foi o cristianismo que inventou a igualdade entre os homens. E não, isso não quer dizer que sua história tenha sido sempre meritória.
Por que a Liga Brasileira das Lésbicas — E ME FAÇAM O FAVOR DE NÃO CONFUNDIR ESSE GRUPO MILITANTE COM MULHERES LÉSBICAS, TOMADAS NA SUA INDIVIDUALIDADE — não pede a demolição da Catedral de Brasília, plantada na Esplanada dos Ministérios? Por que não pede que o Rio ponha abaixo o Cristo Redentor? Urge mudar o nome de São Paulo, de Santa Catarina, do Espírito Santo, de São Luís, de centenas de cidades brasileiras que refletem a óbvia importância que o cristianismo, especialmente o catolicismo, teve entre nós.
Os que entraram com essa ação ridícula, acatada pelo Conselho da Magistratura, agem à moda do Taliban, que destruiu, em 2001, os Budas de Bamiyan, no Afeganistão, que datavam, no mínimo, do século 7 porque consideraram que eles ofendiam a fé islâmica. No Brasil, cuida-se agora de outro fundamentalismo.
Notem bem: se alguém propusesse uma lei que obrigasse repartições públicas a exibir o crucifixo, eu estaria entre os primeiros a protestar. Retirar, no entanto, os que foram herdados de uma tradição cultural, religiosa e civilizacional, bem, isso é um crime contra a nossa história, cometido para satisfazer vocações fundamentalistas. Os doutores e a tal liga das lésbicas que me perdoem, mas estão jogando no lixo ou mandando para o armário valores como igualdade entre os homens, caridade e… justiça! O cristianismo, prova-o a história, é também umas das primeiras correntes de pensamento realmente influentes a proteger a vida e os direitos das mulheres — à diferença do que pretende essa militância boçal.
Isso nada tem a ver com laicismo do estado. O que se caracteriza, aí sim, é perseguição religiosa. Não tenho dúvida de que muitos dos defensores dessa medida não hesitariam um segundo em defender também o “direito” de tribos indígenas brasileiras que praticam o infanticídio. E o fariam sob a justificativa de que se trata de uma tradição cultural…
TEXTO DO BLOGUEIRO REINALDO AZEVEDO
Estava esquecendo: não sou o tipo de homem que acha bonito ver duas mulheres se pegando, e tenho o direito humano de pensar assim.
Só em novelas e em revistas do nível da CARTA CAPITAL que brasileiro coloca o homossexualismo em um pedestal.
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