Sandro Fernandes, Moscou – Opera Mundi, com foto Efe
Falta de alternativas viáveis deve garantir neste domingo eleição do premiê, que vê seu modelo governo contestado na internet e nas ruas pela emergente classe média
A vitória de Vladimir Putin nas eleições presidenciais da Rússia do próximo domingo (04/03) é tida como certa. Quase todos os especialistas e institutos de pesquisa apontam uma vitória folgada, com pelo menos 60% dos votos, sem a necessidade de segundo-turno.
No entanto, desde os escândalos de fraude nas eleições legislativas de dezembro do ano passado, a aparentemente tranquila candidatura do ex-presidente e atual primeiro-ministro se viu ameaçada e contestada por parte da população. O partido governista Rússia Unida perdeu a maioria constitucional na Duma (Câmara de Deputados), apesar de continuar com uma ligeira maioria absoluta, e milhares de russos foram às ruas, desafiando o rigoroso inverno, para exigir eleições justas.
A figura forte a autoritária de Vladimir Putin, criada nos dois primeiros mandatos como presidente (2000-2008), deu lugar a um líder fragilizado pela pressão da classe-média urbana e por uma oposição que, apesar de fragmentada, não parece disposta a perder a oportunidade de forçar uma alteração do sistema político russo, aproveitando o intenso clima de participação popular.
O russo da década passada, distante da política e confiando cegamente no político que tiraria o país do caos do fim da década de 90, já não existe. O medo de que o país voltasse a ser controlado pelas máfias e que mais uma vez houvesse filas quilométricas até para comprar pão, típicas da época de Boris Yeltsin, povoava a mente da população. E este medo fez com que em 2000 e 2004, respectivamente com 53,4% e 71,9%% de votos, os russos depositassem a confiança no ex-oficial da KGB.
Putin era a personificação da estabilidade e do líder rígido que colocaria a Rússia mais uma vez entre as potências mundiais. Durante toda a década, o aumento do preço do gás e do petróleo permitiu que pouco a pouco o país saísse da crise econômica e do desgoverno dos anos que seguiram o fim da União Soviética, consolidando-se como uma das economias emergentes. Enquanto isso, Putin desenhava dentro do Kremlin um modelo de governo centralizado na figura do presidente e ligado a poucas figuras de confiança, quase todos pertencentes ao grupo denominado siloviki – políticos que antes de assumirem cargos de confiança no governo eram militares ou membros das agências de segurança. De acordo com a revista New Times, Putin e o seu círculo de amigos controlam 15% do PIB russo.
Autoritarismo e reação popular
Em 2004, após a Revolução Laranja na vizinha Ucrânia, seguida do massacre da escola em Beslan por extremistas tchetchenos, Putin alterou a Constituição e eliminou as eleições diretas pra governador das 83 províncias da Rússia, utilizando a segurança nacional como justificativa para a decisão. Todos estes cargos, incluindo os prefeitos das cidades federais – São Petersburgo e Moscou – passaram a ser apontados pelo Kremlin.
Em 2006, o financiamento de ONGs russas com capital estrangeiro se transformou num processo quase impossível. O Kremlin acusava as ONGs de receberem dinheiro de grupos internacionais interessados em desestabilizar o país.
Enquanto Putin colocava em prática um novo modelo de governo, os russos começaram a desfrutar das maravilhas do capitalismo recém-instaurado, lotando os resorts do Mediterrâneo e fazendo a alegria dos lojistas da Europa e dos Estados Unidos, com sua fama de generosos gastadores.
Mas a população russa mudou nos últimos anos, não somente devido ao surgimento de uma classe média urbana, mas também pela inserção destes russos na interatividade das redes sociais, que tiveram um papel fundamental na organização de todos os atos.
A primeira manifestação contra o resultado das eleições legislativas aconteceu no dia 5 de dezembro e marcou um novo momento na história política do país. Para muitos russos, era a primeira vez participando de um protesto. No sábado seguinte (10/12), 50 mil russos foram às ruas para criticar as evidências de fraude eleitoral. Logo após o protesto, Putin apareceu na televisão dizendo que os balões que os manifestantes carregavam pareciam preservativos. A piada deixava claro que o Kremlin não tinha dimensão ainda do que ainda estava por vir.
Mudanças à vista
Putin ganhará no domingo, com ou sem fraudes, mas os seis anos de mandato não serão fáceis. “Se Putin não começar a mudança da estrutura de poder o quanto antes, ele corre o risco de perder o controle da situação. O problema é que não existe nenhum partido ou movimento organizado que possa assumir este poder. Putin precisa agir ou as conseqüências podem ser desastrosas para a Rússia. A centralização que ele implementou em 2000 foi importante devido à desordem generalizada do país, mas a situação agora é outra”, explica Fiona Hill, do Instituto Brookings.
A apresentadora de TV Ksenya Sobchak, uma das novas lideranças da oposição diz não acreditar que o regime de Putin consiga se manter pelos seis anos. “Este movimento de oposição vai ganhar força e isso pode gerar grandes problemas na Rússia, uma revolução ou um golpe de Estado”, declara a jovem, cuja família é uma tradicional aliada do Kremlin (o pai de Ksenya Sobchak, Anatoly Sobchak, foi prefeito de São Petersburgo após o fim da União Soviética e era amigo pessoal de Putin).
Vladimir Putin parece estar disposto a dar uma guinada na sua forma de governar. Em recente declaração ao jornal Kommersant, afirmou que “a Rússia precisa ser um país mais democrático e lutar contra a corrupção”. E os primeiros passos para uma mudança parecem já ter sido dados. Nos últimos três meses, o Kremlin prometeu uma reforma política que diminua para 5% o mínimo de votos para que um partido possa eleger deputados na Duma (hoje o mínimo é de 7%), além da restauração das eleições diretas para governadores e da criação de um canal de televisão estatal controlado por representantes de diversos grupos da sociedade civil.
O desgaste do partido Rússia Unida, apelidado pela oposição de “Partido de Vigaristas e Ladrões” também preocupa a base governista. A criação de outro partido e a formação de um sucessor para Putin são tidos como opções para os próximos anos.
O futuro
Há duas semanas, Andrei Kostin, chefe-executivo do banco estatal VTB, escreveu um artigo num jornal local onde dizia que “depois de ganhar as eleições, Putin deve prometer que não voltará a se candidatar”. A oposição teme que Putin seja eleito este ano, reeleito daqui a seis anos e que em 2024, quando já não possa se candidatar, coloque Medvedev outra vez ou outra pessoa de confiança no governo, enquanto ele passaria a ser outra vez o primeiro-ministro. A dança da cadeira no Kremlin poderia durar mais do que o inicialmente previsto.
“Viveremos com um líder autoritário enfraquecido”, explicou a jornalistas Lev Gudkov, diretor do Centro Levada, organização independente de pesquisa de opinião. “E essa situação não agrada a ninguém”, completa. Em 2010, quando incêndios devastaram milhares de hectares no verão russo, Vladimir Putin apareceu em rede nacional sobrevoando com bombeiros as áreas afetadas e controlando o fogo na região. Imagens do presidenciável Putin caçando ou sem camisa foram comuns na última década. No entanto, “a maioria pró-Putin já acabou ou está próxima de acabar. Pouco mais da metade da população ainda se impressiona com a propaganda do regime putinista”, opina Mikhail Dmitriev, diretor do Centro para Pesquisa Estratégica de Moscou, um think tank que escreveu o primeiro programa presidencial de Vladimir Putin. E acrescenta: “Putin provavelmente não cumprirá todo o mandato e terá que encontrar um sucessor confiável, da mesma forma que Yeltsin fez com ele no fim de 1999”.
Um dos chefes de campanha de Putin declarou esta semana que “ele (Putin) pode governar com qualquer nível de popularidade. A única coisa que ele precisa é ter confiança em si próprio e o apoio de algumas poucas pessoas próximas a ele”.
Com 45 milhões de usuário de internet e 18% da população pertencendo à classe média (40% se contamos somente em Moscou), o modelo putinista parece insustentável a longo prazo e o Kremlin terá que se adaptar ou corre o risco de enfrentar mais uma onda de protestos.
“Intuitivamente, Putin é autoritário. Se ele escolher uma via mais liberal e democrática, vai ser uma decisão racional, não o que o coração dele diz. Putin terá que tomar decisões sob pressão porque está acuado, com medo”, explica Olga Kryshtanovskaya, membro do partido Rússia Unida e uma das chefes de campanha do atual primeiro-ministro.
Em parte da rede, porém, a campanha pró-Putin é forte. A oposição denuncia que ativistas pró-Kremlin estão sendo pagos para deixar comentários em páginas da oposição e estes ativistas já ficaram conhecidos como o “Exército dos 30 rublos”, já que recebem esta quantia, equivalente a menos de dois reais, por cada mensagem publicada.
Falta de alternativas
As três televisões que cobrem todo o território da Rússia exibem documentários quase diariamente mostrando os pontos positivos de Putin. Os três canais são controlados, direta ou indiretamente, pelo Kremlin. Em geral, a mensagem é a mesma – não há alternativa. E parece realmente não haver.
Putin concorre com outros quatro candidatos. Gennady Zyuganov, líder do Partido Comunista, é o que apresenta melhores índices de apoio popular, com intenções que chegam a 16% nos números mais otimistas. O Partido Comunista conseguiu quase 20% dos votos nas eleições legislativas de dezembro, mas parece não ter fôlego para levar Putin para um segundo-turno. Apesar de se afastar cada vez mais do comunismo soviético, o partido ainda apresenta altas taxas de rejeição, principalmente entre a população jovem urbana e a classe média.
A segunda alternativa é o Partido Liberal-Democrata, representado pelo polêmico e anedótico Vladimir Jirinovsky. O partido, que não tem um programa político nem liberal nem democrata, possui um forte discurso nacionalista, e defende, entre outras coisas, um maior controle de fronteiras e leis imigratórias mais rígidas. Jirinovsky conta com 8% das intenções de votos.
A terceira alternativa à onipresença de Vladimir Putin é o bilionário Mikhail Prokhorov (foto ao lado), que concorre sem sigla partidária. Prokhorov foi lançado no meio do ano passado como líder do partido Causa Direita, mas foi expulso do partido em setembro. O Causa Direita é um partido pró-Kremlin, de tendência liberal, que pretendia atrair a classe média e os empresários em torno de um projeto que não se opusesse ao partido majoritário Rússia Unida.
As ambições políticas de Prokhorov resultaram na sua saída do partido, mas muitos analistas e eleitores temem que o bilionário seja somente um projeto do poder central para fragmentar ainda mais a oposição. Prokhorov conta com 6% de apoio para as eleições.
E por último, o menos midiático dos candidatos, Sergei Mironov, do Partido Rússia Justa, que conta com 5% das intenções de votos. O partido nunca foi visto pelo Kremlin como um autêntico opositor e apoiou o atual presidente Dmitri Medvedev em 2008.
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