Deutsche Welle
Morte de 16 civis por militar americano agrava a crise entre Cabul e Washington, que negociam pacto estratégico após mais de dez anos de guerra. Presidente afegão exige explicações. Talibãs prometem vingança.
O movimento Talibã prometeu vingança nesta segunda-feira (12/03), depois de um soldado norte-americano matar 16 civis afegãos no domingo. O massacre acendeu uma nova crise nas já frágeis relações entre os Estados Unidos e o Afeganistão. O incidente pode afetar os esforços de Washington para chegar a um acordo estratégico com o governo em Cabul que garanta a presença norte-americana no Afeganistão em longo prazo.
O soldado norte-americano deixou sua base armado e com equipamento de visão noturna e invadiu três casas na província de Kandahar, no sul do país. Entre os 16 mortos pelo militar estão mulheres e crianças, segundo fontes ocidentais e afegãs.
Esta é a mais recente de uma série de ações das tropas norte-americanas que causaram indignação entre os afegãos. O ataque aconteceu poucas semanas depois de exemplares do Corão terem sido queimados numa base norte-americana, gerando tumultos e a morte de 40 pessoas.
Desta vez, o Talibã – que há dez anos lidera a insurgência contra as tropas estrangeiras comandadas pelos EUA – ameaçou vingança "contra os perversos selvagens norte-americanos, por cada um dos mártires", de acordo com um comunicado no site dos talibãs.
A declaração na internet veio após a embaixada dos EUA pedir que os cidadãos afegãos tomassem precauções adicionais, alertando sobre "o risco de sentimentos antiamericanos e protestos nos próximos dias, especialmente nas províncias do leste e do sul do país". O presidente Barack Obama telefonou ao presidente afegão, Hamid Karzai, e prometeu investigar rapidamente as mortes "chocantes".
De acordo com autoridades norte-americanas, o atirador, identificado como um sargento do exército, agiu sozinho. Depois de disparar contra famílias que dormiam em dois vilarejos, ele retornou à base e se entregou.
Por um fio
O ataque deste domingo poderia afetar gravemente os planos dos Estados Unidos de manter militares coselheiros no Afeganistão, ao mesmo tempo que tentam desacelerar a guerra, cada vez menos popular. Os dois países discutem há mais de um ano um pacto estratégico para gerir a parceria quando as tropas estrangeiras deixarem o Afeganistão, em 2014.
O acordo proposto daria embasamento legal às tropas americanas remanescentes no Afeganistão, incumbidas de auxiliar os afegãos com inteligência, força aérea e logística na luta contra os insurgentes talibãs.
Como pré-condições para o estabelecimento do pacto estratégico, os afegãos exigem um cronograma para assumir gradualmente o controle de centros de detenção – segundo um acordo assinado há poucos dias. Também pedem que os EUA e a Otan concordem em acabar com as invasões noturnas a lares afegãos.
Fracasso da guerra
Neste 11º ano da presença dos EUA no Afeganistão, a morte de civis é uma das principais fontes de tensão entre Cabul e Washington. A conta da guerra já excedeu 500 bilhões de dólares. Mais de 1.900 soldados norte-americanos e um total de 3 mil das tropas estrangeiras morreram no conflito.
Uma pesquisa recente da rede ABC News e do jornal The Washington Post mostrou que 60% dos norte-americanos acreditam que a guerra do Afeganistão não valha o que custa. Entre os entrevistados, 54% querem a retirada das tropas dos EUA, mesmo que o exército afegão não esteja adequadamente treinado.
"Essas mortes [deste domingo] servem apenas para reforçar a ideia de que a guerra está falida e de que podemos fazer pouco mais do que tentar reduzir as perdas e deixar o país", declarou Joshua Fost, especialista em segurança norte-americano.
Reações afegãs e visita alemã
O presidente Karzai condenou as mortes em Kandahar – a província onde surgiu o Talibã – e exigiu explicações. "Quando afegãos são mortos intencionalmente por forças norte-americanas, trata-se de assassinato, terror e de uma ação imperdoável", disse.
Moradores relataram que o soldado norte-americano foi atirando pelas casas, entrando em três delas e ateando fogo contra alguns dos corpos. Nove das vítimas eram crianças. "Este é um ato desumano e anti-islâmico", disse Samad Khan, um agricultor que perdeu todos os 11 membros de sua família. "Ninguém tem a permissão de matar crianças e mulheres, em nenhuma religião do mundo".
No dia seguinte ao ataque, a chanceler federal alemã, Ângela Merkel, realizou uma visita a um acampamento alemão na cidade de Masar-i-Scharif, no norte do país. A viagem já havia sido planejada antes do ataque deste domingo, mas Merkel aproveitou a ocasião para se pronunciar sobre o ocorrido.
Por telefone, Merkel transmitiu ao presidente Karzai suas condolências pessoais e do povo alemão pelo "ato terrível do soldado norte-americano". Segundo Steffen Seibert, porta-voz do governo alemão, a chanceler garantiu que a Força Internacional de Assistência para Segurança (ISAF, na sigla em inglês), conduzida pela Otan no Afeganistão, fará o possível para esclarecer o incidente.
LPF/afp/rtr/ape - Revisão: Alexandre Schossler
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